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Entrevista com a analista junguiana suíça Ruth Ammann

Formas vindas do inconsciente
Em abril, a analista junguiana suíça Ruth Ammann esteve no Brasil para lançar seu livro Terapia do Jogo de Areia – imagens que curam a alma e desenvolvem a personalidade (Paulus, 200 págs., R$ 23,10) e para participar de uma série de palestras sobre o assunto. O intuito foi o de difundir os conhecimentos sobre esta técnica, aprendida por ela com Dora Kalff, de quem foi discípula.
Formas vindas do inconsciente
Em abril, a analista junguiana suíça Ruth Ammann esteve no Brasil para lançar seu livro Terapia do Jogo de Areia – imagens que curam a alma e desenvolvem a personalidade (Paulus, 200 págs., R$ 23,10) e para participar de uma série de palestras sobre o assunto. O intuito foi o de difundir os conhecimentos sobre esta técnica, aprendida por ela com Dora Kalff, de quem foi discípula.
O uso do método psicoterápico do Jogo de Areia começou nos anos 60, com a própria Dora Kalff, a partir de terapias usadas na Suécia para diagnóstico psiquiátrico infantil e da cosmovisão psíquica de Carl Gustav Jung, que foi seu professor. Entre essas técnicas destacam-se a imaginação ativa e a técnica da projeção das imagens internas em concretizações externas (desenhos, pinturas, esculturas etc.). Por meio dessas formas de expressão artística é possível, então, trabalhar o inconsciente de forma livre.
Ruth Ammann deu a seguinte entrevista para Viver Psicologia durante esta que foi sua segunda visita ao Brasil.

VIVER PSICOLOGIA – Como foi seu encontro com Dora Kalff?
RUTH AMMANN – Foi uma coincidência. Meu irmão era cineasta e fez um vídeo com ela, na época em que eu já estava no Jung Institute. Logo em seguida, ela me convidou para trabalhar com um grupo de crianças. Eram 16 crianças e por isso o trabalho era bastante pesado.

VP – O que a senhora pôde aprender com ela?
RUTH – Uma das coisas que mais pude exercitar com ela foi a paciência. Dora era também uma pessoa de mente aberta, de espírito livre, e muito viva. Ela me ensinou a olhar o analisando de uma forma livre de preconceitos, sem regras e desejos. É só deixar as pessoas brincarem. Também aprendi a usar o silêncio, e isso é muito importante. É o que permite à pessoa mergulhar fundo dentro de si. Há alguns terapeutas que falam muito e acabam não deixando espaço para seus clientes. Eu aprendi a observar. Mas já havia aprendido isso com meu avô, que era um médico pediatra e observava muito seus pacientes. Ele usava para isso todos os sentidos. O jogo de areia é também um tipo de expressão muito sensual. As pessoas, em geral, não olham os detalhes. No jogo com a areia podem criar pequenas amplificações desses detalhes e o que passa a importar é o que está acontecendo naquele momento.

VP – Como a senhora introduz o jogo de areia na terapia?
RUTH – Depende. Algumas pessoas chegam até mim já sabendo desse tipo de trabalho e esperam poder realizá-lo na terapia. Mas é engraçado notar: algumas pessoas olham, mas nem notam a caixa de areia no ambiente. Mesmo eu colocando-a num local de evidência na sala. Muitas vezes, é a partir do momento em que descobrem a caixa que surge a curiosidade em mexer com ela. Eu gosto que as pessoas a usem quando quiserem. E devo observar que o importante é o contato manual que as pessoas têm com a areia, não a manipulação de figuras. O manuseio da areia provoca sensações que vão fundo no inconsciente. Esse contato traz reações físicas e a sensação nas mãos traz à tona memórias de uma vida intra-uterina. Podemos recordar registros sensoriais que tínhamos antes mesmo de nascer. O jogo de areia propicia uma interação entre corpo e psiquê incapaz de acontecer numa análise apenas verbal.

VP – Imagino que nem todas as pessoas sintam-se à vontade em mexer com a areia. Por que isso acontece?
RUTH – Essa reação tem a ver com a educação. A repulsa em mexer com a areia vem de uma idéia de asco, de intolerância à sujeira. Como se o corpo humano também não fosse sujo. É curioso perceber como pessoas com anorexia não gostam de água, por exemplo. Os anoréticos têm medo dos líquidos do próprio corpo. Essas pessoas não conseguem aceitar o processo normal de absorção e de eliminação de substâncias pelo corpo. Mas é necessário discriminar que algumas pessoas, em geral as mais abastadas, muitas vezes não deixam de ter contato com a sujeira por medo ou rejeição, mas porque são pessoas sem o hábito de usar as mãos em tarefas manuais. Isso é diferente de aversão.

VP – Que papel desempenham as figuras em miniatura no jogo de areia?
RUTH – As figuras são uma espécie de edição de nossas representações do mundo interno. Mas, por estarem prontas, encontram-se num nível mais superficial. Hoje usamos muito as figuras já prontas, manufaturadas. No passado, entretanto, usava-se o papel, as pedras, os pedaços de plástico. Eu voltei um pouco para os materiais disformes porque sua utilização é também uma forma de criar. Pegar tudo pronto é uma atitude consumista. Por outro lado, poder criar é muito importante porque o que surge são imagens compensatórias necessárias concretizadas por força da imaginação. Esse é um aspecto muito interessante do trabalho. A gente tem a capacidade de ver o simbólico atrás da realidade. E esse significado é diferente do que se vê na pintura ou na escultura, porque é o próprio processo de criação.

VP – Por que tantas pessoas reclamam da falta de criatividade?
RUTH – A educação dos pais e de toda a sociedade diz como as pessoas “devem” ser. Com isso, criam pessoas artificiais, que são infelizes porque não podem ser o que são de verdade. A pessoa nasce rosa, mas o mundo à sua volta quer determinar que seja girassol. Dizem: “você deve ser isso, deve fazer aquilo”. A terapia também faz isso. Para evitar essa atitude, é preciso aprender a observar a personalidade de cada um. É muito bonito ver as pessoas se desenvolvendo e sendo o que elas realmente são. Eu sempre comparo esse aspecto da terapia com a jardinagem. Não se pode fazer a planta morrer dando água demais, ou sol demais. E, sobretudo, é preciso respeitar a natureza daquela semente. O grande problema é que hoje não há vida saudável nas cidades. Isso perturba o processo natural de desenvolvimento. A falta de criatividade é um sinal disso.

VP – É mais difícil trabalhar com crianças ou com adultos?
RUTH – Eu diria que é menos difícil trabalhar com o adulto porque, com ele, a responsabilidade é menor. Eles não são tão vítimas quanto as crianças das atitudes neuróticas dos adultos, que por sua vez agem assim porque têm muitas expectativas e querem proteger a criança o tempo todo. O lado positivo de se trabalhar com a criança é que a curiosidade dela é muito grande e isso tem que ser deixado livre.

VP – As diferenças culturais têm algum peso marcante no processo de desenvolvimento pessoal?
RUTH – Eu realmente tenho visitado diferentes culturas. Alemanha, Itália, Canadá, Brasil, entre outros países. Mas percebo que há uma língua universal. As imagens são universais, assim como os contos de fadas. Evidentemente, todo povo tem seu repertório próprio de folclore, de figuras mitológicas. Entretanto, o jogo de areia coloca-se mais como um jogo de ser Deus, porque a pessoa passa a ser um criador. É como se assumisse uma faísca do dom de criação divina. E descobre que precisa ter um espaço pessoal para si próprio. O que difere em cada cultura são alguns tipos de personagens. Como no Brasil, por exemplo, onde são reverenciados os orixás. Mas orixás são figuras sagradas, e mesmo pertencendo a uma outra cultura, quem olha percebe tratar-se de uma figura sagrada.

VP – De que forma a terapia do jogo de areia ajuda a promover a cura?
RUTH – No nível objetivo, podemos afirmar que é muito importante conseguir encontrar significados para os sentimentos e ser capaz de expressar emoções. No jogo de areia essas emoções são projetadas de uma forma bastante livre. Ao mesmo tempo, ao contrário do que ocorre em muitas abordagens da psicologia e da psiquiatria, no jogo de areia procura-se encontrar os recursos pessoais de cada um. Está nelas essa possibilidade, por isso, ao deixar aflorar os próprios recursos e não procurá-los fora, a cura acontece muito rapidamente.

VP – A religiosidade está muito presente nos cenários criados pelos pacientes?
RUTH – Muito. A religiosidade é a relação do homem com algo divino e também o que há de mais profundo nas pessoas. É sua sensação de pertencimento ao universo. A religião também aparece muito no jogo de areia, mas há muita distorção nessa relação, porque as igrejas causam muitos danos às pessoas. Buscando adquirir figuras religiosas, percebo que Buda talvez seja a mais encontrada. E a Dinamarca é o país onde é mais difícil achar esse tipo de figura.

VP – Por que a religiosidade adquire tanta importância no processo terapêutico?
RUTH – Nós temos algo divino em cada um de nós e mexer com o divino nos autoriza a exercitar isso. Ao mesmo tempo, a natureza, Deus, o espírito divino da criação, seja lá que nome a gente dê para isso, continua sendo para nós um grande mistério. Se Deus é encarado como o espírito da criação, o ato humano de criar é uma forma de poder falar com Ele. Se ter flores no jardim denuncia Sua presença, descobrimos que a nossa ânima também pode estar em tudo que criamos. As ciências naturais estão se voltando para o divino. Até a física quântica começa a caminhar nessa direção, mas não os psicólogos.

VP – Que semelhanças a terapia do jogo de areia guarda com a alquimia?
RUTH – O processo alquímico pode ser interpretado como o espírito conectado com o processo físico. Na alquimia se vê o físico e se tenta alcançar o sentido espiritual. É como cozinhar com prazer, quando se transforma algo. Transformam-se os ingredientes e a energia que está sendo posta ali no processo. O jogo de areia também traz esse tipo de prazer criativo. E, em geral, a pessoa se sente muito feliz e orgulhosa de estar criando algo.

VP – A senhora tem percebido crescimento de interesse pela técnica que veio ensinar no Brasil?
RUTH – Não posso dar dados objetivos e mundiais. Provavelmente, as sociedades de análise junguiana espalhadas pelo mundo estão mais habilitadas a responder isso. Mas tenho percebido à minha volta um crescimento do interesse. Em Campinas, quando estive aqui pela primeira vez, não havia muita gente participando de minhas palestras. Isso mudou radicalmente desta vez.

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