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Esquizofrenia – não ao preconceito!

Um dos maiores pesquisadores brasileiros na área da esquizofrenia, o psiquiatra Mário Louzã fala sobre os avanços no tratamento e alerta sobre um inimigo tão perigoso quanto a própria doença – o preconceito
Um dos maiores pesquisadores brasileiros na área da esquizofrenia, o psiquiatra Mário Louzã fala sobre os avanços no tratamento e alerta sobre um inimigo tão perigoso quanto a própria doença – o preconceito
Coordenador do Projeto Esquizofrenia (Projesq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o psiquiatra Mário Rodrigues Louzã Neto conhece como poucos esse mal que atinge 80 mil brasileiros a cada ano e afeta cerca de 1% da população mundial. Em entrevista à Viver Psicologia, Louzã fala sobre seu trabalho no Projesq e lança uma luz sobre os mecanismos e as causas, ainda em grande parte obscuros, da esquizofrenia – a mais complexa e estigmatizada das doenças mentais.

VIVER PSICOLOGIA Qual a moderna definição da esquizofrenia?
MÁRIO LOUZÃ A esquizofrenia é uma doença crônica grave que se manifesta pela primeira vez normalmente entre os 20 e 29 anos e se caracteriza pela desorganização de diversos processos mentais, desencadeando um quadro típico de sintomas, que são mais intensos durante os chamados surtos esquizofrênicos.

VIVER Quais os principais sintomas da doença?
LOUZÃ Os sintomas são numerosos, variando de pessoa para pessoa e também de acordo com o estágio da doença. Entre os principais sintomas estão alucinações, principalmente auditivas (a pessoa garante ouvir vozes, que dão ordens ou fazem acusações); delírios-crença (idéias falsas em que o esquizofrênico acredita totalmente, por exemplo, como a de estar sendo perseguido por agentes secretos, vigiado por câmeras ocultas ou a de ter o telefone grampeado pela polícia); afetividade alterada (a expressão afetiva torna-se embotada e pueril); alterações de pensamento (o indivíduo perde o fio do pensamento lógico, o que o leva a dizer coisas desconexas); falta de motivação; dificuldade de concentrar-se; autismo (a pessoa passa a viver num mundo imaginário e fica “desligada”) e sintomas motores (os movimentos corporais tornam-se lentos e o doente pode permanecer por longos períodos em posturas incomuns, sem andar ou falar).

VIVER O que se sabe atualmente sobre as causas da esquizofrenia?
LOUZÃ As causas continuam pouco conhecidas. Além da influência de aspectos genéticos, acredita-se que fatores ambientais que agridam o feto no período do neurodesenvolvimento, na gestação ou no nascimento – infecção materna, sangramento ou alguma complicação no trabalho de parto, por exemplo – também contribuam para a manifestação da doença. Algo sobre o que todos os trabalhos concordam é que a esquizofrenia decorre de algum problema no sistema nervoso central durante o período do neurodesenvolvimento – que vai da fase intra-uterina aos primeiros meses de pós-parto. Essa alteração deixaria o sistema nervoso predisposto a um desequilíbrio bioquímico e também incluiria a hipótese de uma lesão.

VIVER Então há uma alteração visível no cérebro?
LOUZÃ Ela é sutil, mas existe. Às vezes, já está presente antes do aparecimento da doença, outras vezes surge com o início dos sintomas.

VIVER Os exames seriam um método de diagnóstico?
LOUZÃ Não, porque ainda não temos precisão suficiente para distinguir, por meio dos exames, a esquizofrenia de outras doenças que também causam atrofias no sistema nervoso central. Os exames servem para estudar os mecanismos e as causas da doença, não para fazer um diagnóstico definitivo.
VIVER Que outras doenças têm manifestação sintomática semelhante à da esquizofrenia?
LOUZÃ Existem várias. Há doenças do sistema nervoso central, como a epilepsia, doenças metabólicas, doenças endócrinas, como o hipertiroidismo, doenças auto-imunes e até outras doenças mentais, como o transtorno bipolar. De acordo com a literatura, algumas dezenas de doenças podem causar quadros orgânicos com manifestação esquizofreniforme.

VIVER A neurocirurgia pode se tornar uma opção de tratamento?
LOUZÃ A neurocirurgia não é mais uma opção de tratamento para os esquizofrênicos. Ela chegou a ser empregada como um paliativo para os casos mais graves antes do aparecimento dos chamados antipsicóticos de primeira geração, na década de 50. Embora atenuasse o quadro mais agudo dos surtos, a cirurgia deixava a pessoa embotada, parada, sem iniciativa – quase em estado vegetativo.
VIVER Qual o impacto dos medicamentos no tratamento da esquizofrenia?
LOUZÃ Em 1952, descobriu-se que a substância clorpromazina tranqüilizava os esquizofrênicos mais agitados e diminuía os sintomas mais intensos da doença. Na seqüência, foram desenvolvidos outros antipsicóticos, como o haloperidol, a levomepromazina, entre outros. Esses primeiros medicamentos, embora combatessem certos sintomas da doença, causavam uma série de efeitos colaterais que faziam muitos pacientes abandonarem o tratamento. Os mais graves eram os chamados efeitos extrapiramidais, em especial os tremores, num quadro parecido com o do mal de Parkinson. Os medicamentos modernos tratam com mais eficiência os sintomas da doença e provocam menos efeitos colaterais, agindo basicamente sobre neurotransmissores como a dopamina e a serotonina.

VIVER Pode-se falar em cura para a doença?
LOUZÃ Não. O que se consegue é um controle ou a chamada remissão dos sintomas. Mesmo depois do tratamento, a maioria dos pacientes – entre 70% e 80% – permanece com um quadro residual de sintomas.

VIVER Qual seria essa sintomatologia residual?
LOUZÃ São seqüelas psíquicas, geralmente chamadas de sintomas negativos: embotamento afetivo, falta de iniciativa, pobreza de discurso, dificuldade de cuidar de si mesmo etc. Embora limitante, esse quadro não impede que a pessoa tenha uma vida praticamente normal – considerando-se, claro, a sua condição. É provável, por exemplo, que ela tenha maior dificuldade em estabelecer relações ou em desempenhar tarefas profissionais complexas, que exijam concentração ou raciocínio lógico, mas não existe impedimento à sua convivência com outras pessoas.

VIVER O tratamento precoce aumenta as chances de recuperação?
LOUZÃ Acredita-se que sim, mas é uma questão ainda em debate. O que buscamos com o trabalho de reabilitação é justamente que a pessoa tenha uma vida o mais normal possível. Um problema é que muitos pacientes, com a melhora, abandonam o tratamento e os sintomas voltam. E, na maioria dos casos, sabe-se que a pessoa terá de ser acompanhada pelo resto da vida.

VIVER Como os sintomas aparecem na adolescência, pode haver algum aspecto hormonal envolvido?
LOUZÃ Não se sabe bem. Como a adolescência é um período de maturação do sistema nervoso central – principalmente das áreas frontais, que são as últimas a amadurecer no ser humano –, substâncias que não exatamente os hormônios sexuais entram em jogo: a cortisona ou alguns neurotransmissores que mudam quando o indivíduo entra na adolescência, por exemplo. Mas aí é preciso considerar que alguns desses itens têm um peso menor e outros um peso maior e que isso varia de pessoa para pessoa.

VIVER Qual o panorama atual da pesquisa na área da esquizofrenia?
LOUZÃ Há muita coisa sendo pesquisada: a genética molecular, as disfunções bioquímicas, a neuroimagem, a farmacologia e a neuropsicologia, por exemplo – que tenta fazer uma ponte entre as funções mentais e as respectivas áreas cerebrais por meio de testes, verificando quais áreas encontram-se comprometidas.

VIVER Como é o trabalho desenvolvido pelo Projesq?
LOUZÃ O Projesq foi fundado em 1990 e tem sua ação voltada para a área clínica, com ênfase na pesquisa das bases biológicas da esquizofrenia e de novos medicamentos, mais eficazes e com menores efeitos colaterais. Trabalhamos basicamente com pós-graduandos, médicos formados com interesse num aprimoramento e residentes que vão se especializar em psiquiatria. Além disso, contamos com psicólogos e terapeutas ocupacionais. Atendemos pacientes que procuram a psiquiatria, o HC ou diretamente os profissionais do Projesq. Dependendo do projeto de pesquisa em desenvolvimento, também fazemos uma espécie de convocação pela imprensa, chamando pacientes potenciais. Aproximadamente mil pacientes já foram ou estão sendo atendidos pelo grupo.

VIVER Quais as principais linhas de pesquisa do projeto?
LOUZÃ Uma de nossas linhas de pesquisa é com pacientes refratários – que não respondem aos tratamentos habituais e que geralmente são os casos mais graves. Tentamos encontrar novas opções de tratamento para eles: outros remédios, associação de medicamentos. Outra linha de pesquisa diz respeito à detecção precoce da doença e à intervenção o mais rápido possível, visando a uma melhor recuperação. Mas há outros projetos.

VIVER A popularização de transtornos como a depressão e a síndrome do pânico contribuíram para reduzir o estigma social da esquizofrenia?
LOUZÃ Não, ela continua sendo vista como uma doença estigmatizante, como “loucura”. Uma das causas é a tendência de associar a esquizofrenia a comportamentos violentos. Diante de qualquer crime em que esteja envolvido um portador de doença mental, essa pessoa logo é rotulada de esquizofrênica. É claro que se a pessoa estiver agitada, agressiva, você vai tomar algum cuidado, mas isso é a exceção. É muito mais fácil sofrer violência de uma pessoa que não tem esquizofrenia do que de um esquizofrênico. Para a redução do estigma é preciso um esclarecimento da população sobre a doença, da mesma forma que se faz com outras, mentais ou não.

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