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PSYU Nº5 – Coluna NEO – Setembro/2000

Construção da Identidade na Publicidade
Construção da Identidade na Publicidade
Quantas pessoas que você conhece diriam que dão atenção a comerciais de qualquer tipo? Quantas dessas diriam que se deixam influenciar por um comercial na hora de comprar um sabonete ou um óculos? E quantos milhões de dólares são investidos no mercado publicitário anualmente? Será que as indústrias investem simplesmente num modo de vender aquele produto que lançam no mercado? O que mais elas poderiam estar vendendo junto, que direcionasse nossas escolhas?

Quando uma empresa planeja testar o impacto do lançamento de uma campanha publicitária, é feito todo um trabalho de investigação psicológica em cima do público que se deseja atingir (público alvo). Somos denominados como “a massa”, somos vistos como criaturas completamente e facilmente manipuláveis. Nossos valores e ambições, nossas carências e desejos são destacados, explicitados de tal modo que a primeira preocupação do ponto de vista do mundo publicitário é como corresponder às expectativas do meu público alvo através desse produto?

Por mais que possa ferir o nosso orgulho, pondo em xeque a tão admirada indeterminação do ser, nos deixamos manipular subjetivamente inclusive por meio de estímulos que não apreendemos ou não processamos racionalmente. Esses estímulos podem variar de acordo com o tipo de mídia, público alvo ou produto oferecido. Podem ser mensagens escritas, cantadas, simbolizadas, metaforizadas, etc.. Podem ser repetitivas ou marcantes, podem ser explícitas ou implícitas. A mensagem embutida na propaganda comunica muito mais do que aquilo que o produto oferece; comunica tudo o que faz dele um objeto de desejo, tudo que ele poderia oferecer para fazer da sua vida mais prazeirosa. O produto não aparece sozinho, mas inserido num contexto onde determinado tipo de pessoa obtém prazer graças a ele.

Os criadores em publicidade são constantemente chamados de artistas, ou “gênios criativos”, mas a criatividade a que se referem aqui tem um sentido particular. Sem nos darmos conta, somos levados a consumir computadores mais sensuais, destilados que afirmam nossa sexualidade, shampoos que prometem sensualidade, cigarros que nos transportam para um admirável mundo novo e carros que nos dizem tudo sobre paixão. Preferimos produtos que venham em embalagens anatomicamente confortáveis, que lembrem partes do corpo humano, que tenham uma cor coerente ao apelo emocional que o produto carrega. Ao mesmo tempo, temos a plena convicção de que escolhemos um artigo de compra de acordo com o benefício que ele nos traz, acreditamos mesmo que a marca “ACME” possui uma fábrica que produz os produtos mais adequados para nossa necessidade, por um custo racionalmente justificável.

Aqui chegamos à seguinte questão: por que somos tão suscetíveis? Por que nos entregamos a determinados tipos de símbolos ou mensagens? Há toda uma relação de identidade que estabelecemos com certas imagens, um contexto que nos mostra o quanto o homem pode ir além da sua cotidianeidade, o quanto ele pode se aproximar da sensação de plenitude, transcendendo portanto a sua situação imediata. Somos livres para nos tornarmos aquilo que não somos. Podemos dizer que é a realidade virtual sem participação ativa, o modo de reviver o que nunca fomos sem o menor esforço. Em uma revista em quadrinhos de James Robinson (1997), encontro o seguinte texto:

“Escrituras e doutrinas foram escritas por homens, não deuses. Homens vêm ao mundo maculados, então como podem ser melhores seus julgamentos sobre a vida? Crie suas próprias regras para viver, Richard. Não se arrependa de nada.” in Bruxaria vol.2, p. 29, Ed. Abril.

Enquanto profissionais da saúde, como conviver com o fato de que somos responsáveis pelas significações que nossos clientes possam atribuir a determinado estímulo? A propósito, até onde somos responsáveis por tais significações e até onde eles nos permitem criar as identificações que julgamos mais adequadas no momento? Seria antiético oferecer tais possibilidades de identificação às pessoas? Ou talvez não seria exatamente o papel do psicólogo oferecer novas possibilidades existenciais? A propaganda é terapêutica ou é uma defesa neurótica?

Preconceitos a parte, apesar de todas as estratégias de manipulação envolvidas, a propaganda é o nosso Totem moderno; pela incorporação de um elemento simbólico e carregado de significados, grupos afirmam suas identidades e se diferenciam de outros grupos (tribos). São as imagens ao nosso redor que constituem o mundo vivido, como uma linguagem tão elaborada quanto intuitiva.
ARTUR CHAGAS, PSICOTERAPEUTA

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