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PSYU Nº5 – Coluna PESQUISA/PROJETOS – Setembro/2000

Linguagem, Ideologia e Educação
Linguagem, Ideologia e Educação
A Língua é um instrumento de comunicação, resultante da vida em sociedade, e também suporte do pensamento; está entre as instituições humanas. As Ideologias possuem um caráter orgânico e organizador. Uma ideologia não é somente um sistema de idéias, mas um conjunto estruturado de representações, funcionando como um inconsciente. Escreve Gramsci: “elas (…) organizam as massas humanas, formam o terreno onde os homens se movem, onde adquirem consciência da sua posição, onde lutam.” A Ideologia e a Língua são ao mesmo tempo, o instrumento que utilizam e o meio em que se servem. Mas existe diferença entre realidade e uma certa idéia de Língua.

Na base deste problema temos não só uma Língua Literária, culta, como também o sistema de escolarização que antes de ser socializador e socializante, marca as diferenças que pretende diminuir. “Com efeito, o êxito nos estudos literários (…) está ligado à aptidão para o manejo da língua escolar, que só é uma língua materna para as crianças oriundas das classes cultas.”(1) A Língua se vale da palavra como matéria, mas “o artista da palavra aborda um material em que se acham condensados os resultados de numerosos séculos de atividade humana orientada para o conhecimento da vida.”(2) O discurso literário assenta numa orientação determinada que centra o texto; este centro chama-se Significação, que é a relação operada entre significante e significado; na medida em que o referente lhe é exterior. Sabemos que a produção é um processo, e que um conteúdo inclui valores que se estruturam não apenas segundo uma forma textual, mas também segundo uma forma social; enquanto operação, a Significação é um mecanismo estritamente lingüístico; mas enquanto sentido de escrita ou leitura, ela é transformação de dados.

É enquanto reflexo material da realidade objetiva, que a Literatura é concebida; sendo o produto de uma prática social. Não é uma atividade imaginária, embora produza efeitos de imaginário, mas o produto do Reflexo, portanto, um processo material, de uma dada vida social. Em geral a definição da literatura como ficção comporta um elemento que é a imagem análoga da vida. Mas este nos leva imediatamente a outro – a idéia de conforto com um modelo. A ficção se compreende, em referência, quer a uma verdade, quer a uma realidade, e daí tira o seu sentido, sendo o efeito estético um efeito de dominação. Sujeição dos indivíduos à ideologia dominante e dominação de ideologia da classe dominante. É um efeito desigual, não produzido uniformemente sobre os indivíduos. Formalmente, a Literatura realiza a língua comum, é oferecida e destinada a todos e se distingue entre os seus leitores segundo sua sensibilidade natural ou adquirida. Mas na prática, significa Sujeição para os membros da classe dominante a aquisição de uma liberdade de pensar na ideologia, uma submissão vivida e praticada como uma dominação mais ou menos extensa; aos que pertencem às classes exploradas de trabalhadores e que encontram na leitura a confirmação da sua inferioridade; Sujeição significa dominação e recalcamento pelo discurso oculto, de um outro incorreto, impróprio para a expressão complexa das idéias. A diferença não se produz depois, como desigualdade de leitura ou consumo. Mas como compreender que no texto literário esteja não só o discurso dos que praticam a literatura, mas também o discurso dos que o ignoram e que ela ignora?

Só analisando-o em seu lugar determinante, o conflito lingüístico que produz o próprio pormenor do texto literário, e que opõe dois usos antagônicos, desiguais e contudo inseparáveis – por um lado, a Língua Literária, a que se aprende no Ensino Médio, de outro a Língua Simples, que longe de ser espontânea, se aprende na Escola Básica – uma só é simples na sua relação desigual com a outra que, só por isto, é literária. “Assim, o (…) implícito nessas relações com a linguagem é todo o significado que as classes cultas conferem ao saber erudito e à instituição encarregada de perpetuá-lo e transmití-lo. (…) Enquanto mercado lingüístico estritamente sujeito aos veredictos dos guardiães da cultura legítima, o mercado escolar encontra-se estritamente dominado pelos produtos lingüísticos marcados da classe dominante e tende a sancionar as diferenças de capital preexistentes.”(3)
CESAR V. FERREIRA, ACADÊMICO DE LETRAS NA USP

1- Bordieu, P. – Escritos de Educação, p.46.
2- Youri, M. L. – Leçons de Poétique Structurale.
3- Bordieu, P. – Economia das Trocas Lingüísticas, p.49.

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