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A riqueza do inusitado

A rua como espaço terapêutico, onde o ônibus que bate, o cachorro que late, o camelô que anuncia seu produto ou as brincadeiras do menino de rua contribuem para o sujeito se perceber e descobrir outros modos de agir, pensar e se relacionar. Esta é uma das possibilidades do Acompanhamento Terapêutico (ou AT), um recurso da Psicologia normalmente encarado como terapia de segunda categoria e que vem ganhando novo fôlego e vários entusiastas no Brasil.
A rua como espaço terapêutico, onde o ônibus que bate, o cachorro que late, o camelô que anuncia seu produto ou as brincadeiras do menino de rua contribuem para o sujeito se perceber e descobrir outros modos de agir, pensar e se relacionar. Esta é uma das possibilidades do Acompanhamento Terapêutico (ou AT), um recurso da Psicologia normalmente encarado como terapia de segunda categoria e que vem ganhando novo fôlego e vários entusiastas no Brasil.
Na vizinha Argentina, o AT é uma prática reconhecida e que ganhou visibilidade no contexto da reforma psiquiátrica, ficando atrelado à realidade da saúde mental e ao tratamento da loucura. Em terras brasileiras, entretanto, já se articula o AT com a Psicologia Cognitiva, Social, o cinema, a Psicanálise, além de filósofos, biólogos e outros pensadores, aplicando-o inclusive a questões sociais e ao estudo da mídia.

O psicólogo Alex Sandro Tavares da Silva vê no AT uma maneira de promover saúde e também de alterar a percepção política dos envolvidos nesta caminha terapêutica, que também chama de Fazer Andarilho. “Penso o Fazer Andarilho com uma maneira de ampliar as possibilidades de vida, de lidar com a vida como ela é. E isso inclui o medo, a poluição, as diferenças e tudo o mais que a cidade comporta, ou seja, tomamos estes elementos para criar intervenção”, explica o psicólogo, que está se dedicando ao assunto através da sua pesquisa de Mestrado, que cursa na Universidade Federal do RS. Segundo ele, outro aspecto importante do AT é levar em conta o inusitado da cidade, aproveitar o incontrolável para produzir sentidos não só no acompanhado mas também em todo coletivo. “Saímos na rua para propôr outras formas de viver a vida.

Não é um trabalho que visa só a mudança do sujeito, mas também a própria mudança do profissional da Psicologia e a forma como as pessoas lidam com o sujeito que está sendo acompanhado”, diz. Para exemplificar, Tavares lembra o caso de um garoto autista que atendeu durante algum tempo no bairro onde vivia. No começo, todos o olhavam com preconceito e medo, já que o “louco” puxava os cabelos das crianças e não obedecia ninguém. Seis meses depois, o dono de um bar que antes comentava o quanto era difícil lidar com o garoto agora já admitia que preferia tê-lo como cliente porque sabia escolher e pagava na hora. “Depois do garoto autista ter experimentado as possibilidades do seu bairro ele também foi provocando mudanças em todos.

As pessoas perceberam que o sujeito que era tido como louco também podia estar articulado, bancando seus desejos e convivendo nesse contexto. E este é o aspecto político que ressalto com o Fazer Andarilho, um tipo de AT que vai trabalhar na construção de outras formas de lidar com a diferença, que vai intervir em todo o contexto social”, observa Tavares.

Já aproveitar o inusitado e os fatos estranhos que podem surgir durante um Fazer Andarilho exigem uma certa predisposição do psicólogo, uma disponibilidade para circular pela cidade e entrar em contato com o incontrolável. “Neste momento o psicólogo não tem o conforto nem a segurança do seu consultório, mas estará em contato com o que é considerado o ouro do AT”, ressalta. “O Fazer Andarilho implica em fazer outras articulações teóricas e aceitar o inusitado. O psicólogo também precisa aceitar que não é só ele que intervém no tratamento do dito paciente e, além disso, participa de um outro processo de construção da cidade”, acrescenta Tavares.

A explicação vem acompanhada de outro exemplo “prático”, como o do sujeito que tinha pavor de cachorros e, numa volta pela cidade, junto com o psicólogo, se depara com um Pastor Alemão agressivo. “Aí surgiu o incontrolável, já que eu não tinha domínio sobre a situação. O cão latia muito, o paciente estava apavorado e eu optei por ficar parado, encarando o animal, até que a dona dele apareceu. Depois disso, o acompanhado percebeu que dava para passar pelos cachorros na calçada sem, necessariamente, ser morto por eles”, conta. Mas, indepentemente da riqueza proposta pelos locais de circulação do sujeito, o Fazer Andarilho também pode ser usado no consultório. Afinal, o sujeito é membro de um sistema e, como tal, está mergulhado em suas possibilidades, em sua condição política. “Ele tem a sua história, é o que pode ser e, se está no consultório, é porque o sistema está lhe causando algum sofrimento”, observa Tavares. Conforme ele, outra possibilidade do AT é questionar a posição de interventor solitário atribuída ao psicólogo. “Acreditamos que o psicólogo é quem faz a intervenção, mas podemos criar outras formas, junto com o coletivo, colocando em xeque a visão da Psicologia individualizante e idéias dadas como verdades”, completa.

O trabalho de Alex Sandro Tavares da Silva – “A Força do Inusitado e a Dimensão Política: algumas possibilidades de um certo tipo de clínica ampliada” – foi um dos selecionados para a Oficina sobre Clínica Ampliada proposta pelo CRP-07 no 3º Fórum Social Mundial. Contatos com o psicólogo pelo site:

http://alextavares.cjb.net

Fonte: KANITZ, Mônica (2004). A Riqueza do Inusitado. In: Equipe do CRP/07. Entre Linhas –

Publicação do Conselho Regional de Psicologia CRP 07. Janeiro/Fevereiro. p. 03.

Entrevistadora: Mônica Kanitz – Reporter de Cultura – Mtb 8103.
Entrevistado: Psic. Alex Sandro Tavares da Silva – CRP 07/11807.

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