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Revista PSYU Nº7 – Coluna CULTURA – Maio/2001

Poiesis

“Agir ou não agir e tentar o destino” (Pelasgo – “As Suplicantes”)

Em 1972 Pierre Vernant e Vidal Naquet publicam o ensaio “Édipo sem Complexo” no qual é discutida a pertinência da teoria freudiana em relação à tragédia do herói tebano de Sófocles. Para os mitólogos, a tragédia se define segundo limites que abrangem “o sentido trágico de responsabilidade”, ou a “zona fronteiriça que coloca o homem no limiar da ação, articulando seus atos com as potências divinas em uma encruzilhada cujo destino lhes escapa”.

A tragédia operando segundo a linguagem quer lhe é pertinente teria sido influenciada pela realidade política da pólis, na medida em que o homem é colocado como mais ou menos agente de seus atos, onde o problema da responsabilidade apareceria como uma questão da ordem dos valores, como um “objeto de reflexão e debate”. Ao questionar o modelo épico, “a tragédia nasce quando se começa a olhar o mito com olhos de cidadão”. (Walter Nestle)

Apesar da dilatação do conceito freudiano de sexualidade, não podemos despresar a dimensão política do gesto assassino de Édipo. É verdade que esta dimensão subsiste nos épicos. Orestes deixa bastante claro a diferença entre as pulsões: o amor e o poder estariam contrapostos estruturalmente – embora o herói amasse a mãe, pelo poder outorgado por Apolo teria de matá-la.

Um deus campônio como Dioniso só poderia penetrar na cidade apolínea e patrilinhar em um contexto democrático, é verdade. No entanto reduzir a tragédia a questões de ordem política é abdicar de seu valor psicológico.

Na supracitada passagem do Édipo, por exemplo, vemos que na versão épica, o pai lhe teria matado os cavalos antes de ser por ele assassinado, o homicídio não fora deliberado, Édipo seria apenas uma presa do deus ex-machina, sua hybris em nada envolveria um comportamento faltoso do ponto de vista moral. Na versão trágica, por sua vez, o herói teria matado por uma contenda irrelevante: sua vaidade não lhe permitiria dar passagem a um estranho. Neste caso, sua hybris apontaria não apenas para o grau de culpabilidade do homicídio, mas acusaria uma neurose, uma inflação de ego pertinente à duvida que o herói sentia em relação à suposta inferioridade de sua origem. Em ambos os casos comete-se uma hybris, um descomedimento.

Os poetas épicos já discutiam o problema da responsabilidade do sujeito, afinal que sentido poderia ter o discurso de Zeus na Odisséia: “Santos numes! É de ver como os mortais se queixam dos deuses! Atribuem a nós as origens de suas desgraças, quando eles próprios, com sua astúcia, arranjam tribulações a mais de sua sina”.

As teorias psicanalíticas não são de todo alheias ao problema da responsabilidade trágica, pelo contrário, mutatis mutandis vão, como ela, inquirir sobre os limites da autonomia do sujeito em seus atos. Qual seria enfim, o significado de “ferida narcísica” empregado por Freud, senão o de antagonizar com a noção cartesiana de vontade, do homem como medida das coisas?
JOÃO PAIVA
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Claquete

Clube da Luta – Nunca é tarde para se comentar (e assistir) a este filme, que é um dos que melhor sintetiza os anos 90. Uma tragicomédia de humor negro sobre o vazio existencial pós-yuppie e o consumismo contemporâneo. Dirigido pelo mesmo diretor do bacana Seven – Os Sete Pecados Capitais e do fantástico O Jogo, a obra é um espetáculo visual e de roteiro, recheado de reflexões interessantes, sob um ponto de vista nos limites entre a sanidade e a psicopatia.

Um executivo sem perspectivas, condenado por uma insônia, conhece (?) Tyler Durden, um anarquista e passam a ser amigos inseparáveis. Criam um clube da luta a partir do prazer em se baterem. Mas o filme não pára por aí, cruzando essa temática com críticas à sociedade contemporânea, aspectos de uma psicopatia generalizada nos personagens e idéias sarcásticas sobre a convivência humana. Fundamental.

Fight Club, EUA, 2000. Dir: David Fincher. Com Edward Norton, Brad Pitt, Helena Bonham Carter. 139 min. Nas locadoras.

MAURÍCIO SALLES
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Dissonâncias

Hoje, os ruídos vêm de Tom Zé. Este ‘matuto que pensa’, quase deglutido pela indústria fonográfica e pelo desprezo da classe artística, ressurge como fênix dissonante e perturbadora. Tom Zé fundou a Tropicália com Gil & Caetano, fez sucesso no final dos anos 60 e depois submergiu, soterrado pelo já mencionado descrédito e pela própria ânsia de provocar. Sua obra, suicídio comercial, é agora praticamente toda relançada. Dos anos 60 vem ‘Tom Zé’; dos 70, ‘Todos os Olhos’ e ‘Estudando o Samba’.

Impressionante é se dar conta de que estes discos, fracassos totais no seu tempo, trazem na essência, as mesmas propostas e experimentações que os dois últimos ataques do compositor, o festejado ‘Com Defeito de Fabricação'(1998) e ‘Jogos de Armar'(2000). De fato parece que só agora Tom Zé encontra ouvidos que lhe ouçam… e mentes que lhe entendam.
THIAGO RODRIGUES
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Sapientia
A oitava maravilha do mundo – creio que o gosto pela obra do Chico Buarque na faculdade de Psicologia é unânime. Ele é um compositor que expressa exatamente aquilo que pensamos ou sentimos. Quem nunca ouviu uma de suas músicas e disse “ele escreveu isso pra mim!”?

Há uma publicação, de quando ele tinha 25 anos, que traz canções e suas partituras escritas a mão (mão do Chico!!!), além de um conto que, segundo ele, “representa o primeiro passo de um caminho incerto”. “Ulisses” é o nome do conto, em que o autor usa o mito da Epopéia de Ulisses para contar uma estória contemporânea. As canções são ilustradas lindamente por Eduardo Vasconcellos. Temos “A Banda” que dá nome à publicação, “Noite dos Mascarados”, “A Rita”, “Olé Olá”. São ao todo dezoito músicas, a maioria falando do samba.

É um trabalho lindíssimo. Para os fãs mais fiéis, ver sua caligrafia é como tê-lo ainda mais perto da gente.

A Banda – Manuscritos de Chico Buarque de Hollanda. Paulo Azevedo Ltda., Rio de Janeiro, Novembro de 1966.

JULIANA IGLÉSIAS

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