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Esquizofrenia atinge 1,8 milhão de pessoas no Brasil

A esquizofrenia é um transtorno mental que invariavelmente surpreende a família, pois, até que irrompa o primeiro surto, no fim da adolescência ou começo da idade adulta, a maioria de seus portadores não dá pistas do que está por vir.

Fonte: [url=http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf2407200501%2ehtm]UOL[/url]A esquizofrenia é um transtorno mental que invariavelmente surpreende a família, pois, até que irrompa o primeiro surto, no fim da adolescência ou começo da idade adulta, a maioria de seus portadores não dá pistas do que está por vir.

Fonte: [url=http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf2407200501%2ehtm]UOL[/url] Revelam, no máximo, problemas como timidez excessiva e dificuldade de aprendizado. De repente tudo muda, como se um curto-circuito ou mau contato fizesse o cérebro, até então intérprete confiável da realidade, começar a desenvolver histórias dissociadas do real -sempre “thrillers” apavorantes, nos quais o personagem é perseguido por vozes, vultos e ameaças permanentes.
A primeira crise de João Batista aconteceu em 1993, aos 21 anos. “No trabalho, começaram a me chamar de ‘maluco beleza’ porque eu falava sozinho, ouvia o que os outros não ouviam”, lembra. O diagnóstico só veio em 1997, no segundo surto, quando teve de ser internado por 20 dias. Refugiou-se na música. “Antes de me tratar, ficava no meu quarto tocando violão e cantando. Compor era uma maneira de lidar com aquela realidade que eu via e os outros não”, diz. “Meu pai achava que eu estava enrolando para não trabalhar, só depois percebeu que não era falta de vontade.”

No ano seguinte, passou a fazer tratamento em um hospital-dia. “Foi quando comecei a melhorar. Eu tinha muito medo de psiquiatra, achava que iria ser como naquele filme ‘O Bicho de Sete Cabeças’. Mas no hospital-dia não não me trataram como louco. Eu era medicado e ao mesmo tempo fazia terapia, teatro, música, pintura e voltava para casa toda noite. Me sentia útil.”

João ainda escuta vozes de vez em quando, mas já sabe lidar com elas. “Tenho muito medo de voltar a sentir o que senti, por isso não deixo de tomar os remédios, de fazer terapia e nunca vou deixar a música. Ela me faz sentir uma pessoa normal.”

Remédios Há menos de dez anos, uma vida “normal” para portadores de esquizofrenia não passava de utopia. Hoje, a combinação de medicamentos de segunda geração (veja quadro na pág. 7) e psicoterapia melhora um número maior de sintomas, facilita a reintegração social e faz com que um terço do 1,8 milhão de brasileiros portadores mantenha a doença sob controle. Estima-se que 50 mil novos casos devam ser diagnosticados no ano que vem -número maior do que o da Aids que, desde 2003, mantêm-se na casa dos 30 mil anuais.

Mesmo com os avanços, não há consenso sobre as causas. Sabe-se que se trata de disfunção neurológica, e não de um problema de ordem emocional e social, como se pensava até meados dos anos 40. Alguns pesquisadores acreditam em uma combinação de fatores genéticos e ambientais, ou seja, que certas pessoas nascem com a tendência, mas só a desenvolvem se forem expostas a determinados fatores ambientais.

A hereditariedade é também fator importante, segundo estudos. “Em gêmeos idênticos, se um dos irmãos tiver a doença, há 50% de chances de que ela se manifeste no outro”, diz Rodrigo Bressan, coordenador do Projeto Esquizofrenia da Unifesp. Mas só um entre os entrevistados nesta reportagem já tinha histórico familiar da doença.

“Tenho um primo por parte de pai que teve, mas faz muito tempo. Era na época em que ainda tratavam com eletrochoque”, relata Paulo*, 31, acometido pelo primeiro surto há 11 anos. Seu quadro foi bem parecido com o do matemático John Nash, interpretado por Russel Crowe no filme “Mente Brilhante”, de 2001. “O mundo era uma grande conspiração contra mim. Eu ouvia vozes, via a TV falar comigo, as coisas me passarem códigos secretos e acreditava que gente que nem existia queria me matar.”

Paulo foi internado três vezes até conseguir controlar a doença, há cinco anos. Hoje, é casado com uma portadora de doença mental e os únicos sintomas que apresenta são de um problema que não raro atinge esquizofrênicos, o TOC (transtorno obsessivo compulsivo) -aquela compulsão por lavar as mãos diversas vezes seguidas, como se estivessem sempre sujas, ou checar repetidamente se as portas estão trancadas.

“É bom ter um relacionamento com alguém que me entende. Ela sabe quando tenho de ficar no meu canto, pensativo, e eu sei quando ela também precisa disso. Temos muita compreensão. É algo que falta na sociedade e na vida fora de casa”, revela. O carioca João Batista também é casado há três anos com Ada Souza, portadora de transtorno bipolar, “backing vocal” e compositora do Harmonia Enlouquece.

Família e QI Casos como o de John Nash, que ganhou um prêmio Nobel de matemática apesar da doença, são raros. Um dos sintomas mais complicados da esquizofrenia é a perda cognitiva e a queda no QI (coeficiente de inteligência). Paulo, por exemplo, passou a sentir dificuldade de aprendizado já no cursinho, antes do primeiro surto. “Achei que fosse cansaço, pois foi na mesma época em que comecei a trabalhar. Com o tempo, meu rendimento intelectual caiu”, afirma. Ele relutou em pedir aposentadoria e tirou licença durante muito tempo. Aposentou-se há seis anos.

Já Ricardo*, 47, que teve o primeiro surto aos 21 quando estava no início da faculdade de administração de empresas, não sofreu desse sintoma: passou duas vezes em concursos públicos e quase terminou a faculdade -com notas boas- mesmo depois de a doença se manifestar. “Só parei de estudar e de trabalhar por causa da mania de perseguição. Eu achava que as pessoas iam me dopar para depois me violentar.”

Além dos obstáculos cognitivos, manter um emprego pode ser complicado por causa da pressão e do estresse, potenciais desencadeadores de crises. “Muitas vezes, mesmo mantendo a inteligência, os portadores sofrem grande dificuldade na integração das funções psíquicas. É como se faltasse o maestro, o responsável por reger as emoções, a inteligência, as relações afetivas. Administrar tudo isso junto”, explica Jair Mari, professor titular de psiquiatria da Unifesp. Dificuldades que não necessariamente os afastam do trabalho -mas podem torná-los aquele colega calado, sem amigos e com manias meio estranhas.

A compreensão do mundo paralelo em que os portadores mergulham profundamente requer muita dedicação e paciência da família. “Em algumas horas, vi meu filho se transformar numa outra pessoa. Eu olhava para ele, pendurado no lustre de casa, e me perguntava: Quem é esse?”, lembra a administradora Rosa*, 44, cujo filho de 21 anos apresentou o problema há quatro (leia texto na pág. 10).

Guilherme*, assim como muitos portadores, foi acusado por médicos e alguns membros da família de estar usando drogas. “Ele não dizia coisa com coisa e chegou a fugir de casa pela janela, pulando telhados dos sobrados vizinhos. Todos diziam que era crise abstinência”, lembra a mãe.

Por isso, os médicos alertam que o diagnóstico e o tratamento precoces aumentam significativamente a chance de recuperação. Quanto menor a duração do surto, menor a deterioração da cognição e maior a possibilidade de reintegração.

Como a família é fundamental nesse processo, parentes de portadores fundaram o Appa (Amigos e Parentes dos Psicóticos Anônimos), uma organização nos moldes do Alcoólicos Anônimos ligada ao Grupo Fênix – Associação Nacional Pró-Saúde Mental. São ao todo 23 unidades em cinco Estados brasileiros.

“A filosofia se baseia no programa ‘Seis Passos’, desenvolvido pelos Esquizofrênicos Anônimos dos EUA”, explica a coordenadora geral do projeto, Ozaneide Chaves de Mello Carvalheiro, 59, cujo irmão é portador de esquizofrenia. Os passos -aceitação, responsabilidade, crença, perdão, compreensão e decisão -valem tanto para a família como para o doente, mas são abordados de maneira distinta.

“No caso da família, é importante trabalhar os sentimentos negativos, a culpa, a tolerância, a compreensão e a paciência”, afirma Neide Aparecida Schiavon, 48, coordenadora de um dos grupos de familiares.

Para o portador, a aceitação da doença é o primeiro passo para tentar viver uma vida normal, aprendeu o terceiranista de filosofia Jorge Cândido de Assis, 41: “Passei a vida negando e isso em nada me ajudou.”

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