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O mito do ciclo

Uma conhecida jornalista de São Paulo pediu-me um texto para ser publicado com certa urgência – pois já estávamos em inícios de novembro de 2006 – que tratasse do porquê, em finais-de-ano, tantas pessoas ficam perigosamente melancólicas. Foi uma questão levantada por um sem número de assinantes de seu jornal, de grande circulação na Capital. Não me prendendo a algum reducionista enquadramento farto em diagnósticos, que divide a Humanidade em sãos e loucos, ative-me ao que nos há de mais frágil em nossa Existência, nossa humilde condição humana. Foi deste modo que eu tentei me expressar
Inventamos o tempo. Assim, ficou criada a ilusão de começo, meio e fim dos eventos. Penso que em termos existenciais nada muda. Vivemos um ininterrupto vir-a-ser, num eterno aquis-e-agoras que nos escapam. Quanto maior o balanço que se faz: fim de ano, fim de Curso, fim de casamento, fim dos quarenta ou cinqüenta e entrada nos próximos, fim de um crediário, fim de uma pena no presídio, fim de uma quimioterapia anti-câncer e por aí vai, maior é a busca desesperada de se encontrar um novo sentido de vida. Um recomeço.

Sim, é por aí que eu entendo a necessidade do tempo: busca de um significado para esta rápida passagem absurda que fazemos por este planeta. Aqui somos lançados à deriva e sem bússola. E, para um barco à deriva, nenhum vento é favorável.

A fim de não morrermos de tédio, propomo-nos metas. Para muitos, na grande maioria das vezes, é apenas a repetição de recomeçar euforicamente algo inédito, acompanhado do abandono sem fim de projetos que ficaram pela metade. Começam um monte de coisas e nunca chegam ao fim.

As metas são imprescindíveis para nortear nossa Existência. Como aquele pescador que já está há horas em alto-mar. É tempo de voltar. Ele procura sua estrela-guia. Ela é sua meta. Mesmo sabendo que jamais irá alcançá-la, é ela que o traz de volta a casa. Porém, muitos irão conferir se "é doce morrer no mar".

Nas Festas de Natal e passagem-de-ano, realimentamos nossas ilusões de estar terminando algo e a esperança de começarmos alguma excitante novidade. Mas, se não morremos no caminho, tudo não passa da inexorabilidade sucessão casual dos eventos.

E quando alcançamos uma meta tão cobiçada, invariavelmente nos vemos presas da idéia: "Mas era só isso"?! E, neste mesmo instante já entramos em crise de abstinência. Lembro-me de Akira Kurosawa (1910-1998) numa entrevista. Quando este genial japonês diretor de cinema dizia da sua melancólica aflição de estar terminando um filme e ter de enfrentar um gap até aparecer uma nova idéia. Mas é exatamente neste gap que nos vemos cara-a-cara com o vazio da existência. Este é o grande e verdadeiro choque que temos diante desta imutável realidade.

À primeira vista, o que estou escrevendo se parece com uma postura pessimista como visão-de-mundo. E é. Em plena IV Guerra Mundial, mesmo sem farda oficial (a Fria foi a III), inundados na miséria que ultrapassa todas as médias estatísticas precedentes. Devidamente acompanhada de doença, mortes a granel, injustiças, violência gratuita ou paga por mandante, darmo-nos conta de que os atuais líderes da Humanidade não passam de verdadeiros psicopatas, e por aí vai.

Haveria exceção? Creio que não. Não estamos falando de uma simples "regra". O paradigma aqui é absolutamente soberano. Vale mais que uma Carta Magna. Não há exceção.

Às vésperas de ano-novo, temos nos consultórios clínicos um aumento de pacientes ansiosos, deprimidos, com idéias suicidas. Às vezes ficamos 6, 8 horas seguidas vendo-os chorar. Seria bom guardar um pouco de lágrimas para o ano vindouro.

E com isso, nós vamos matando o tempo, para no final ele nos enterrar, como dizia Machado de Assis.

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