Ecologia Ambiental e Ecologia Mental Consciência ecológica: estratégia para enfrentar a esquizofrenia social.
por Eduardo Villarom Helene e Rafael Tassinari
Uma cena doméstica do ano de 1968.
A mãe olha os dois garotos à mesa, diante do prato. Um olha para a cara do outro e franzem o nariz. A avó, de seu lugar olha atenta. A mãe surpresa, diante de seus comilões inapetentes, pergunta: – Ué, não estão com fome? Coisa estranha! – Também pudera, diz a avó sorridente, ficaram até agora montado no caquizeiro comendo caquis.
Suzana manda as crianças saírem, balançando a cabeça com reprovação. Os dois disparam em direção à rua. Encontrarão os outros meninos e vão jogar bola.
– Como é bom ser criança, diz Suzana sentando-se para comer. Fico com inveja deles. Comer aquelas bagas grandes, vermelhas e doces! O pior é que nem lavam, arrancam do pé e comem. – Bobagem, diz a velha, O que não mata engorda. Além do mais, você não fazia as coisas de forma diferente quando tinha a idade deles. – Eu não era tão terrível assim. Eles são impossíveis. Tem dias que acho que vou enlouquecer com esses dois…. – Eu acho que você era pior. Além de fazer o que eles fazem, ainda usava óculos. Sabe quantas armações você estragou quando subia na mangueira para escapar das surras? – Ah mamãe! Eu nem me lembro disso. – É claro que não. Não interessa, não é verdade? Mas olha, você tem filhos lindos, não se aborreça com eles, são crianças afinal. – É verdade mas às vezes, esgotam a gente. Estão sempre cheios de barro, machucados… – São crianças, não são? E olhe, são bons meninos e também muito bonitos. Vejo que quando as vizinhas elogiam as crianças, você fica inchada. Até seus peitos sobem.
Suzana ri. Depois começam a discutir o que farão no Domingo. É o dia em que as irmãs e irmãos de Suzana se reúnem. Todos trazem um prato, sentam-se à mesa juntos e conversam, cantam, recordam-se. As 46 crianças também tem sua mesa. Fazem todo tipo de arruaça. É um dia especial para a avó que fica extasiada entre os filhos, genros, noras e netos.
Essa cena me ocorreu quando eu lia Felix Gattari (Três Ecologias-1995). É uma cena do cotidiano de muitas das pessoas que estão agora por volta dos 40 anos. Gattari fala das transformações vividas pelo planeta que passa, atualmente, por grandes transformações técnico-cientificas através das quais, criam-se fenômenos de desequilíbrios ecológicos que caminham no sentido de tornar a vida impossível sobre a superfície da terra.
O modo de vida das pessoas estão em progressiva deterioração. As redes de parentesco tendem a se tornar extremamente reduzidas, a vida em família é constantemente afetada pela abusiva necessidade de consumo da mídia, a espontaneidade das pessoas começa a tornar-se rara por que os comportamentos , sabe-se lá por que, estão cada vez mais padronizados e as relações de vizinhança estão reduzidas a sua mais pobre expressão. Tudo ganha uma coloração vazia, opaca e sem sentido.
O que está acontecendo com as pessoas, acontece com o mundo. Lembro-me que antigamente, quando as pessoas viajavam para o exterior, traziam lembranças exóticas ( para nós) e contavam coisas sobre os hábitos e costumes do povo visitado que nos deixavam cheios de desejos. Ouvíamos com a boca cheia de água. Hoje temos a impressão que não saímos do lugar. O mundo ficou igual. O que você compra em Paris, Londres e Lisboa, você pode também comprar em Nova York, São Paulo ou Buenos Aires. Há, como diz Gattari, uma redundância de imagens e comportamentos. Além disso, as pessoas agora fazem turismo dentro de um ônibus, olhando tudo através dos vidros sem poder viver, tocar ou sentir por algum tempo o clima do lugar visitado.
Até há bem pouco tempo, as crianças andavam e corriam pelas ruas, subiam em árvores tinham suas turmas, empinavam pipas e inventavam jogos. Isso possibilitava um melhor desenvolvimento motor. Havia espaços verdes, jardins. As famílias tinham identidade particular, os vizinhos se comunicavam e faziam festas comunitárias para comemorar alguns feriados. Havia respeito entre as pessoas de uma mesma família e a televisão ocupava um lugar acessório dentro do lar. Mas o mundo foi mudando. As acelerações técno-cientificas aumentaram a automação industrial e isso, vai permitir uma quantidade cada vez maior de tempo para as atividades humanas potenciais. Entretanto, o considerável crescimento demográfico fez com que o desemprego se tornasse uma realidade caustica. A pobreza aumenta a marginalidade e esta, por sua vez oprime os cidadãos ciosos de suas vidas e conquistas. Há uma desconfiança generalizada e um desassossego. Aumenta a solidão e em prédios de apartamentos é comum que vizinhos de anos, sequer se conheçam. Cada vez mais pessoas moram sós. Aumenta a ociosidade , a angustia. As doenças mentais se modificam e os velhos diagnósticos e classificações já não dão mais conta das novas patologias.
Quanto maior a pobreza e o sofrimento maior a infantilização do homem e portanto, mais intensa será a exacerbação dos fenômenos do integrismo religioso. Isso, a gente pode ver no Brasil, de forma escancarada.
Vê-se então que o ambiente à nossa volta determina os rumos de nossa evolução mental. Winnicott fala da "mãe suficientemente boa". Isso deve ser pensado a nível celular: na família, no entanto a idéia também se aplica às relações de grande escala. Para garantir uma saúde saudável aos homens, o mundo também tem que ter um papel semelhante ao da mãe suficientemente boa. A mãe que filtra os estímulos, que provê, protege e ampara. Mas não é isso que o ambiente do mundo moderno nos dá. Os avanços tecnológicos mostram-se potencialmente capazes de solucionar as problemáticas do homem em todos os campos mas, por outro lado, temos a miséria que impede o homem comum de alcançar esse benefícios. Os jovens ao olharem para o futuro e não conseguem enxergar nada então mergulham nas drogas, na desesperança e na marginalização. Ou seja, a conquista tecnológica parece inútil justamente por que não existem forças sociais capazes de se organizar e se apropriar desses meios e torná-los úteis.
Eis aí por que a ecologia é uma parceria importante para a psicologia. Nenhuma psicologia pode ser pensada sem considerar o ambiente que cerca o homem e, consequentemente, tem o poder de transforma-lo. Não adianta nós ganharmos o nosso bom salário enquanto uma grande parcela da população vive em condições miseráveis onde a falta de higiene, de saneamento básico e a fome, são uma constante. Talvez nos perguntemos: E daí? Eles não lutaram para merecer. Talvez isso seja uma meia verdade. Mas o que não se percebe é que isso cria uma zona de tensão que nos ameaça a todos, pois é o exemplo claro de que podemos nos encontrar aí, nesse local sem nenhuma dignidade, caso venhamos a dar um passo em falso. O fantasma do desemprego e a miséria criam aquela zona de tensão a que me referi antes e isto, quer dizer, a fim de nos proteger (e à nossos empregos) acabamos por nos comportar como autônomos, sem qualquer dignidade, sem qualquer possibilidade de singularidade. Se todos tivessem condições mínimas de vida, o stress seria menor.
Preocupados com as circunstâncias de nossa própria miséria (sobrevivência), deixamos que latifundiários irresponsáveis destruam nossas florestas, poluam nosso rios e esterilizem a nossa terra. Isso, como num processo dialético, diminui ainda mais a nossa qualidade de vida e empobrece mais as nossas possibilidades de futuro. Essas condições enlouquecedoras de vida, impedem o pensamento unificado do homem que acaba por não poder ver que sua omissão e desunião vai leva-lo à própria destruição: o aumento da fome no mundo, a proliferação das industrias nucleares, a devastação das florestas, o desenvolvimento de tecnologia que aumentam a produção de alimentos mas destroem a imunidade do homem. Muitas dessas novas tecnologias, como aquelas que criaram variedades plantas transgenicas, que dão alimentos em grande quantidade e qualidade, já foi provado, destróem a imunidade humana (Folha de São Paulo) e ainda por cima fazem com que o produtor torne-se escravo dos laboratórios que as produzem: a planta não tem sementes férteis. A cada plantio é necessário adquirir novas sementes.
As sementes transgênicas exigem o uso de pesticidas especiais. Não se sabe ainda que tipo de malefícios esses pesticidas podem causar à terra e aos lençóis freaticos e por implicação, ao ser humano. Pesquisadores da Inglaterra, demonstraram que ratos alimentados com ração à base de produtos transgênicos, sofreram atrofia cerebral e de outros órgãos. E o que é pior, os alimentos transgênicos já estão entre nós há muito mais tempo do que se imagina, não é uma realidade futuro como podem fazer crer as aparências.
Esse é o inicio de uma série de artigos que a REDEPSI em revista pretende trazer para chamar a atenção para esse aspecto da ecologia. Trazer temas que possam ajudar a compreender que ecologia não é apenas a preocupação com as florestas e matas, é muito mais, é a sua vida e a de seus descendentes. Ecologia é antes de tudo a preservação de todo o ambiente que nos cerca. E para que possamos protegê-lo, não precisamos mais do que a consciência.