A espiritualidade cristã ensina- nos e conduz- nos a uma busca constante para vivermos de forma saudável e que proporcione a todos um bem estarque favoreça a prática da fé segundo os princípios cristãos. Cristo deixou- nos o mandamento: "amai-vos uns aos outros como a vós mesmos". Desta feita, o empenho em estar em paz consigo mesmo, a dinâmica desenvolvida para amar ao outro, aceitando-o na sua condição atual e favorecendo-o para que encontre a melhora em sua busca, é fundamental para uma vivência cristã que seja condizente com o mandamento de Cristo, que é mais abrangente: "ame o teu inimigo". Para que esse objetivo seja alcançado, todo auxílio coerente e produtivo é acolhido de bom grado. Assim, a Gestalt-terapia é um instrumento valioso, que nos permite perceber o "como" do nosso agir no aqui e agora de nossa vida, tomar consciência e emitir novos comportamentos mais satisfatórios . A abordagem gestáltica é uma forma de terapia eficiente e eficaz, e está baseada em princípios considerados como uma forma saudável de vida, pois é uma filosofia, uma forma de ser, e sua aplicação produz benefícios para outras pessoas. É uma orientação de vida e suas técnicas e estratégias específicas favorecem uma maior tomada de consciência. (Stevens, 1977). É uma abordagem psicoterapêutica experiencial que visa ao desenvolvimento do contato e da "awareness". Sua ênfase está natotalidade da experiência, no que ela é e no que poderá ser, no sentido de explorar novas possibilidades de comportamento. Trabalha os elementos expostos no aqui-agora, criando condições para o "dar-se conta" dos mesmos, e experimentar novas possibilidades, reconfigurando sua existência. Aprendendo a acompanhar o seu próprio processo, podendo apropriar-se e apreciar a totalidade do seu ser, permitindo-se, assim, escolher e desenvolver seus próprios caminhos. Confiando no trabalho desenvolvido ao longo dos anos pelos gestaltistas e na filosofia da Gestalt-terapia, utilizo-a no meu trabalho de formação de novos monges na Abadia em que vivo. Partindo da visão apresentada por Joseph Luft e Harry Ingham das áreas de personalidade, a Janela de Johari (Eu Aberto, Eu Cego, Eu Secreto e Eu Desconhecido), trato de expor as relações interpessoais e frisar a importância do "dar-se conta" de como agimos, para que a melhora dos relacionamentos seja encontrada a partir de novos comportamentos emitidos. Segundo Fritzen (2001), na janela do Eu aberto, para ele área livre, encontram-se as experiências e dados conhecidos pela própria pessoa e pelos que com ela mantêm contato. É a área caracterizada pela troca livre de informações entre o Eu e os outros. Esta área se amplia conforme o nível de confiança entre os contactantes aumenta, estimulando abertura e partilha de informações de caráter pessoal. Já a janela do Eu Cego, para Fritzen Mancha Cega, contém informações a respeito do Eu que não temos consciência, mas que os outros conhecem. Comunicamos estas informações, contudo, não as percebemos, enquanto os outros as percebem e não nos manifestam. A janela do Eu Secreto, Fachada ou área oculta para Fritzen, diz respeito às informações que sabemos a nosso respeito e que não transmitimos aos demais. O que nos leva a agir assim é o medo de que, ao saberem dessas informações, nos rejeitem, nos agridam, ou atinjam-nos de alguma maneira. Este medo de revelar nossos sentimentos, pensamentos e reações aos membros do grupo dificulta nosso contato. Não temos como saber qual a reação do grupo ao tomar conhecimento dessas informações, se será positiva ou negativa, a menos que assumamos o risco. Outro fator que nos leva a guardar segredo é se nossa motivação para isso é de controle ou de manipulação dos outros. A última janela, a do Eu Desconhecido, consiste de características que não temos consciência, assim como os membros do grupo também não as têm. São nossas motivações inconscientes; compreendem coisas como nossa dinâmica pessoal, experiências da primeira infância, potencialidades latentes e habilidades a serem descobertas. Relacionamento é fundamental para o viver de uma pessoa. O ser humano é um ser social e não se relacionar é não se conhecer, pois só me conheço a partir do contato com o outro, a partir dos feedbacks que me são manifestados. Conhecer-se, propicia estar aberto para o contato, melhorando-o e enriquecendo o outro com nossas habilidades, ampliando a fronteira de contato. Na espiritualidade monástica, o monge só pode ter uma vida solitária (ser um eremita) após experimentar e ser experimentado numa vida comunitária. Contudo, podemos, ou agimos de uma determinada maneira ao nos relacionarmos, conforme nos demonstra a Janela de Johari. O "dar-se conta" de como estou me sentindo, de como estou me relacionando é o primeiro passo para que me posicione e possa agir de maneira diferente, que garanta um relacionamento mais salutar e propicie ao outro um convívio que lhe favoreça sentir-se bem e conhecer-se melhor através do contato comigo. (Princípio da concentração sobre o contato). As perguntas: "o que quero ao me relacionar?"; "a que me exponho?" são importantes no processo do "dar-se conta" de como é o relacionamento, porque quando me relaciono estou "aberto" ao novo, não sei como será este relacionamento, não sei no que ele resultará, e "o novo é algo que nos mete medo". "Aquilo que mais queremos é o que mais nos mete medo". O princípio gestáltico do aqui-agora, aplicado na espiritualidade monástica, ajuda o monge a viver cada momento como único em sua vida. Estar no presente é a melhor maneira para que haja um relacionamento onde ambos são beneficiados com os frutos deste, sabendo-se que os frutos podem ser positivos e/ou negativos. Ficar no aqui-agora permite saber sobre o "como" da percepção, como também treinar a consciência (Burow, Scherpp, 1985) para que este desfrute seja melhor compreendido. São Bento, o Abade que escreveu nossa regra de vida há mais de 1.500 anos, disse que o monge ao rezar deve fazer com que sua mente concorde com sua voz. Estar no presente – aqui-agora – ao rezar, já era indicado por ele como a melhor forma de rezar e sentir o prazer que a oração proporciona ao monge que dela se fortalece na sua vida claustral. O princípio do fomentar a consciência propicia ao monge condição para uma mudança e aceitação dos sentimentos, desejos, etc.( Burow, Scherpp, 1985), pois quando alguém começa a fazer parte de um novo grupo, sente a necessidade de sentir-se parte deste grupo (inserção). A pessoa que chega sente necessidade de saber se o grupo condiz com suas expectativas. O questionar-se de "como" aceita este grupo leva a tomar consciência disto; o "como" vê o grupo e seu andamento, sua forma de vida, sua busca, seus erros, sua alegria. Assim, o proveito de ser parte integrante do grupo tem uma conotação diferente e mais vantajosa para o monge. O passo que se segue é de ser aceito pelo grupo. O questionar-se de como é aceito, como se sente acolhido pelo grupo, favorece uma conscientização de ser membro; uma coisa é estar presente fisicamente no grupo, outra é sentir-se aceito pelo grupo. A partir destas perguntas, pode-se compreender melhor "como" se está neste grupo. Outro passo para alguém que chega a um grupo é o controle. Sente anecessidade de controlar para se sentir integrante do grupo. Questiona-se sobre "quem dita as normas?" "Como elas são seguidas?" "Como pode agir para conquistar o outro e sentir-se garantido como membro"? Questionar se sobre o "como" está vivendo esta fase do relacionamento é muito importante. Tomar consciência do "como" se está mantendo contato com os membros do grupo torna diferente a postura e a vivência do monge na comunidade que escolheu. Outro princípio gestáltico, o de arcar com a responsabilidade sobre seus atos e palavras, favorece ao monge viver sua consagração com maior compreensão e dedicação. Arcar com a responsabilidade do que diz, faz e assume, abre caminho para um relacionamento onde cada pessoa envolvida pode sentir como que a maturidade no relacionar-se o torna mais agradável e frutuosa. Além disso, favorece uma comunicação direta e personalizada. Se o monge não se sentir parte integrante da comunidade em que está inserido, se não se sentir responsável pelo andamento da mesma, sua permanência e contato com os membros estarão comprometidos. O monge, sentindo-se parte integrante e responsável pelo caminhar da comunidade, empenha-se em viver cada momento, desfrutando do que faz e compreendendo o que faz. Os princípios gestálticos auxiliam o monge a "tomar consciência" do como está agindo em cada tarefa realizada. Seja no momento de oração, trabalho, estudo, descanso e decisões a serem tomadas. O como está realizando o trabalho, permite ao monge "alimentar" sua dedicação, se este o realiza com responsabilidade de ser membro que coopera no crescimento espiritual e afazeres cotidianos necessários. Um simples pegar um papel no chão e colocá-lo no cesto de lixo, se bem compreendido, estimula ao amor e dedicação daquilo que se vive, pois antes de querer que os outros saibam o que está fazendo, o monge deve se preocupar em fazer porque é necessário e lhe faz bem realizar algo em prol de todos. Responsabilizar-se pelo que é meu elimina a culpa (esta funciona mais como um bloqueio da tomada de consciência sobre o que ocorre consigo mesmo e/ou ao seu redor) e favorece o crescimento pessoal e interpessoal. Compreendendo e "dando-se conta" de como, por quê, e o que se está fazendo como monge, a cada momento de sua vida, em cada situação em que se encontra, permite ao monge entrar em contato com suas habilidades e desenvolvê-las para que saiba lidar com suas fraquezas e conheça suas capacidades. Entrar em contato é conhecer-se; conhecer-se é fortalecer-se enquanto ser humano consciente de ser capaz e atuante, de saber dialogar com os conflitos que surgem, olhando-os de frente para encontrar uma solução em que ambos (Eu e o outro) possam ser favorecidos.(Princípio do estímulo ao self-suporte). O monge sente o chamado de Deus para uma vida claustral, para uma consagração inteira e contínua de sua vida. Torna-se um homem de oração de uma forma diferente dos demais. Não vive uma fuga da realidade social, e, sim, uma abertura maior para o que nela acontece e se oferece espontaneamente para ser um instrumento de auxílio espiritual e vibrante na busca da realização dos cristãos enquanto seres humanos e filhos amados de Deus. Ser monge, ser consagrado, não é iniciar simplesmente uma vida cheia de sofrimento e renúncias. É, antes de tudo, viver o privilégio de ser parte integrante e ativa da concretização do Reino de Deus entre nós. Conscientizar-se e responsabilizar-se pelo que assume é fundamental para o ser monge de uma forma condizente com o chamado recebido e aceito. O monge passa por três tipos de nascimento: o biológico, o espiritual e o psicológico, no qual o monge toma consciência do que é a partir do momento em que assumiu uma vida claustral e sua observância. A partir deste momento é impossível, para um monge consciente do que isto significa, separar o homem do monge. O homem-monge é uníssono, concreto, vibrante e cheio da graça de Deus. O ser monge requer, antes de qualquer coisa, que se viva por querer e gostar do que está vivendo. Decidir pelo que está vivendo e não o fazer simplesmente porque outros o incentivam a viver, torna o monge uma pessoa capaz de realizar-se enquanto pessoa, enquanto consagrado a Deus numa Ordem Monástica. (Princípio da espontaneidade). Desta feita, os princípios gestálticos corroboram para que o monge compreenda sua vida enquanto ouvinte e responsável pelo chamado que respondeu com o seu "sim". Tomar consciência de que Deus fez sua parte, chamando-o e dando-lhe condições para que viva esta vida consagrada, e de que a resposta contínua depende de "como" o monge percebe o seu viver em cada situação nova que se defronta. Vocação é algo que não se acaba. Uma vez feito o chamado, Deus não volta atrás. O monge pode, dependendo de como responde a cada nova situação, sufocar e eliminar a resposta afirmativa que um dia acreditou. Para que não seja dado um passo sem uma compreensão coerente da situação vivida pelo monge, vejo que o auxílio dos princípios gestálticos possibilitará ao monge dar a resposta à situação que mais lhe favorecerá enquanto homem e enquanto filho de Deus. Porque, se o homem não estiver integrado na sua vivência, não haverá como existir o monge, consagrado a Deus para servir ao próximo.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Burow, O.; Scherpp. K. (1985). Gestalpedagogia: um caminho para a escola e a educação. 3 ed. São Paulo: Summus. Stevens, J. (1977). Isto é Gestalt. 6 ed. São Paulo: Summus. Fritzen, J. S. (2001). Janela de Johari: exercícios vivenciais de dinâmica de grupo, relações humanas e de sensibilidade. 18 ed. Petrópolis: Vozes.