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Existência Monástica e Gestalt



EXISTÊNCIA MONÁSTICA E GESTALT

EXISTÊNCIA
MONÁSTICA E GESTALT

Por:
Sérgio Gomes Machado


A espiritualidade cristã ensina- nos e conduz- nos a uma busca
constante para vivermos de forma saudável e que proporcione a
todos um bem estarque favoreça a prática da fé
segundo os princípios cristãos. Cristo deixou- nos o mandamento:
"amai-vos uns aos outros como a vós mesmos".
Desta feita, o empenho em estar em paz consigo mesmo, a dinâmica
desenvolvida para amar ao outro, aceitando-o na sua condição
atual e favorecendo-o para que encontre a melhora em sua busca, é
fundamental para uma vivência cristã que seja condizente
com o mandamento de Cristo, que é mais abrangente: "ame
o teu inimigo". Para que esse objetivo seja alcançado, todo
auxílio coerente e produtivo é acolhido de bom grado.
Assim, a Gestalt-terapia é um instrumento valioso, que nos permite
perceber o "como" do nosso agir no aqui e agora de nossa vida,
tomar consciência e emitir novos comportamentos mais satisfatórios
. A abordagem gestáltica é uma forma de terapia eficiente
e eficaz, e está baseada em princípios considerados como
uma forma saudável de vida, pois é uma filosofia, uma
forma de ser, e sua aplicação produz benefícios
para outras pessoas. É uma orientação de vida e
suas técnicas e estratégias específicas favorecem
uma maior tomada de consciência. (Stevens, 1977). É uma
abordagem psicoterapêutica experiencial que visa ao desenvolvimento
do contato e da "awareness". Sua ênfase está
natotalidade da experiência, no que ela é e no que poderá
ser, no sentido de explorar novas possibilidades de comportamento. Trabalha
os elementos expostos no aqui-agora, criando condições
para o "dar-se conta" dos mesmos, e experimentar novas possibilidades,
reconfigurando sua existência. Aprendendo a acompanhar o seu próprio
processo, podendo apropriar-se e apreciar a totalidade do seu ser, permitindo-se,
assim, escolher e desenvolver seus próprios caminhos.
Confiando no trabalho desenvolvido ao longo dos anos pelos gestaltistas
e na filosofia da Gestalt-terapia, utilizo-a no meu trabalho de formação
de novos monges na Abadia em que vivo.
Partindo da visão apresentada por Joseph Luft e Harry Ingham
das áreas de personalidade, a Janela de Johari (Eu Aberto, Eu
Cego, Eu Secreto e Eu Desconhecido), trato de expor as relações
interpessoais e frisar a importância do "dar-se conta"
de como agimos, para que a melhora dos relacionamentos seja encontrada
a partir de novos comportamentos emitidos.
Segundo Fritzen (2001), na janela do Eu aberto, para ele área
livre, encontram-se as experiências e dados conhecidos pela própria
pessoa e pelos que com ela mantêm contato. É a área
caracterizada pela troca livre de informações entre o
Eu e os outros. Esta área se amplia conforme o nível de
confiança entre os contactantes aumenta, estimulando abertura
e partilha de informações de caráter pessoal. Já
a janela do Eu Cego, para Fritzen Mancha Cega, contém informações
a respeito do Eu que não temos consciência, mas que os
outros conhecem. Comunicamos estas informações, contudo,
não as percebemos, enquanto os outros as percebem e não
nos manifestam. A janela do Eu Secreto, Fachada ou área oculta
para Fritzen, diz respeito às informações que sabemos
a nosso respeito e que não transmitimos aos demais. O que nos
leva a agir assim é o medo de que, ao saberem dessas informações,
nos rejeitem, nos agridam, ou atinjam-nos de alguma maneira. Este medo
de revelar nossos sentimentos, pensamentos e reações aos
membros do grupo dificulta nosso contato. Não temos como saber
qual a reação do grupo ao tomar conhecimento dessas informações,
se será positiva ou negativa, a menos que assumamos o risco.
Outro fator que nos leva a guardar segredo é se nossa motivação
para isso é de controle ou de manipulação dos outros.
A última janela, a do Eu Desconhecido, consiste de características
que não temos consciência, assim como os membros do grupo
também não as têm. São nossas motivações
inconscientes; compreendem coisas como nossa dinâmica pessoal,
experiências da primeira infância, potencialidades latentes
e habilidades a serem descobertas. Relacionamento é fundamental
para o viver de uma pessoa. O ser humano é um ser social e não
se relacionar é não se conhecer, pois só me conheço
a partir do contato com o outro, a partir dos feedbacks que me são
manifestados. Conhecer-se, propicia estar aberto para o contato, melhorando-o
e enriquecendo o outro com nossas habilidades, ampliando a fronteira
de contato. Na espiritualidade monástica, o monge só pode
ter uma vida solitária (ser um eremita) após experimentar
e ser experimentado numa vida comunitária. Contudo, podemos,
ou agimos de uma determinada maneira ao nos relacionarmos, conforme
nos demonstra a Janela de Johari. O "dar-se conta" de como
estou me sentindo, de como estou me relacionando é o primeiro
passo para que me posicione e possa agir de maneira diferente, que garanta
um relacionamento mais salutar e propicie ao outro um convívio
que lhe favoreça sentir-se bem e conhecer-se melhor através
do contato comigo. (Princípio da concentração sobre
o contato). As perguntas: "o que quero ao me relacionar?";
"a que me exponho?" são importantes no processo do
"dar-se conta" de como é o relacionamento, porque quando
me relaciono estou "aberto" ao novo, não sei como será
este relacionamento, não sei no que ele resultará, e "o
novo é algo que nos mete medo". "Aquilo que mais queremos
é o que mais nos mete medo". O princípio gestáltico
do aqui-agora, aplicado na espiritualidade monástica, ajuda o
monge a viver cada momento como único em sua vida. Estar no presente
é a melhor maneira para que haja um relacionamento onde ambos
são beneficiados com os frutos deste, sabendo-se que os frutos
podem ser positivos e/ou negativos. Ficar no aqui-agora permite saber
sobre o "como" da percepção, como também
treinar a consciência (Burow, Scherpp, 1985) para que este desfrute
seja melhor compreendido. São Bento, o Abade que escreveu nossa
regra de vida há mais de 1.500 anos, disse que o monge ao rezar
deve fazer com que sua mente concorde com sua voz. Estar no presente
– aqui-agora – ao rezar, já era indicado por ele como a melhor
forma de rezar e sentir o prazer que a oração proporciona
ao monge que dela se fortalece na sua vida claustral. O princípio
do fomentar a consciência propicia ao monge condição
para uma mudança e aceitação dos sentimentos, desejos,
etc.( Burow, Scherpp, 1985), pois quando alguém começa
a fazer parte de um novo grupo, sente a necessidade de sentir-se parte
deste grupo (inserção). A pessoa que chega sente necessidade
de saber se o grupo condiz com suas expectativas. O questionar-se de
"como" aceita este grupo leva a tomar consciência disto;
o "como" vê o grupo e seu andamento, sua forma de vida,
sua busca, seus erros, sua alegria. Assim, o proveito de ser parte integrante
do grupo tem uma conotação diferente e mais vantajosa
para o monge. O passo que se segue é de ser aceito pelo grupo.
O questionar-se de como é aceito, como se sente acolhido pelo
grupo, favorece uma conscientização de ser membro; uma
coisa é estar presente fisicamente no grupo, outra é sentir-se
aceito pelo grupo. A partir destas perguntas, pode-se compreender melhor
"como" se está neste grupo. Outro passo para alguém
que chega a um grupo é o controle. Sente anecessidade de controlar
para se sentir integrante do grupo. Questiona-se sobre "quem dita
as normas?" "Como elas são seguidas?" "Como
pode agir para conquistar o outro e sentir-se garantido como membro"?
Questionar se sobre o "como" está vivendo esta fase
do relacionamento é muito importante. Tomar consciência
do "como" se está mantendo contato com os membros do
grupo torna diferente a postura e a vivência do monge na comunidade
que escolheu. Outro princípio gestáltico, o de arcar com
a responsabilidade sobre seus atos e palavras, favorece ao monge viver
sua consagração com maior compreensão e dedicação.
Arcar com a responsabilidade do que diz, faz e assume, abre caminho
para um relacionamento onde cada pessoa envolvida pode sentir como que
a maturidade no relacionar-se o torna mais agradável e frutuosa.
Além disso, favorece uma comunicação direta e personalizada.
Se o monge não se sentir parte integrante da comunidade em que
está inserido, se não se sentir responsável pelo
andamento da mesma, sua permanência e contato com os membros estarão
comprometidos. O monge, sentindo-se parte integrante e responsável
pelo caminhar da comunidade, empenha-se em viver cada momento, desfrutando
do que faz e compreendendo o que faz. Os princípios gestálticos
auxiliam o monge a "tomar consciência" do como está
agindo em cada tarefa realizada. Seja no momento de oração,
trabalho, estudo, descanso e decisões a serem tomadas. O como
está realizando o trabalho, permite ao monge "alimentar"
sua dedicação, se este o realiza com responsabilidade
de ser membro que coopera no crescimento espiritual e afazeres cotidianos
necessários. Um simples pegar um papel no chão e colocá-lo
no cesto de lixo, se bem compreendido, estimula ao amor e dedicação
daquilo que se vive, pois antes de querer que os outros saibam o que
está fazendo, o monge deve se preocupar em fazer porque é
necessário e lhe faz bem realizar algo em prol de todos. Responsabilizar-se
pelo que é meu elimina a culpa (esta funciona mais como um bloqueio
da tomada de consciência sobre o que ocorre consigo mesmo e/ou
ao seu redor) e favorece o crescimento pessoal e interpessoal. Compreendendo
e "dando-se conta" de como, por quê, e o que se está
fazendo como monge, a cada momento de sua vida, em cada situação
em que se encontra, permite ao monge entrar em contato com suas habilidades
e desenvolvê-las para que saiba lidar com suas fraquezas e conheça
suas capacidades. Entrar em contato é conhecer-se; conhecer-se
é fortalecer-se enquanto ser humano consciente de ser capaz e
atuante, de saber dialogar com os conflitos que surgem, olhando-os de
frente para encontrar uma solução em que ambos (Eu e o
outro) possam ser favorecidos.(Princípio do estímulo ao
self-suporte). O monge sente o chamado de Deus para uma vida claustral,
para uma consagração inteira e contínua de sua
vida. Torna-se um homem de oração de uma forma diferente
dos demais. Não vive uma fuga da realidade social, e, sim, uma
abertura maior para o que nela acontece e se oferece espontaneamente
para ser um instrumento de auxílio espiritual e vibrante na busca
da realização dos cristãos enquanto seres humanos
e filhos amados de Deus. Ser monge, ser consagrado, não é
iniciar simplesmente uma vida cheia de sofrimento e renúncias.
É, antes de tudo, viver o privilégio de ser parte integrante
e ativa da concretização do Reino de Deus entre nós.
Conscientizar-se e responsabilizar-se pelo que assume é fundamental
para o ser monge de uma forma condizente com o chamado recebido e aceito.
O monge passa por três tipos de nascimento: o biológico,
o espiritual e o psicológico, no qual o monge toma consciência
do que é a partir do momento em que assumiu uma vida claustral
e sua observância. A partir deste momento é impossível,
para um monge consciente do que isto significa, separar o homem do monge.
O homem-monge é uníssono, concreto, vibrante e cheio da
graça de Deus. O ser monge requer, antes de qualquer coisa, que
se viva por querer e gostar do que está vivendo. Decidir pelo
que está vivendo e não o fazer simplesmente porque outros
o incentivam a viver, torna o monge uma pessoa capaz de realizar-se
enquanto pessoa, enquanto consagrado a Deus numa Ordem Monástica.
(Princípio da espontaneidade). Desta feita, os princípios
gestálticos corroboram para que o monge compreenda sua vida enquanto
ouvinte e responsável pelo chamado que respondeu com o seu "sim".
Tomar consciência de que Deus fez sua parte, chamando-o e dando-lhe
condições para que viva esta vida consagrada, e de que
a resposta contínua depende de "como" o monge percebe
o seu viver em cada situação nova que se defronta. Vocação
é algo que não se acaba. Uma vez feito o chamado, Deus
não volta atrás. O monge pode, dependendo de como responde
a cada nova situação, sufocar e eliminar a resposta afirmativa
que um dia acreditou. Para que não seja dado um passo sem uma
compreensão coerente da situação vivida pelo monge,
vejo que o auxílio dos princípios gestálticos possibilitará
ao monge dar a resposta à situação que mais lhe
favorecerá enquanto homem e enquanto filho de Deus. Porque, se
o homem não estiver integrado na sua vivência, não
haverá como existir o monge, consagrado a Deus para servir ao
próximo.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Burow, O.; Scherpp. K. (1985). Gestalpedagogia: um caminho para a escola
e a educação. 3 ed. São Paulo: Summus.
Stevens, J. (1977). Isto é Gestalt. 6 ed. São Paulo: Summus.
Fritzen, J. S. (2001). Janela de Johari: exercícios vivenciais
de dinâmica de grupo, relações humanas e de sensibilidade.
18 ed. Petrópolis: Vozes.


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