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Hipnose II – Você consegue imaginar um contexto onde uma pessoa está interagindo com outra e não estão se influenciando mutuamente?



Hinose II

Hipnose II
Você consegue imaginar um contexto onde uma pessoa está interagindo
com outra e não estão se influenciando mutuamente?

por
Mário Quilici e Rafael Tassinari

Nesse segundo é último capítulo de
Psicologias Contemporâneas, vamos discutir a memória, sugestionabilidade,
da controvérsia da repressão, resistência em hipnose e ética.

A psicologia social tem feito grandes
estudos na área das relações interpessoais. Um dos objetivos dessa área
da psicologia é identificar como as interações entre pessoas podem conduzir
a determinados comportamentos. A influência interpessoal foi estudada
de muitas maneiras e em diversos contextos. Com o tempo, pôde-se então,
criar um grande número de informações substanciais que, acredito, são
extremamente valiosas para descrever algumas dimensões da relações hipnóticas.
Algumas dessas interações são conscientes e outras são inconscientes.
Por exemplo, a necessidade de pertencer a um determinado grupo social
faz com que as pessoas busquem determinados símbolos de status. Essa
condição vai torná-las mais disponíveis para qualquer estímulo ligado
aos seus objetivos.

Andy WarholVamos
tratar um pouco de uma das interações: a inconsciente. No mundo atual,
bilhões e bilhões têm sido gastos anualmente com publicidade. Por que
gastamos tanto com a propaganda? Como funciona a propaganda? Estamos
em casa e, depois de um dia cansativo, sentamos na sala e assistimos
nosso programa predileto de televisão. Nos intervalos surgem diversos
anúncios, bem elaborados, cheio de beleza e estímulos. Esse anúncio
vai criar uma necessidade na medida em que vincula o produto à você,
afirmando que tal produto pode solucionar seus problemas, colocá-lo
num determinado grupo ou nível de pessoas e solucionar questões que
muitas vezes são criadas pela própria propaganda. É como se o produto
tivesse sido feito especialmente para você. Muitas pessoas dizem que
não ligam para a propaganda. Mas ficamos atentos à ela por diversos
motivos e até mesmo quando estamos esperando que terminem para que possamos
retomar nosso programa favorito, estamos atentos a ela. A propaganda
vai trabalhar no seu inconsciente de forma que fica registrada no seu
cérebro. Então, quando você entra no supermercado e vê o produto anunciado
na gôndola, o produto lhe parece tão familiar que você o adquire sem
grandes questionamentos. Além do mais a propaganda lhe deu todas as
garantias de que aquele produto é seguro e atende todas as suas necessidades.

A propaganda é uma indústria que
faz uso pleno das técnicas de hipnose com o objetivo de influenciar
você a adquirir seus produtos. A técnica utilizada pela propaganda é
sem qualquer sombra de dúvidas, hipnótica. Você já viu quantas vezes
ficou em frente ao aparelho de TV, imóvel, concentrado no filme? Isto
é hipnose. Sua interação com o filme de alguma forma vai influenciar
você. Algumas igrejas evangélicas utilizam essa técnica associada à
neurolingüística para condicionar seu fiéis. Mesmo a cura de muitas
doenças são obtidas por processos semelhantes. Dessa forma, pode-se
afirmar que todas as pessoas são influenciáveis em maior ou menor grau.

Durante o dia somos bombardeados
por centenas mensagens. Cada mensagem é, de certo modo, uma propaganda,
algumas abertas (televisão, rádio, out doors) algumas encobertas (tal
como um amigo que fala sobre determinado produto que adquiriu ou restaurante
em que jantou). Cada interação que envolve sua presença vai influenciar
sua experiência de alguma maneira, independente do tempo em que esta
interação durar. Você consegue imaginar um contexto em que uma pessoa
está interagindo com outra e não estão se influenciando mutuamente?
Isso nem é possível. Em algum nível seu cérebro sofre uma alteração.
Toda as comunicações têm a capacidade de influenciar, ou seja, os seres
humanos influenciam-se mutuamente em seus relacionamentos. Essas alterações
se dão em função de uma característica humana, chamada sugestionabilidade.
Toda intervenção terapêutica, seja ela em que abordagem for, conta com
a possibilidade de influenciar as pessoas a ponto de alterar sua própria
experiência. Dessa forma, podemos começar a pensar na importância que
tem o fato de termos profissionais responsáveis e bem treinados na área
da psicologia.

Considerado esse aspecto, vamos agora
ver a questão da memória e a sua relação com a sugestionabilidade. Vamos
considerar o caso de uma paciente que procura psicoterapia relatando
pesadelos, desordens de alimentação e dificuldades no relacionamentos
pessoais, especialmente com homens. Ela desconhece a causa de seus sintomas.
Através de uma anamnese o terapeuta descobre que uma prima muito próxima
à paciente e com quem ela passou a infância sofreu abuso sexual quando
estava junto com a paciente. Ela não tem memórias ou quaisquer idéias
relacionadas àquele evento mas teme ter sido violentada como a prima.
Sua família, temerosa de que aquilo fosse verdade, tratou-a sempre como
se de fato tivesse sido vítima do estupro.

Através da hipnose e técnicas baseadas
em hipnose (visualização, imagens guiadas) de regressão de idade, ela
rapidamente recobrará algumas memórias do abuso sexual que ocorreu num
estágio muito precoce de sua vida. Será que esses episódios realmente
aconteceram? Ela não poderia ter criado tais memórias por sugestão a
fim de acomodar as expectativas do terapeuta e as sugestões da família?
Será possível levar alguém a acreditar que houve um abuso quando na
realidade tal abuso não ocorreu?

Essa é uma questão difícil de responder.
Mas acontece em alguns casos. Um terapeuta que sugestione o paciente
de alguma forma, emitindo alguma opinião sobre possíveis eventos passados,
pode, ainda que involuntariamente, estar criando uma condição irreal.
Isso vai depender apenas do nível de sugestionabilidade do paciente.
Por outro lado, a crença na repressão levou alguns terapeutas a trabalharem
unicamente direcionados à busca dessa repressão. Acreditam que o tratamento
deveria envolver a recuperação de memórias que ajudassem a erguer o
véu da repressão e, dessa forma, teriam no material traumático recentemente
descoberto ferramentas para ajudar o paciente na resolução dos sintomas.

Como se pode observar, a sugestionabilidade
humana pode, em algum momento, interferir com seu banco de memórias
e criar "falsas memórias". Muitos autores têm demonstrado
que a memória é reconstrutiva e não reprodutiva. Isso, por sua vez,
nós dá a certeza de que a precisão da memória pode ser influenciada
por muitos fatores inclusive a desinformação e a sugestão. Por outro
lado a repressão não pode ser estudada diretamente, apenas inferida.

Como um outro fator, a repressão
é uma variável especialmente complicada porque sua influência na precisão
da memória não é ainda completamente entendida Especificamente, não
sabemos ainda como a repressão diminui ou melhora a precisão de memória
antigas e esquecidas e qual o grau de sugestão de procedimentos hipnóticos
empregados pelos terapeutas para recuperar memórias reprimidas podem
contaminar essas memórias antigas. A repressão realmente existe?
Evidências fortes sugerem que sim. Mas ainda aqui temos muitos problemas
para compreender seus mecanismos de funcionamento. O que temos até o
presente momento são na realidade crenças calcadas sobre indícios sobre
a existência da repressão. Acreditamos que esse mecanismo está em ação
no surgimento dos sintomas e problemas de nossos pacientes. Não sabemos
ainda se existe autenticidade em memórias de fatos que aconteceram há
30 ou 40 anos atrás e que são despertadas numa sessão de psicoterapia.
Mesmo a questão de trauma, estabelecida por Freud no tempo de sua relação
com a hipnose, hoje ganha outro sentido e importância quando se pensa
em trauma cumulativo.

As questões levantadas acima nos
levam imediatamente à questão da ética envolvida no tratamento do paciente.
Se todos somos sugestionáveis em algum grau, é importante que o terapeuta
deixe fluir as recordações do paciente, não só durante uma terapia convencional
como também nos processos de hipnose. Este profissional deve ter um
embasamento muito sólido sobre as patologias e mecanismos de defesa,
de forma que possa precisar com maior fidelidade possível, os movimentos
mentais do paciente, estabelecendo o que é de sua estrutura e o que
não é.

Na hipnose, assim como nas análises,
nos deparamos com a resistência. A obstinada resistência é considerada
uma manifestação das defesas do cliente no sentido de evitar o contato
com os conflitos inconscientes. A resistência trabalha de forma persistente
contra os esforços do terapeuta e é, portanto, uma força real. No caso
específico da hipnose as origens da resistência em hipnose, são muitas.
Uma delas, a mais freqüente é o receio do paciente do que possa vir
a acontecer durante o transe. É importante que antes de iniciar o processo
de hipnose, o terapeuta converse com o paciente e desfaça possíveis
enganos e mitos a respeito do assunto. A resistência em relação à hipnose
também pode surgir por causa de fracassos anteriores associados com
hipnose, ou seja, da experiência pessoal ou da experiência relatada
por outra pessoa em quem se acredita. Pode-se citar ainda os sentimentos
ruins ou falta de empatia entre o clínico e o paciente ou ainda, algumas
variáveis do ambiente imediato, humor do paciente, saúde e até mesmo
algumas alterações de temperatura.

Creio que a única forma de lidar
com a resistência é aceitá-la como uma comunicação válida do paciente
e assim, esclarecer sua função. Muitas vezes esse aspecto, uma vez esclarecido,
pode ser um aliado no andamento do trabalho com o paciente.

Mais uma vez voltamos à questão da
necessidade de termos profissionais bem formados e responsáveis nessa
área de atuação. Muitas vezes temos a impressão de que as coisas ligadas
à mente e ao pensamento, são coisas abstratas e portanto, sem grandes
riscos. Nós os profissionais de saúde mental, sabemos que tal afirmação
é falsa. Dentro desse raciocínio, temos que alertar para o fato de que
existem alguns perigos na hipnose. Trata-se entretanto, de uma questão
a ser discutida num curso bem elaborado. Mas gostaríamos de salientar
que é importante saber que quando se aplica a hipnose, estamos lidando
diretamente com o inconsciente do cliente e a dinâmica intrapsíquica,
cujo equilíbrio e delicadamente balanceado. Ficar insensível às emoções
que podem ser disparadas a partír de um processo hipnótico (ab reação)
pode colocar o paciente numa situação de risco emocional bem como levá-lo
à uma doença de fato.

Eticamente falando, a prioridade
é ajudar e não criar problemas. Creio que as regras da questão ética
são as mesmas para todos os processos terapêuticos normais. Entretanto,
acredito que o conhecimento profundo das técnicas, benefícios e "efeitos
colaterais" da hipnose nos ajudam a lapidar um pouco mais as regras
éticas a fim de preservar o cliente. Esse Artigo, parte 1 e 2, procuram
sensibilizar àqueles que desejam conhecer e aplicar a hipnose, para
a necessidade de buscarem sempre, pessoas competentes e conscientes
como mestres e supervisores. No final, pode-se dizer que a hipnose é
uma ferramenta terapêutica bastante valiosa.


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