Conheci a expressão acima através de um amigo de São Paulo. Ela surgiu, segundo ele, de uma desculpa utilizada pelos músicos para justificar faltas em shows ou ensaios. A história é a seguinte: o músico não aparece para tocar por um motivo qualquer (gripe, sono, dor de barriga, arrumou um trabalho que pagava melhor, namorada nova, jogo do Brasil, etc) e, quando perguntam o porquê da falta, ele responde:
– Faltei, é verdade. Mas mandei o Lima para tocar no meu lugar, cobrindo a minha falta, ele não apareceu? – Não. – O Lima me paga!
Ou seja, o músico inventa que mandou alguém, chamado Lima, para substituí-lo e que o sujeito não foi. A responsabilidade pela falta passa a ser do Lima, que, além de não ir, não avisou. Cabe dizer que o Lima não existe, ao menos até onde sei, mas a história costuma ser aceita assim mesmo, talvez por força do hábito, por tratar-se de uma desculpa que, de tão usada, se tornou clássica no meio. O Lima já está se tornando parte do senso comum, sendo usado, para fins parecidos com os dos músicos, por outras pessoas:
– Alô, doutor Roberto? – Sou eu mesmo. O que deseja? – Eu sou a secretária do seu dentista, o senhor tinha uma consulta marcada para ontem à tarde… – O Lima não foi? – Que Lima? – Eu não pude ir, tive uma crise alérgica, e mandei o Lima no meu lugar. O irresponsável não foi? Que vexame! Vou ligar para ele agora mesmo.
O leitor já atentou para as inúmeras possibilidades que essa desculpa oferece ao seu usuário? Imaginemos por um momento que o Lima não é uma ficção. Ele seria um abnegado profissional, capaz de enfrentar as missões mais difíceis em seu lugar, e ainda levar a culpa por eventuais fracassos.
Quando criança, você poderia ter mandado o Lima comer aquelas horríveis sopas de espinafre que sua mãe insistia em preparar para o seu jantar, liberando-se da árdua obrigação. O Lima poderia ter encarado as brigas com coleguinhas mais fortes na saída do colégio, poupando-lhe dos arranhões, roxos e das reprimendas da diretoria da escola. Você poderia ter enviado o Lima para encontrar-se, antes de sua chegada, com aqueles parentes que insistiam em apertar as suas bochechas como se elas fossem as buzinas do Chacrinha. Ele teria sido alvo dos apertões.
O nosso amigo poderia ter ficado em casa decorando a tabuada, enquanto você andava de bicicleta despreocupadamente pela vizinhança. Já na adolescência teria designado o Lima para fazer as provas de Química e Física no seu lugar, talvez até as de Matemática. Já imaginou que maravilha? O Lima poderia ter pedido aquela linda menininha loira em namoro, coisa que você não teve coragem de fazer, declamando poemas ou fazendo uma serenata. Se não desse certo, você não teria feito o papel ridículo e sairia incólume do fora. O mesmo Lima se encarregaria de terminar o namoro quando você não estivesse mais afim- "Sabe como é, ele esteve pensando muito e acha que não seria justo continuar, ele gosta muito de você mas tem umas dúvidas sobre o relacionamento"- O Lima teria tido as espinhas.
Mandaríamos o Lima ao prostíbulo, em seu lugar, para perder a virgindade, que sexo é coisa séria e não admite amadorismos. Assim, você teria mais tempo para se preparar com calma para o Dia D, perdendo a virgindade com uma namorada, sem pressões desnecessárias e sem o risco de falhar logo na estréia.
No final da adolescência você não precisaria ter feito o serviço militar obrigatório e, no vestibular, só precisaria ter escolhido a carreira. O Lima teria batido continência, acordado às cinco da manhã o ano todo e ainda encontraria tempo para estudar, conseguindo vagas nas melhores Universidades do país.
Depois dos quarenta você iria precisar muito do Lima, só que agora para missões mais difíceis e arriscadas, realizáveis apenas por um homem acima da média, um fora de série como ele. Por exemplo: ele levaria os seus filhos ao Playcenter em seu lugar, poupando-o do trem fantasma, da montanha russa e das filas, sem falar no engarrafamento da saída e no teleférico. Mas isso não seria nada se comparado ao dia em que ele levaria as crianças ao show da Xuxa, daquele dia em diante você teria certeza de que se tratava de um santo.
É claro que nessa época o Lima já estaria muito mais ocupado do que antes. Teria se tornado famoso e estaria trabalhando, no mundo todo, para clientes ricos e importantes. As grandes editoras lutariam entre si para decidir quem lançaria a tão aguardada biografia do Lima. Circulariam boatos de que teria sido ele, enviado por Michael Jackson, que teria engravidado a mulher do cantor. Seria o maior responsável pela conquista brasileira da Copa de 94. Teria distraído o Baggio e o Baresi naqueles pênaltis, fazendo-os errar. Conta a lenda que ele estava fantasiado de mulata atrás do gol e que fazia sinais sexualmente convidativos para os italianos, que não resistiram ao charme e aos seios postiços do Lima e cobraram do jeito que se viu, nos presenteando com o Tetra. Dizem que só ele tem a solução na ponta da língua para o tão falado Bug do milênio, que irá reduzir nossos computadores a pó de traque. Nosso amigo não nega nem confirma os boatos, mas continua trabalhando nas sombras e diz que tudo será revelado em detalhes depois de sua morte, quando forem abertos os seus arquivos.
A fama e o dinheiro não subirão à cabeça do Lima, que ainda trabalhará para você em nome da velha amizade. Será ele, e não você, que irá para a mesa de operações fazer a vasectomia. Ele fará os abdominais e correrá no parque, quando o seu médico lhe impuser o sacrifício. Deixará de fumar e beber em seu lugar, escreverá sua tese de mestrado, visitará parentes chatos no Natal, irá às reuniões de sexta feira à tarde com o seu chefe, cobrará dos seus devedores, lavará as panelas depois dos almoços de família e lerá todos os livros que você não teve tempo de ler.
Até que chegará um dia em que você pedirá a ele o impossível, dirá que é a derradeira missão desse homem que lhe acompanhou por toda a vida e lhe ajudou como ninguém mais.
– Nunca pensei que você pudesse me pedir isso. – Prometo que será a última vez, pagarei dobrado. Não me deixe na mão, Lima. – Você sabe que não trabalho mais por dinheiro, não se trata disso. – Me desculpe. Estou muito nervoso. – Um homem precisa conhecer os seus limites, saber dizer não. Talvez a minha hora tenha chegado. Estou ficando velho para esse trabalho. – Eu só conto com você, meu amigo. Por favor!
Os olhos do Lima se umedecerão, coisa que você nunca imaginou que fosse presenciar. Ele lhe dará um abraço apertado, como um soldado que parte para a guerra, dirá adeus e sorrirá. Aceitará o seu pedido, mas vocês nunca mais se encontrarão. Então irá embora, deixando você emocionado e agradecido. Sua silhueta se perderá no final da rua, confundindo-se com as sombras que as árvores projetam no chão quando finda a tarde. Ele estará a caminho do urologista, para fazer o exame de próstata em seu lugar. Grande Lima.
Luiz Celso Toledo de Castro é psicólogo e mestrando em Psicologia Social pela USP Também colabora com as Revistas Expressão e Plante Ribeirão, ambas em Ribeirão Preto. [email protected]