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O Lugar onde Não Estamos






Ilustração: Eva UviedoO Lugar onde Não Estamos


por Mário L. Quilici


Um homem vinha dirigindo por uma estrada quando percebeu que o pneu do carro havia furado. Desceu e ao abrir o porta malas verificou que não tinha macaco. Coçou a cabeça, enquanto olhava em volta. Viu um armazém. Foi até lá e perguntou ao homem atrás do balcão se tinha uma macaco de que pudesse dispor. O homem disse que não tinha, mas explicou:


– O Sr. sobe esse morro ai ao lado e lá no alto vai encontrar uma casa azul. Lá tem um homem que tem macaco e pode empresta-lo para o senhor. Só que tem uma coisa, o homem é um chato daqueles.

Necessitado do macaco o viajante sobe o morro. Vai pensando em como falar com o chato. – E se ele for grosso comigo? pensa irritado. – Bem, eu tento ser educado mas se ele for grosseiro mesmo, eu meto a bronca. Esses caras pensam o que? Que são os donos do mundo? Só porque tem um macaco, pensam que estão por cima? Nada disso, eu vou responder à altura. Continua a Imaginar mil e uma coisas desagradáveis até que chega à casa azul. Bate na porta e quando o homem vem atendê-lo, diz:


– Pega seu macaco e enfia no rabo.


Pode-se dizer que a situação é cômica e trágica. Mas é esse o cotidiano de milhares de seres humanos. Quantos de nós, ainda que não tenhamos percebido, agimos de maneira semelhante? Por que é que em vez de vivermos nossas próprias experiências e tirar nossas próprias conclusões sobre os fatos, temos que nos deixar levar por opiniões alheias, sem qualquer intervenção de nosso senso critico? Porque nos falta a esperança para crer que podemos dar um destino diferente às coisas que desejamos conquistar? As piadas acabam sempre por retratar a angustia humana, em sua forma mais ridícula.


Poderíamos pensar que essa piada, nos leva inevitavelmente a uma condição, absolutamente atual: a depressão. O pensamento ansioso é uma das características mais comuns dessa patologia da “vida cotidiana”. Considerada uma doença do humor, responsável por um número cada vez maior de fracassos amorosos, econômicos e por um número crescente de suicídios, a depressão já faz parte do nosso dia à dia. Não é raro entrarmos na sala de espera de algum cinema e encontrarmos duas amigas conversando coisas assim:


Ilustração: Eva Uviedo– Nossa! Como você está bem. Arrumou um namorado novo?


– Imagina, nem pensar, meu bem! Eu estava péssima, com uma depressão horrível. Mas me indicaram um remédio ótimo, um luxo. Estou tomando o Depressix, é a maravilha do século. Nunca estive tão bem na vida.


– Ah! Verdade? Que bom! E você que me criticou tanto quando eu lhe disse que tomava antidepressivos. Tomo o Humorex, também é ótimo. Eu andava num bagaço menina, tudo era motivo para um barraco. Mas agora, acabou! Nada de tristeza. Botei fim naquela história de finais de semana trancada em casa chorando. Aquela cara de velha, sem saco para nada, um porre! Um comprimidinho de manhã, outro à tarde e, lá vou eu.


Esse tipo de diálogo é mais comum do que se imagina. Num futuro próximo as pessoas ao se encontrarem vão dizer (vão?!):


– Nossa, você está tão bem. Que antidepressivo está tomando?


Ou,


– Menina!, Sua pele está tão boa. Está descansada, que beleza! A propósito, que hipnótico você está usando para ter sono?


Ou ainda:


– Cara, saí com uma garota ontem à noite. Foi fantástico. Nunca tive uma noite tão boa. Genial.


– Ah, é? Você está usando o Traiagra ou tem coisa nova no pedaço?


Há um paralelo com o “Admirável Mundo Novo” de A. Huxley. É um livro que vale à pena ler pois retrata, de alguma forma, o percurso que a humanidade vem fazendo nos dias atuais. Lá, naquele admirável mundo novo, o humor é sempre regulado por quimicos. É o que estamos vivendo hoje: há uma pílula para emagrecer, outra para ficar excitado, outra para afastar a tristeza e outra para afastar a insônia e, assim poderíamos caminhar indefinidamente. Aqui, creio eu, cabe um parêntese: Não há da minha parte, nenhuma posição contrária à utilização de medicamentos. Seria uma oposição tola. Minha questão é contra o uso indiscriminado e inconseqüente da medicação. O problema é que, cada vez menos, gastamos nosso tempo para saber o que nos faz infelizes. Reclamamos daqueles que não nos deram a atenção durante a infância e daqueles que não nos dão atenção agora. Mas e nós, será que nos damos alguma atenção? Não. Nem temos tempo para isso.


O homem moderno tem que ganhar dinheiro para consumir coisas que os incluam no rol dos que estão up to date. Pagar impostos caríssimos para os governos mal gerenciados, freqüentar os lugares da moda etc. Coisas essas que nem sempre precisamos mas fazemos porque nossa necessidade de pertencer à um determinado grupo assim o exige. Temos que freqüentar restaurantes interessantes, comprar aquele livro chato que as pessoas “chics” lêem, para não ficar “por baixo”. Como se ler o livro nos tornasse, por alguma forma de magia que desconheço, chic também. Cada vez menos, nos ligamos aos nossos semelhantes por afeto. O nosso grupo de amigos está cada vez mais reduzido e, raramente temos pessoas com quem conversar. Pode-se ter um cachorro, é verdade, mas nunca tive a certeza de que eles dão conta dessas necessidades peculiares dos humanos (não na minha opinião e gosto). À todo momento somos bombardeados por informações que vem e vão à uma velocidade desconcertante. Cadê tempo para nos preocuparmos conosco? Se não temos esse tempo, o que nos resta senão a depressão?


O homem moderno, como dizia o brilhante Jaques Lacan, pensa onde não está e, está, onde não pensa. Quer dizer, vivemos pensando no que teremos que fazer amanhã, depois e no mês que vem. Mas pensamos isso no dia de hoje. No final, a vida passa e nós não estivemos em lugar nenhum. Muitas vezes renunciamos a muitas coisas na juventude e juntamos dinheiro obsessivamente, pensando na velhice que às vezes, e do jeito que as coisas andam, pode nem chegar. Vivemos durante todo o tempo num lugar onde não estávamos. Quer coisa mais depressiva do que não viver?

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