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Obesidade – um muro de gorduras me protege do contato com a vida.



Obesidade

'As Banhistas' - A. RodinObesidade

por
Mário L. Quilici

Num
dias desses estava numa loja olhando camisas. Uma jovem obesa aproximou-se
e olhou algumas peças femininas. A vendedora e ela pareciam cúmplices,
sabiam que tudo não passaria daquele ritual: olhar, desejar e depois
ir embora. Os olhos da moça pareciam alternar entre o encantamento com
as peças e a tristeza de não poder vesti-las. A vendedora depois me
confidenciou que a moça obesa vinha freqüentemente à loja admirar as
roupas sem entretanto poder adquiri-las.

Esse
fato se repete inúmeras vezes no dia a dia de muitos obesos. Um amigo
obeso me dizia que comprar roupas em lojas especializadas é um negócio
chato porque as roupas não têm o mesmo charme. Não sei se isso é verdade,
nunca me preocupei em observar esse aspecto. No entanto sei que deve
ser muito bom ter a liberdade de comprar uma roupa pela qual nos apaixonamos,
no momento em que nos apaixonamos. Mas isso nem sempre é possível para
o gordo.

Um
dia desses me perguntava: De quem é o problema, do gordo que não emagrece
se sabe que o mundo é feito para magros ou dos industriais que são preconceituosos
e não investem mais efetivamente nessa área. Acho que as duas questões
são pertinentes. Entretanto, nossa preocupação nesse número de REDEPSI,
é falar sobre obesidade.

Num
primeiro momento poderíamos nos perguntar: qual o problema com o fato
de alguém ser gordo? Acho que existem dois enfoques para se pensar esta
questão: a estética e a saúde. O ponto de vista estético também pode
ser dividido em dois aspectos: O pessoal e o cultural. O que eu chamo
de ponto de vista pessoal é o gosto individual de algumas pessoas. Tenho
amigos que são vidrados numa rechonchuda e não há Vera Fischer nem Luiza
Brunet que possam despertar mais sua atenção do que uma fofinha sexy
e simpática. O mesmo acontece com algumas amigas minhas. Uma delas é
radical: "Se for magro pode passar longe" ou "Homem sem
um pneuzinho, não dá". Há também aqueles que adoram os gordinhos
mas os evitam em público porque temem o que os outros vão pensar. Isso
nos leva à questão cultural. Vivemos num momento em que as regras estabelecidas
para o corpo exigem silhuetas delgadas, de formas definidas e delicadas.
As manequins, top models, são esqueléticas.
ManetNo
que diz respeito às mulheres, que são as que mais sofrem que esse tipo
de problema, já houve momentos na história em que ser fofinha era absolutamente
obrigatório. Na época de Napoleão e até mesmo mais tarde, no período
do Art Nouveau, as mulheres eram mais cheias. As magras não tinham a
menor chance. Por volta dos anos 60, começaram a surgir as manequins
esqueléticas. O grande mito foi Twig, uma lourinha inglesa que era só
pele e osso. Na minha opinião um exagero. A coisa mudou pouco de lá
para cá. A ditadura da moda exige como já se disse,
corpos bem delineados quase secos. Isso causa conflitos e angústias
que leva o obeso a ter dificuldades com sua auto estima. Mulheres envergonham-se
de seus corpos e homens ficam constrangidos nas paqueras.

Do
ponto de vista da saúde a obesidade de fato representa um problema.
Sabe-se que o coração do obeso trabalha muito e por isso o aumento da
área cardíaca é comum em indivíduos muito obesos. O coração dos obesos
tem excesso de gordura epicárdica (membrana serosa que envolve o coração)
e também infiltração de gordura no miocárdio (músculo cardíaco). Alguns
estudo mostram aumento de massa muscular cardíaca e aumento da espessura
da parede do ventrículo esquerdo. O consumo excessivo de oxigênio é
uma das características da obesidade sendo essa a razão por que muitos
obesos cansam-se com facilidade. O coração tem um trabalho redobrado
em pessoas obesas porque o volume de sangue circulante está aumentado
nessas pessoas. Mesmo em estado de repouso o coração do obeso trabalha
bem mais do que numa pessoa magra. Isso pode conduzir à patologias graves
e às vezes mortais.

Antes
de discutirmos os fatores emocionais envolvidos na obesidade, convém
lembrar que podem haver fatores endócrinos causando esse tipo de problema
e isso, após ser adequadamente investigado por um endocrinologista,
que pode sanar o problema medicando adequadamente.

Quais
os fatores emocionais envolvidos na obesidade? Minha experiência nessa
área mostrou que existem inúmeras causas associadas à obesidade. Entretanto,
há um grupo em especial que observei com mais freqüência. Alguns se
referem a hábitos adquiridos durante a vida e outros às carências emocionais.

Se
voltarmos à nossa infância ou assistirmos algumas pessoas tratando com
suas crianças, vamos observar a angústia de alguns pais no que diz respeito
à alimentação de seus filhos. Faz-se de tudo para que a criança coma.
Às vezes ficamos com a sensação de que é uma questão de vida ou morte.
Trata-se apenas da angústia dos pais e não da necessidade das crianças.
Estas, ao sentir fome, logo procuram o que comer. Mas parece que essa
necessidade de comer dos pais transfere-se para o indivíduo e então,
comer torna-se imperativo para o sujeito. Este tipo de pessoa não tem
noção da quantidade de calorias que precisa durante um dia, apenas precisa
comer. Tais relacionamentos com os pais ficam gravados em nosso inconsciente:
se comemos, mamãe sorri, fica alegrinha, aliviada. Isso pode ajudar
a criança a ver-se livre da culpa. Mais tarde o hábito e a necessidade
de livrar-se da culpa, ainda persista mesmo que os pais estejam ausentes.

Outra
coisa curiosa é quando o alimento é oferecido como prêmio por alguma
atividade que a criança executa. Se ela se comporta e come tudo o que
está no prato, ganha um chocolate ou um biscoito. Se ela se comporta
direitinho com as visitas, ganha balas e assim por diante. O alimento
fica associado à recompensa e indivíduo pode, mais tarde, comer para
obter esse tipo de recompensa, ainda que de forma inconsciente.

A
comida está sempre associada à situações de proximidade e sucesso. Observe
que quando nos tornamos adolescentes encontramos nossa turma em festinhas
para os comes e bebes, nas lanchonetes e pizzarias. No cinema os adolescentes
(mais freqüentemente) entretém-se consumindo pipocas, chocolates e refrigerantes.
Quando a gente se forma, casa, ou recebe uma visita especial, recebe-se
uma promoção, comemora-se um noivado, faz-se um jantar, almoço ou uma
festinha. Um jantar romântico à luz de velas, dá um clima especial para
uma noite especial onde sexualidade e efetividade são as estrelas. No
trabalho, muitas das negociações com clientes são feitas em almoços
ou jantares. Talvez muitas dessas situações sejam inevitáveis, mas esses
detalhes servem para ilustrar como a comida está ligada a entretenimento
e gratificação e como já dissemos, à aproximação.

Constata-se
também que comemos para negar uma experiência desagradável. Quantas
vezes não estamos sozinhos em casa, sem ter o que fazer e então, nos
postamos diante da televisão comendo pudins, bolachas, doces etc.? É
uma forma de driblar a solidão. Ao perdermos um contrato no trabalho,
um emprego ou, ao ficarmos de dependência na escola, logo chegamos em
casa, entramos na cozinha e vamos direto à geladeira, onde encontramos
algum conforto.

uma Barbie meio fora dos padrões...Algumas
pessoas também engordam por que querem ser notadas, ganhar alguma importância.
Tive uma paciente, uma mulher jovem ainda, por volta dos 40 anos e que
pesava 165 Kg. Era uma mulher extremamente inteligente e com grandes
habilidades de comunicação. Era professora e por questões de problemas
com sua auto estima, restringiu-se ao ensino primário em escolas estaduais.
Não achou que tinha capacidade de ir mais além. Essa restrição foi fatal
por que lentamente tornou-se obesa e carente de atenções. Foi só quando
entendeu suas necessidades é que os regimes começaram a funcionar para
ela. Isso é comum naqueles que têm um pequeno ego e então compensam
isso criando um grande corpo. Simbolicamente o obeso é alguém que demanda
maior atenção, precisa sentir-se mais importante e dessa forma busca
ocupar mais espaço. Indivíduos de grande tamanho causam sempre alguma
impressão naqueles à sua volta. E além disso é sempre melhor receber
uma atenção negativa do que não receber nenhuma atenção. Essa é uma
matemática comum para o obeso e crianças mal amadas.

Outras
pessoas comem por precisar de amor. Essa é uma questão difícil de assumir.
Parece tão humilhante para as pessoas admitirem que precisam de amor.
O que é mais curioso é que amor é a única coisa de que todos precisam,
mas não ninguém gosta de admitir. Os indivíduos preferem comer, fazer
muitas compras, tomar grandes sorvetes nos shoppings, chupar deliciosas
balas, devorar chocolates com castanhas e amendoins e cozinhar deliciosos
pratos. Para alguém declarar "Eu preciso de amor", é sempre
uma coisa que fere. As pessoas obesas são aquelas que comem quando na
verdade precisariam de alguém que lhes desse um abraço, um sorriso e
quem sabe, um pouco de atenção. Uma outra paciente, que fora na adolescência
uma mulher belíssima, após o casamento engordara de forma exagerada.
Chegou perto dos 200 Kg. Perdeu a habilidade para dirigir e só saia
de casa com os filhos ou marido. Como muitos obesos, fizera todos os
regimes. Durante o período de análise percebeu que vivia em busca de
atenção do marido que a ignorava completamente. Divorciada, a paciente
emagreceu e conseguiu manter o peso sem grandes esforços.

Muitas
pessoas comem por medo. Medo! De quê? Acho que essa é uma das causas
mais importantes da obesidade: o medo. Podemos pensar naquelas pessoas
que por não serem bonitas (ou se sentirem bonitas), não serem atrativas
para o sexo oposto, ficam gordas por que dessa forma não têm que lidar
com os conflitos que isso traz. A gordura é uma capa que isola o corpo
do mundo. A maior parte da gordura fica espalhada sob a pele e cria
uma barreira. A gordura é uma forma de evitar o contato com o mundo,
esconder-se das outras pessoas. Um paciente, de boa aparência e grande
talento nos negócios disse que detestaria ter uma aparência atrativa
pois detestava lidar com os relacionamentos que eram sempre complicados.
"As mulheres não me olham e eu não tenho com que me preocupar
então
". Isso não era verdade, mas ele preferia ver assim.
Muitas pessoas obesas têm medo de sua sexualidade e não sabem lidar
com suas dificuldades afetivas.

Um
outro medo que observei é o da falta de saúde. Muitas vezes as pessoas
associam a obesidade à saúde. Uma grande bobagem mas que recebe crédito
de muitas pessoas. "Se você é gordo, é mais saudável"
ou "Gordos não sentem frio"
ou ainda, " Gordos
não pegam resfriados"
. A arsenal de besteiras que inventam
é inacreditável e o que é pior, nunca se renova. Gordura, como pudemos
ver nos parágrafos anteriores, nunca foi sinônimo de saúde.

Os
regimes podem ser bons quando nosso psiquismo está equilibrado. Caso
contrário, os obesos sempre enfrentarão o efeito rebote: acabam o regime
e tudo volta ao que era antes. O equilíbrio emocional, como já se disse
antes e cada vez mais a ciência comprova, pode interferir de forma positiva
e negativa em todos os processos orgânicos. Precisar de um profissional
que entenda e ajude a solucionar certos conflitos emocionais não é senão
um gesto de honestidade para consigo mesmo. A grande hostilidade do
homem em relação a si mesmo é negar-se à ajuda, ao contato que pode
ajudá-los a aproximarem-se de si mesmos.

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