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Quando Viver Fere – O Retalho de uma história Real.



PSICOSSOMA


QUANDO
VIVER FERE

Mário Quilici

Você
levanta-se pela manhã. Dá de cara com um lindo dia de sol. Lembra-se
que na noite anterior, conheceu um cara que é o máximo. É o cara de
seus sonhos e o que é melhor, está muito interessado em você. 
Mas em vez de ficar feliz, sente um mal estar que não sabe explicar.
Acha que não é bonita o bastante para ele. Nem faz planos porque acha
que ele não vai mais ligar.

A
caminho do trabalho enfrenta as mesmas angustias de todos os dias. Medo
de que os negócios não andem bem o bastante e sua independência esteja
ameaçada. Não importa que sua empresa está com a bola toda e você seja
uma profissional bem cotada na praça. É vitimada por essas angústias 
todos os dias. Às vezes fica tonta com tanto pessimismo justamente porque
não há razão concreta para isso.

Surge
uma espinha no rosto e você já fica em pânico. Vêem-lhe à cabeça a fantasia
de ficar doente. Você morre de medo de adoecer. Não sabe porque esse
medo surge, mas não consegue livrar-se dele.  O gatão liga. Você
fica atônita. Ligou! Responde o telefonema sem graça, insegura. Marcam
um encontro. Fica desconfiada com o entusiasmo do cara.

Chega
o dia de encontrar o gato. Você devia estar excitada, mas está tomada
por uma angustia intensa. Passa pelo saguão do hotel e acha que alguma
coisa está errada porque todos olham para você. Para diante do primeiro
espelho e examina-se cuidadosamente procurando os defeitos. Não encontra
nada. Está super produzida, mas ainda assim, fica insegura: por que
todos olhavam? Nem lhe ocorre pensar que está linda.

Chega ao American Bar. O gatão abre aquele sorriso lindo. Você desmancha.
“Ele é demais”, pensa consigo mesma. Jantam, andam e conversam. Resolvem
terminar a noite juntos. Ele sugere a suíte do hotel em que estavam
bebendo. Você baba de alegria. Mas, em vez de curtir a idéia, você começa
a preocupar-se com seu corpo. Lembra que tem um calo feio no pé. Parece
uma condenação à morte. – Será que ele vai se importar? Lembra-se de
uma gordurinha aqui, de um defeito ali. Lamenta não ter pensado nessa
possibilidade antes, pois assim, teria colocado uma roupa intima especial.
Fica cada vez mais inibida. Perde a espontaneidade. Acha que o cara
só está a fim de divertir-se com você. Conclui que só pode ser isso
afinal, o que é que um cara como aquele, poderia querer com alguém como
você? Será que ele enxerga bem? Talvez seja meio desequilibrado.

Na
hora da transa o cara insiste na camisinha. Você entra em pânico. –
Será que ele tem alguma coisa? O cara goza sozinho porque o medo deixou
você de fora. Quando o cara deixa você em casa, respira aliviada. Era
insuportável a tensão.  Joga o telefone dele fora. Não tem 
mais a intenção de ligar para ele só porque acha que ele não vai mais
lembrar de você.  Surpreende-se e assusta-se quando no dia seguinte
ele liga romântico, dizendo que têm saudades e quer vê-la de novo.

A DEPRESSÃO AO ALCANCE DE TODOS

Viver
ferido pela vida é uma realidade de milhões de pessoas no mundo atual.
Muitas pessoas vão reconhecer como familiar, a situação descrita acima.
Trata-se da depressão, uma doença conhecida há muito tempo, mas é provável
que nunca tenha atingido tantas pessoas como agora. No Brasil não temos
estatísticas sobre a depressão, mas nos Estados Unidos estima-se que
30 a 40 milhões de americanos sofram de depressão. Calcula-se que no
futuro, um em cada quatro americanos vão sofrer um episódio grave 
de depressão. Somente um quarto dessas pessoas terão conhecimento da
depressão e assim, poderão tratar-se.

A depressão é uma patologia (doença) que tem muitas formas de apresentação
e atinge pessoas, independente de sexo, idade, raça e condição social.
Muitas vezes as pessoas pensam que a depressão é um estado de tristeza
profunda. Não deixa de ser uma afirmação verdadeira, entretanto, como
eu disse antes, a depressão tem muitas formas de apresentação.

Na grande maioria das vezes, a depressão está mascarada por sintomas
somáticos ou outros problemas psicológicos não tendo, portanto a tristeza
como sinal mais evidente. Lembro-me de um paciente brincalhão e sorridente
que me procurou por causa de um quadro de impotência sexual. No final,
era o que chamamos de depressão mascarada. Levou um bom tempo até que
eu me desse conta do estado depressivo em que ele se encontrava. Isso
foi feito através de uma cuidadosa observação de sua estrutura de pensamento. 
Um neurologista amigo meu, durante um congresso de psicanálise, me dizia
que muitas vezes, os quadros de pressão alta e gastrite desaparecem
quando você trata a depressão.

É
um tipo de informação que é corroborada por nossa rotina clinica. Na
medida em que a depressão cede e o paciente vai retomando o prazer pela
vida, desaparecem muitos sintomas físicos. Hoje em dia é quase impossível
para alguém fazer clinica em psiquiatria e psicologia sem se deparar
com a depressão.

O
índice de suicídio entre pacientes com depressão é alto. Nota-se que
entre pacientes viciados em drogas, também encontramos a depressão como
sintoma importante e subjacente, quase sempre mascarada  por comportamentos
agressivos.

O
QUE É A DEPRESSÃO

Na
verdade depressão é um termo geral para um quadro sintomático que vai
de um mero sentimento de abatimento até uma perda real da motivação
para viver ou mesmo   a apatia absoluta.

É
comum encontrarmos na depressão um grande número de sintomas físicos
como o cansaço, distúrbios do sono, falta de apetite, prisão de ventre,
dores de cabeça, taquicardia, dores na coluna, descontrole menstrual
nas mulheres, e queda do nível de energia corporal.

O depressivo tem uma constante sensação de culpa e vive se auto-repreendendo.
É comum a rigidez de pensamento, a irritabilidade com tudo à sua volta
e o desejo de estar só. O pensamento ansioso, aquele pensamento que
volta à mente toda hora com mensagens negativas é constante. Muitos
deprimidos vivem enfiados dentro de casa e usam desculpas legitimas
para justificar seu confinamento. Mencionam a violência das ruas, os
altos preços dos teatros e cinemas enfim, existem sempre bons motivos
para ficar em casa. Os deprimidos são pessoas sempre prontos a evitar
responsabilidades, mesmo que sempre se achem responsáveis por tudo que
ocorre à sua volta. Não vivem, vegetam.

Como
já dissemos, a depressão é hoje, um dos problemas de saúde mais comuns
do mundo. É uma doença que pode ser definida como “a desordem dos superlativos”. 
Para começar, atinge um grande número de pessoas e pode ser letal porque
é durante os períodos de depressão que as pessoas escolhem soluções
definitivas para problemas transitórios: o suicídio.

Também
é a mais debilitante das doenças porque a pessoa deprimida apresenta
problemas em todas as áreas de sua vida. O custo emocional da depressão
é o mais óbvio. O pesar e o desânimo empobrecem a qualidade de vida.

O
custo financeiro também é significante, pois, numerosas doenças, desconforto
físico e freqüentes consultas aos médicos, criam um pandemônio na vida
financeira da pessoa. Como mostram muitas pesquisas, pacientes deprimidos
têm maior probabilidade de sofrer de câncer e de terem ataques cardíacos.

Os
custos sociais da depressão também merecem uma menção. Conflitos familiares,
divórcios, relacionamentos familiares ruins, perda de amigos e comportamento
anti-social, são problemas  que devem ser levados em conta.

Os
custos financeiros para o estado e para as empresas são absolutamente
relevantes. Em 1995, um estudo feito nos EUA, mostrou que a depressão
custava ao país, uma média de 63 bilhões de dólares ao ano. Esse valor
pode ser traduzido por faltas ao trabalho, diminuição da produção, acidentes
e afastamentos por doenças.

Como
podemos observar, a depressão é uma doença com tentáculos de destruição
que atingem níveis que estão além do individual.

O
que causa a depressão? A depressão não é uma doença  que pode ser
atribuída a uma única causa. Tem inúmeras facetas e assim, inúmeras
causas.  Mesmo que ela seja desencadeada por um único fator, podemos
dizer, ainda assim, que existem inúmeras causas e que o fator em questão,
foi a “gota d’água”, nesse desencadeamento.

COMO
TRATAR A DEPRESSÃO

Existe uma grande controvérsia entre os estudiosos no que diz respeito
à etiologia da depressão. Uns argumentam que ela tem origem puramente
biológica e outros, argumentam que é puramente psicológica. Nesses dois
extremos, estão, a meu ver os radicais de uma e outra abordagem. Não
creio que mereçam algum crédito na medida em que o homem é uma integração
psicofísica e as doenças resultam dessa integração.

Minha
experiência corrobora os dados de pesquisas importantes feitas no mundo,
sobre a depressão. Episódios mais sérios de depressão devem ser tratados
com medicação e psicoterapia. Esses dois procedimentos são complementares
e eficientes.  A medicação ajuda a tirar o paciente daquele estado
de apatia e melhora a auto-estima na medida em que regulariza os níveis
de serotonina.  Com a medicação, as intervenções terapêuticas tornam-se
mais eficientes porque o paciente está em condições de se comunicar
e elaborar adequadamente. A psicoterapia  é importante para que
a pessoa possa conhecer e lidar com as situações que causam a depressão.

A
questão sobre a origem biológica ou psicológica da depressão, só tem
uma resposta: Nós somos criaturas biológicas e como tal, os aspectos
químicos e genéticos tem um papel considerável em nossa experiência. 
Mas quando consideramos o quanto nossa família e nossa cultura nos influencia,
poderemos então responder que somos biologicamente predispostos a sermos
sensíveis ao nosso ambiente.

A
DEPRESSÃO E SUAS HISTÓRIAS

De acordo com nossas observações, somente um pequeno número de pessoas
deprimidas busca tratamento.  Porque será que isso acontece? Será
que as pessoas não sabem que estão deprimidas? Muitas vezes isso acontece.
As vezes a situação de vida é tão complicada e tão difícil de resolver
que o estado depressivo fica justificado. Mas na maioria das vezes o
paciente deprimido não busca ajuda  porque tem um profundo sentimento
de desesperança  que não permite acreditar que possa procurar ajuda
e encontrar.

Um
amigo me dizia: “Ir ao psicólogo! Para quê? Só vou me aborrecer. Ninguém
pode me ajudar a sair dessa situação. Será que vocês são Deus para me
colocarem “lá dentro”de volta”?

O
indivíduo deprimido geralmente sente um pânico pessoal e situacional
que, aparentemente, não pode ser solucionado por nenhuma ação direta
sua ou de qualquer outra pessoa.  Fica passivo diante das adversidades,
apático diante da desesperança e confuso diante das decisões. Para uma
pessoa que não está acostumada com a depressão é bastante difícil compreender
a passividade do depressivo. Geralmente acham que o indivíduo é preguiçoso,
tem má vontade e não quer nada com a vida.

A
depressão é uma doença que ocorre em múltiplas dimensões. Nossa experiência
com o mundo ocorre em múltiplos níveis ou dimensões. Temos a dimensão
física, cognitiva, comportamental, afetiva, relacional, simbólica, contextual
e histórica.  A depressão interfere em todos os níveis de nossa
experiência. 

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