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Uma História de (des) amor…


Uma História de (des) amor…

Uma História de (des)amor
Olho gordo, um olho cheio de desejos que denuncia a ausência de afeto.

por Mário L.
Quilici

Ilustração by Eva UviedoSilvia
é uma amiga de infância. Fizemos juntos a pré escola e brincávamos na
mesma rua. Crescemos juntos. Na adolescência nos separamos. Silvia se
mudou e nós ficamos um tempo separados. Um dia, encontro Silvia num
congresso: tínhamos escolhido a mesma profissão. Silvia vem de uma família
de Judeus em que o pai, como muitos emigrantes, chegou ao Brasil sem
nada e, após muito trabalho, conseguiu construir razoável fortuna. Casou-se
com a mãe de Silvia que já vinha de uma família judaica tradicional
e abastada. Formavam um casal especialmente simpático e estavam sempre
atualizados com as coisas de seu tempo. Quando a revolução sexual começou
eles já tinham feito a própria revolução sexual e educaram seus filhos
de forma aberta e não preconceituosa.

Silvia tornou-se uma mulher bonita,
alegre e inteligente. Casou-se e teve uma filha. Depois de dez anos
de casamento, enviuvou. Viúva e já com a filha crescida, Silvia dedicou-se
de forma quase que integral a seu trabalho. É uma pessoa doce, agradável,
sensível e equilibrada. Temos o hábito de longas conversas.

Numa ocasião, há bem pouco tempo,
Silvia me contou que havia conhecido um rapaz muito legal. Estavam apaixonados.
Há muito eu não a via assim, fazendo planos. Ambos tinham um nível sócio
econômico semelhante, as mesmas idades e inúmeras possibilidades de
gozarem a vida em paz. Tudo estava indo bem, até que Silvia, aos poucos,
vai mostrando ao namorado suas qualidades intelectuais, habilidades
e conhecimentos culturais. Silvia altera alguns de seus planos e acerta
com o rapaz algumas datas para viajarem. As declarações de amor se sucedem
e entretanto, repentinamente, o rapaz desaparece. Mantém apenas alguns
contatos telefônicos com inúmeras justificativas onde reafirma seu amor.

A situação é não só constrangedora
como também enlouquecedora. Assustada, Silvia me procura para conversar.
Conta tudo, desde o início. Observo que a história de vida do rapaz
contrasta em muito com a de minha amiga. Ela havia sido criada numa
família carinhosa e tolerante que estava em sintonia com as mudanças
do mundo. Tinha apoio de seus pais e irmãos e viviam sempre numa harmonia
rara. O rapaz, ao contrário, vinha de uma família onde o pai impulsivo
era alcoólatra e que perdera todos os poucos bens da família no jogo.
A mãe dele havia sido uma ex-empregada doméstica da qual os irmãos
do pai
(?) envergonhavam-se. Quando ainda era menino, o rapaz foi
entregue pelos pais a um tio para que este o criasse. Localizamos que
as coisas começaram a piorar quando ela recebeu uma oferta tentadora
para publicar um livro.

Logo, as qualidades de minha amiga,
que é uma pessoa ativa e dedicada às coisas que faz e, por isso, sempre
acaba sendo bem sucedida, foram a conta certa. O rapaz não pôde suportar
o sucesso, a fruição e o prazer que ela tinha ao lidar com a vida. Quando
a elogiava por sua inteligência e beleza, o fazia como se tivesse um
grande pesar. Muitas vezes disse à ela que não acreditava na relação
deles porque ela era muito bonita e ele muito feio. Quando ela lhe dava
alguma informação ele refutava, mas logo a seguir, em conversa com outras
pessoas, emitia o mesmo parecer, como se fosse coisa pensada por ele.
Quando ela lhe falava de suas conquistas, cheia de alegria por ter com
quem dividir, ele ouvia calado e mudava de assunto. Ela se assustava.
Muitas vezes chegou a se perguntar se havia falado algo de errado.

Silvia não havia percebido que o
rapaz sentia amor por ela mas, antes disso, estava a inveja. Silvia
lembrava-se que "pudinzinho", que era como ela o chamava,
só havia se relacionado com mulheres de baixo nível durante toda a sua
vida. Nunca havia se casado e havia se relacionado apenas com duas mulheres
de bom nível. A primeira havia sido sua noiva e haviam terminado por
causa de uma briga com a família dela onde as diferenças sociais haviam
dado a nota principal.

Qual
a forma que ele encontrou de destruí-la? Tirou dela o que ela mais gostava:
ele. Torturou-a durante meses com telefonemas, desculpas, promessas
e ausências. Quando ela começou a perder a paciência e tornar-se agressiva,
ele pontuou isso a ela; era a forma de mostrar a ela um defeito que
ele não tinha encontrado antes. Mesmo quando ela deu o assunto por encerrado,
ele fazia questão de que notícias suas chegassem até ela. As viagens
que tinham planejado fazer juntos, ele as fez só e fez questão de comunicá-la
de algum modo.

Quantas vezes coisas como essa acontecem
em nossas vidas e nós ficamos boquiabertos, sem saber o que pensar ou
como explicar a situação? Nossa! Tinha tudo para dar certo e o que aconteceu
então? Mas ele não me amava? O que aconteceu, fiz algo de errado? Quantas
perguntas sem resposta. São situações que às vezes nos deixam com a
sensação de que estamos pirando. Não estamos. Na realidade temos uma
tendência a deixar a pessoa que amamos num nível muito bom e por isto,
temos dificuldade para identificar suas mazelas.

Provavelmente foi esse sentimento,
o da paixão, que não permitiu à minha amiga, identificar o problema
do "pudinzinho": a inveja. Popularmente pensa-se a inveja
como sendo apenas o desejo do outro por algo que possuímos. Fala-se
em "olho gordo" (o olho que infla de desejos), de "mau
olhado" (o olho que olha com despeito) etc. Mas a inveja é muito
mais que isso. Pensa-se que a inveja é um sentimento justificado, ou
seja, há algo de concreto que se inveja e que é por sua natureza, invejável.
Nada mais falso. O invejoso pode ser um milionário invejando algum talento
de um pobre. Não há regras. Inveja-se por questões de ordem emocional.
Veremos mais à frente o alcance desse sentimento humano.

De certo modo, todos nós conhecemos
a inveja: um sentimento de ressentimento por alguém estar à frente,
fazer algo melhor, uma certa hostilidade, uma rivalidade competitiva.
Esse é o comportamento normal de inveja que todos nós sentimos. É de
fato, o mais comum. Dizer que não se tem inveja é o mesmo que dizer:
não respiro. Portanto, a questão é: como a gente lida com a inveja?

O problema começa quando a inveja
se torna patológica. Nesses casos ela é mais intensa. Vemos esse tipo
de inveja naquelas pessoas que criticam os outros incessantemente ou
então vivem dando alfinetadas. Os invejosos estão sempre provocando,
escarnecendo e criticando àqueles que invejam. Se não podem fazê-lo
diretamente, o fazem através de outros (falando mal, denegrindo, desvalorizando)
mas sempre com a certeza de que estarão atingindo seu alvo. Um exemplo
disso é aquele tipo de pessoa que inveja a inteligência e a tranqüilidade
de outra pessoa e então põe-se a cutucá-la até que ela perca a calma.
Acho que foi o que aconteceu com ‘pudinzinho" e Silvia. Ela
em sua tranqüilidade lúcida compreendia e sabia lidar com as intempéries.

O invejoso não consegue encontrar
o que elogiar ou valorizar nos outros. Também é comum encontrar sempre
uma razão para duvidar daqueles à sua volta com o objetivo de derrubá-los.
A pessoa invejosa acha tão difícil suportar que o outro tenha alguma
coisa boa que ele não pode reconhecer ou usar aquela pessoa construtivamente.
Podemos ver isso surgir na forma de uma verdadeira incapacidade de receber
informação ou ajuda. Tal condição pode impedir o indivíduo de fazer
a leitura de livros ou receber conselhos porque terá que reconhecer
a importância do outro. Essas pessoas dificilmente conseguem escutar
o que as outras pessoas tem para dizer. E sempre que se encontram numa
situação onde ouvem coisas que lhes desperta a inveja, arrumam todo
o tipo de artificio para parar com a conversa ou mudar de assunto.

Outra forma pela qual a inveja pode
ser vista com facilidade é quando conduz à determinação de obter o que
a outra pessoa tem. Então, se fulano tem um carro, o invejoso não sossegará
enquanto não comprar um igual. Ou então, na impossibilidade de conseguir,
vai desdenhar. Todos conhecemos a história da raposa e das uvas. A forma
como a pessoa invejosa destrói o invejado é pela injúria. Silvia às
vezes irritava-se com seu "pudinzinho" por que ele tinha um
carro velho e ao vê-la com um carro do ano, justificava-se "Ah!
Que bobagem comprar carro novo. Para quê? Eu não tenho carro novo por
que não quero". Mas quem perguntou?, inquiriu ela.

O invejoso é sempre alguém com um
profundo sentimento de inadequação e, por isto, estará sempre idealizando
o outro o que, por sua vez, incrementará a inveja, deixando o sujeito
num círculo vicioso. A idealização é um mecanismo de defesa importante.
Deixando o outro engrandecido, bonito, competente, inteligente, o invejoso
fica pequeno e portanto é difícil a aproximação ou comparação.

O invejoso não pode receber o que
o impede de sentir gratidão. Isso significa que sua capacidade de amar
e ter prazer, sofre graves interferências. A inveja impede que construa
relacionamentos bons, onde a confiança, o companheirismo e a cumplicidade
são impossíveis. Esse comportamento, influencia todo o comportamento
do indivíduo e vai torná-lo inseguro. Dessa forma, esse indivíduo sentirá
o mundo à sua volta como hostil e destruidor e tornar-se-á mais paranóide
e desconfiado em suas atitudes em relação às demais pessoas e assim,
seu mundo tornar-se-á desagradável. O "Pudinzinho" vivia trancado
em casa. Tinha horror de sair de casa à noite e ser assassinado.

São pessoas que têm muito pouco prazer
na vida pois, quando o tem, parecem ter a sensação de que aquilo é pouco.
Dessa forma, é comum vê-los trancado em casa achando que nunca têm tempo
suficiente para nada, e as coisas que fazem são sempre mal curtidas
por que nunca podem usufruir intensamente o tanto que lhes coube. Se
alguém tem um objeto ou prazer semelhante ao seu, ficam achando que
o que é deles, é ruim. O nosso "pudinzinho", quando apresentado
a um amigo de Silvia que tinha um aparelho de gravar CD’s, foi
logo comprar um igual. Quase entrou em crise ao descobrir que seu aparelho
não tinha as mesmas facilidades que o aparelho do rapaz.

Quando se priva da experiência de
alegria e felicidade o invejoso não sofre sozinho, faz sofrer também
aquele que tentou lhe proporcionar a alegria, tornando-o impotente na
medida em que inutiliza seus esforços. Aliás, aqui podemos ir um pouco
além e dizer que o invejoso restringe seus contatos sociais e evita
situações que possam estimular a rivalidade e a inveja. É uma maneira
muito habitual e familiar ao invejoso.

Na maioria das vezes a inveja é inconsciente
ou seja, a pessoa não sabe que é assim.

Mas existem aqueles invejosos que
sabem de sua doença mas negam e evitam se defrontar com ela. É lamentável
que alguém passe a vida dessa forma pois, inevitavelmente afundará na
mediocridade e pouco conseguirá construir para si mesmo. Um tratamento
psicanálitico pode ser de grande valia para os invejosos que podem então,
após a recuperação, começar a viver num lugar que eles nunca imaginaram.
Mas como foi dito acima, o invejoso é alguém que não aceita nada de
ninguém, não reconhece valores e não sentem gratidão. Assim, creio que
a coisa fique um pouco mais difícil para eles.

Aqui vai uma anedota clássica que
ilustra bem o invejoso:

 Conta uma história, que um
sujeito muito mal humorado, andava pelo campo quando deparou-se com
uma lâmpada mágica. Ao esfregá-la, surgiu um gênio que disse:

– Por me libertar, o senhor terá
direito a três desejos. Só que tem um detalhe, tudo o que o senhor
desejar, seu vizinho vai ganhar em dobro.

O homem então pensou e pediu: Quero
Ter uma fortuna tão grande que, por mais que eu gaste dinheiro, ela
nunca se acabe. O gênio lhe concedeu esse desejo e deu o dobro ao vizinho
do homem.

– Quero ser bonito o bastante para
agradar todas as mulheres.

O gênio concedeu-lhe o desejo transformando
o homem grosseiro e mal humorado numa criatura de extrema beleza. Seu
vizinho tornou-se duas vezes mais belo. Então o gênio disse: Qual é
seu terceiro e último desejo?

– Quero que você me dê uma surra
que me deixe quase morto.


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