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Cesariana: escolha correta ?

Estudo publicado na revista “Lancet” mostra que cesariana desnecessária coloca em risco a vida da mulher e do bebê.
Estudo publicado na revista “Lancet” mostra que cesariana desnecessária coloca em risco a vida da mulher e do bebê.
Uma pesquisa internacional publicada na edição de 3 de junho da Lancet, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, traz um alerta para os médicos e os futuros pais e mães: a realização de partos cirúrgicos ou cesáreos sem uma indicação médica específica coloca em risco a saúde da mulher e do bebê. É um chacoalhão mais do que necessário nos ginecologistas, obstetras e gestores de saúde do mundo todo, que nas últimas quatro décadas viram as taxas de cesarianas desnecessárias crescerem de modo assustador sem as conseguir frear.

O recado das páginas da Lancet assume um significado particular para a América Latina e, em especial, para o Brasil, segundo colocado em realização de partos cesáreos no mundo – uma das principais questões relacionadas à saúde reprodutiva da mulher no país, ao lado da esterilização cirúrgica e da retirada desnecessária do útero (histerectomia). Aqui os índices de partos cirúrgicos insistem em se manter escandalosamente elevados desde a década de 1980, sobretudo entre as mulheres de classe média e alta. Atualmente quatro de cada dez crianças nascem por meio de cesarianas, na maioria das vezes agendadas pelas mães e pelos obstetras bem antes do final da gestação – uma proporção exagerada, duas vezes e meia maior que o índice de 15% aceito pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Difícil de ser modificada, segundo os próprios médicos, essa realidade preocupa porque boa parte dessas cirurgias são desnecessárias e nem sempre representam a forma mais adequada e segura de dar à luz uma criança, como muitas mulheres crêem. Nesses casos, com um pouco de paciência das mães e habilidade dos obstetras, a natureza cumpriria seu papel e esses bebês nasceriam saudáveis de parto normal.

Nesse trabalho coordenado pela OMS e financiado pelo Banco Mundial, epidemiologistas e especialistas em saúde reprodutiva feminina avaliaram o desfecho de quase 100 mil partos realizados entre setembro de 2004 e março de 2005 em oito países da América Latina (Argentina, Brasil, Cuba, Equador, México, Nicarágua, Paraguai e Peru). O resultado confirmou o que se temia: os partos cirúrgicos desnecessários fazem mais mal do que bem.

Quando a taxa de cesáreas de um hospital ultrapassa a faixa que vai de 10% a 20% do total de partos, aumenta muito o risco de complicação para a mãe e o bebê. É maior a probabilidade de a mulher morrer durante o parto, apresentar sangramento grave ou adquirir uma infecção que exija internação no setor de tratamento intensivo. Já a criança corre mais risco de nascer com menos de 37 semanas (prematura) por erro de cálculo médico, de morrer durante o nascimento ou na primeira semana de vida e de necessitar de cuidados intensivos. Mesmo quando se levaram em consideração os diferentes níveis de complexidade dos 120 hospitais avaliados, ou seja, a capacidade de atenderem casos de maior ou menor gravidade, os perigos para a mãe e o bebê não diminuíram. “Todos os indicadores de saúde da mulher e da criança pioram”, afirma o obstetra chileno Aníbal Faúndes, uma das mais respeitadas autoridades internacionais em saúde reprodutiva. Coordenador da equipe de 90 brasileiros que participou desse estudo, Faúndes mudou-se para o Brasil há 30 anos após deixar o Chile na ditatura de Augusto Pinochet depois de coordenar o programa de saúde da mulher no início do governo de Salvador Allende.

Gasto desnecessário – “Como as complicações decorrentes das cesarianas são relativamente raras, os médicos costumam dizer: ‘Isso não acontece nas minhas mãos’”, comenta Faúndes, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp). “Mas do ponto de vista populacional as conseqüências desses eventos são graves e devem ser levadas em consideração”, diz. Um desses efeitos é o aumento dos gastos públicos com saúde. Nos países desenvolvidos o acréscimo de 1% nas taxas de cesarianas representa um gasto extra de US$ 9,5 milhões. Calcula-se que no Brasil, onde nascem 2,5 milhões de crianças por ano, haja 560 mil cesáreas desnecessárias que consomem quase R$ 84 milhões. “É um dinheiro que poderia ser investido em outras formas de cuidado da mãe ou da criança”, diz Faúndes.

Embora o risco de morrer durante uma cesariana seja muito menor do que foi quase quatro séculos atrás, quando esse procedimento começou a ser feito em mulheres vivas – antes fazia-se a cesárea apenas após a morte da mãe para salvar a vida do bebê –, os partos cirúrgicos dispensáveis contribuem para manter a mortalidade materna brasileira em níveis bem superiores aos de países desenvolvidos como o Reino Unido. Estima-se que entre 75 e 130 brasileiras em cada grupo de 100 mil morram durante o parto ou por complicações associadas à gravidez. Entre as súditas da rainha esse índice é de aproximadamente dez mortes por 100 mil.

Apesar da imprecisão dos dados brasileiros, é fácil associar boa parte dessas mortes à cesariana. Estudos internacionais apontam que perto de cem mulheres perdem a vida a cada 100 mil cesáreas, cinco vezes mais que o parto normal. Até o século 19 três de cada quatro mulheres morriam de infecção ou sangramento intenso (hemorragia) em conseqüência dessa cirurgia. Hoje, em uma cesariana, o médico faz uma incisão de 10 a 15 centímetros no ventre materno logo acima dos pêlos pubianos e corta outras cinco camadas de tecido até alcançar o útero para retirar o bebê.

“É impressionante o grau de abuso da cesariana no país”, afirma a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), que atua na área de direitos reprodutivos e sexuais. “Há por aqui um descaso histórico com gestação e parto”, diz.

A persistência dos índices de cesariana em níveis tão elevados por mais de duas décadas levou o Ministério da Saúde a adotar algumas estratégias – infelizmente, nem sempre suficientes – para tentar reduzir o número de cesáreas. A mais recente é a Campanha de Incentivo ao Parto Normal, lançada em 30 de maio para conscientizar a população sobre a importância do parto normal e ajudar a desfazer a idéia já cristalizada na sociedade de que o parto cirúrgico é melhor e mais seguro.

São três os objetivos da campanha: explicar a importância dos exames de acompanhamento da saúde da mulher e do bebê durante a gestação, mostrar os benefícios do parto normal e reforçar a idéia de que a mulher tem direito a um parto mais acolhedor, sem a realização de procedimentos médicos desnecessários e com o acompanhamento de uma pessoa de sua escolha – é o chamado parto humanizado.

Fonte: [url=http://revistapesquisa.fapesp.br/index.php?s=157,3,2976,1&aq=s]http://revistapesquisa.fapesp.br[/url]

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