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Psicobiologia: Transdisciplinaridade ou Reducionismo?

Gostaria de propor com esse texto uma breve reflexão sobre um curioso termo empregado pela psicologia contemporânea: ‘psicobiologia’. Antes de começar é preciso esclarecer que com esse texto não tenho a pretensão de defender ou criticar a viabilidade dessa “disciplina”. O que farei aqui é usar uma discussão histórica do significado do termo ‘psicobiologia’ para mostrar como o emprego de um termo nos compromete com determinadas visões-de-mundo.
Uma breve incursão pela história da psicologia nos revela que o termo ‘psicobiologia’ começou a ser empregado no início do século XX, e denotava uma tendência da psicologia científica da época em vincular-se à biologia. O que deve ser ressaltado é que nesse contexto a vinculação entre psicologia e biologia estava longe de ser do tipo reducionista. Em outras palavras, a corrente psicobiológica em momento algum defendia uma possível substituição dos dados da psicologia por dados biológicos (principalmente fisiológicos).

Ao contrário disso, essa corrente de pensamento defendia que o dado biológico – a vida – já continha algo de psicológico, de tal modo que era impossível falar de vida sem mencionar seu aspecto psicológico. Nesse sentido, podemos dizer que o termo ‘psicobiologia’ surge a partir de uma concepção molar e sintética. Isso quer dizer que a ciência psicobiológica estava interessada em um todo complexo e irredutível (“vital-psíquico”), por isso, desde o início, estava barrada a possibilidade de um estudo de fenômenos vitais isolados de seus aspectos psicológicos, bem como de fenômenos psicológicos apartados do vital. Uma das propostas do projeto psicobiológico era a de que a biologia deveria adotar uma nova categoria de análise: o sentido (‘Sinn’, em alemão). Assim, partindo do todo “vital-psíquico” nos tornamos aptos a “ver” o ‘sentido’ dos processos vitais, que nada mais é do que a faceta psicológica desse todo.

Em outras palavras, o vital é desde o início “dirigido” por aspectos psicológicos, tais como impulso, memória, percepção, inteligência, etc. No entanto, em meados do século XX, o termo ‘psicobiologia’ ganha uma outra conotação, bem distinta da original. Nesse segundo sentido, ‘psicobiologia’ descreve um movimento que busca encontrar as “bases” biológicas (ou fisiológicas) dos fenômenos considerados psicológicos. Essa busca pelos fundamentos do psíquico acaba por filiar a empreitada psicobiológica ao reducionismo fisicalista: trata-se de uma tentativa de explicar o psicológico por meio do biológico (o que nesse caso é sinônimo de fisiológico).

A psicobiologia, entendida dessa maneira, calca-se, portanto, em uma concepção molecular e analítica. Em outras palavras, defende-se que as partes (fisiológicas) podem explicar integralmente o todo (psicobiológico). Com isso, a categoria ‘sentido’ é excluída da explicação e, conseqüentemente, a psicobiologia filia-se com o mecanicismo (não há sentido nos fenômenos biológicos, há apenas um funcionamento “cego” das partes envolvidas). Dessa pequena discussão podemos extrair uma importante lição, a de que, em Psicologia, o modo como determinado termo é empregado geralmente (para não dizer sempre) nos filiar a um determinado contexto filosófico.

O termo ‘psicobiologia’ é um bom exemplo disso. Nas duas acepções desse termo encontramos visões-de-mundo diametralmente opostas (de um lado uma concepção molar, sintética, não-reducionista, de outro uma concepção molecular, analítica e reducionista). Se o psicólogo tornar-se consciente de que um determinado termo carrega consigo um legado que deve ser assumido quando esse termo é empregado, ele terá mais cuidado ao empregar esse termo. No caso da psicobiologia, por exemplo, quando descobrimos as possíveis filiações que esse termo nos impõe, nos tornamos aptos a escolher por uma delas: podemos defender que o ser humano pode ser integralmente explicado por seu funcionamento fisiológico, o que nos filia ao fisicalismo reducionista e (muitas vezes) ao mecanicismo; ou podemos defender que “algo” escapa de uma descrição puramente fisiológica, o que nos obrigaria a discutir o que é esse “algo” (mas isso é assunto para outra coluna!).

A conclusão que espero ter alcançado com essa breve discussão é a de que o emprego de um termo deve ser precedido por uma análise filosófica (por mínima que seja). Isso porque só assim saberemos o que estamos dizendo, e estaremos preparados para aceitar as conseqüências trazidas por esse emprego.

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