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Psicopatologia do Digital: Ansiedade & Solidão em William Gibson

Este artigo objetiva discutir a formação da personalidade e suas patologias na Era Digital, em destaque os transtornos de ansiedade, utilizando como base teórica a obra de ficção cientifica “Cyberpunk” de William Gibson.
1. O Que É Cyberpunk?

"Cyberpunk" é a Ficção Científica que mistura inquietação filosófica, violência e computadores em uma ambientação gótica, noir e hipermoderna. Sua popularização se deu por William Gibson e Bruce Sterling nos EUA, na década de 1980, sendo a publicação de “Neuromancer” (1984) considerada seu marco fundamental.

O contexto sócio-histórico que explica e dá significado ao Cyberpunk é o de um certo pessimismo da geração de jovens dos anos 1960-1970 referente a década de 1980, marcada pelo crescimento vertiginoso das tecnologias digitais, acompanhado do aumento dos problemas ambientais e sociais em grandes metrópoles.

Os elementos do Cyberpunk giram em torno da interação entre o Homem e a tecnologia. Apesar da intensa referência a computadores, biotecnologias, nano-dispositivos, etc; não é do futuro da Indústria que o Cyberpunk trata, mas da condição humana alterada pela influência desses artefatos. O cerne da discussão Cyberpunk é a reflexão sobre os impactos humanos causados por modo-de-vida centrado nas tecnologias. 2. William Gibson, Papa da Sci-Fi Atual Em sua sci-fi, William Gibson fornece reflexões sobre a influência das tecnologias do virtual no Homem. De sua ficção emergem, de forma simbólico-narrativa, teorias sobre a personalidade e patologias próprias de um mundo ultra-tecnológico. Para este estudo, foram escolhidas três obras, mais representativas por possuírem protagonistas mais bem descritos em seus atributos de personalidade e históricos: 1) Neuromancer (1984) – O protagonista é Case, um super-hacker, viciado em computadores, e na adrenalina da invasão. Case acaba por tornar-se um usuário compulsivo da rede e obcecado pelo risco do crime. 2) Johnny Mnemonic (1995) – O protagonista, que dá nome ao filme estrelado por Keanu Reeves (também astro de Matrix), é um pirata de dados que está sofrendo de overdose de informações enquanto é perseguido por bandidos. Sua obsessão pelo "trabalho" está causando uma estafa mortal derivada de "informatite". 3) Reconhecimnto de Padrões (2003) – Cayce Pollard, consultora de marketing, tem a estranha capacidade cognitiva de reconhecer padrões em rede altamente complexas, e com isso prever resultados futuros de mercados.

Contudo, isso lhe confere uma forma de fobia a semiótica de marcas que evolui para uma Fobia Social e sintomas de Sindrome do Pânico. 3. A Ansiedade como Pedra Fundamental da Personalidade Cyberpunk Todos os transtornos alistados aqui como formadores da personalidade dos protagonistas de Gibson estão relacionados a estados patológicos de ansiedade (e em menor escala, a problemas cognitivos ou psicóticos). Mas a ansiedade é o fundamento da Psicopatologia destilada da obra de William Gibson.

A ansiedade pode ser descrita como um sentimento de alerta e desconforto decorrente de excessiva excitação, ou interpretação de uma situação de perigo. Parente próximo medo, (muitas vezes onde a diferenciação não é possível), é distinguida dele pelo fato de o medo ter um fator desencadeante real e palpável enquanto na ansiedade o fator de estímulo teria características mais subjetivas. Pode-se dizer que ansiedade é um medo generalizado do mundo, difuso e sutil, medo esse que molda Case, Johnny, Cayce e os demais protagonistas dos livros de William Gibson. Os transtornos de ansiedade determinam as mais comuns epidemias de nossos tempos (como a Sindrome do Pânico), e os personagens de Gibson são forjados pela ansiedade, numa alusão (ou antecipação?) feita pelo autor a um futuro possível que ele vislumbrava para seus próprios leitores.

O "Homem Cyberpunk" encontra-se ansioso por não conseguir se adaptar, se ajustar ao seu mundo, que ele reconhece como caótico e intrusivo, estressante. As tecnologias, ao invés de servir, oprimem e tiram-lhe a saúde, gerando stress, fobias, Sindrome do Pânico, compulsões, etc. Essa ansiedade estrutural explica-se, como já exposto, pelo seu desajuste e sensação de angústia e estranhamento diante da hostilidade do mundo. 4. A Solidão Por outro lado, além da ansiedade, os personagens de Gibson são, de um modo geral descritos como pessoas solitárias, nômades modernos (estão sempre se mudando, ou em longas viagens a negócios, e não estabelecem vínculos duradouros ou de qualidade nem com lugares e nem com pessoas), com sérias dificuldades afetivas.

Ou seja, além de patologicamente ansioso, o Homem Cyberpunk é, apesar de toda suas tecnologias de COMUNICAÇÃO, alguém emocionalmente SOLITÀRIO e por isso frágil. É essa fragilidade basal dconverte sua personalidade ansiosa em transtornos de ansiedade. 5. Conclusão: Cyberpunk como uma ALERTA Por tudo isso, o Homem Cyberpunk apresenta-se a nós hoje como mais do que uma criação puramente ficcional: trata-se de um fim possível para o modo-de-vida presente, cada vez mais frenético e caótico por ser mal administrado, tendo o uso indiscriminado e irrefletido das tecnologias digitais como importante fator ansiogênico. Nesse sentido, a obra de William Gibson, em especial as reflexões psicopatológicas extraídas dela, servem como mais do que entretenimento: faz também as vezes de uma alerta e pedido de prudência quanto a nossa relação com as tecnologias digitais.

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