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Febem legitima a prática do “seguro” em algumas unidades

As relações de poder entre jovens internos da instituição levam alguns adolescentes a serem isolados e colocados no chamado “seguro”. Estudo mostra como a prática chega a ser legitimada pela Febem.
As relações de poder entre jovens internos da instituição levam alguns adolescentes a serem isolados e colocados no chamado “seguro”. Estudo mostra como a prática chega a ser legitimada pela Febem.
Primeiro a intimidação. Em seguida um possível espancamento coletivo e, por fim, o “seguro” – uma espécie de isolamento. “Essa é, em geral, uma das trajetórias possíveis pela qual se estabelecem as relações de poder entre os internos na Febem de São Paulo”, conta a psicóloga Natália Felix de Carvalho Noguchi, que por mais de três anos analisou as relações institucionais entre os internos. Em sua dissertação de mestrado pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP, ela denuncia o “seguro” como uma prática legitimada tanto pelos internos como pela própria instituição.

Natália entrevistou 16 adolescentes internados na instituição que narraram como acontece o domínio de uns sobre outros e como o chamado “seguro” pode até ser vantajoso para alguns. “O fato é que o seguro já está, de certa forma, institucionalizado pela Febem”, afirma. “Visitei várias unidades com o objetivo de mapear as regras que servem de subsídio para as relações de poder, e como elas se estabelecem entre os internos”, descreve. Todas as entrevistas, bem como o trabalho de Natália estão devidamente registrados na instituição.

Para a psicóloga, os internos da Febem reproduzem em muitos casos algumas situações que acontecem no sistema prisional adulto. Os líderes de grupos que ditam as regras têm privilégios nas unidades. “Fui informada, pelos relatos, de que alguns internos possuíam aparelhos eletroeletrônicos em seus quartos. O “seguro”, segundo a psicóloga, é fruto da quebra de regras estabelecidas pelos próprios adolescentes. “Há unidades que abrigam apenas internos que foram excluídos de outras. São os excluídos dos excluídos”, lamenta. Há ainda os que acabam sendo isolados devido ao crime que cometeram. “O estupro, por exemplo, é um crime inaceitável entre eles”, conta Natália.

Depois de uma série de questionamentos por um grupo de internos, caso o adolescente admita ter cometido esse tipo de crime (o estupro), acontecem situações de espancamento e o conseqüente isolamento. Entre as regras, Natália destaca, por exemplo, o olhar desrespeitoso para uma visita alheia. “Em quase todos os casos existe uma espécie de julgamento”, afirma. E em todo esse processo, segundo a psicóloga, não há qualquer participação de funcionários da instituição, desde que não haja risco de morte para o adolescente. “Os funionários intervém quando há ameça à vida. Em caso de morte de algum interno a unidade será responsabilizada”, lembra Natália.

Mesmo assim, por meio de alguns depoimentos, a psicóloga chegou a ouvir que “é bom estar no seguro”. E entre as justificativas os entrevistados citaram a atitude da polícia em caso de rebeliões. “Segundo os adolescentes, quando a tropa de choque entra na instituição logo pergunta quem é do ‘seguro’ e os separa dos outros. Eles chegam a ser poupados de ações violentas de parte dos funcionários ou da Polícia Militar.”

A psicóloga relata que a institucionalização do “seguro” chegou a ponto de tornar os internos isolados verdadeiros aliados dos funcionários em algumas rebeliões. “Segundo os relatos, houve rebeliões em que os funcionários os recrutaram armando-os com barras de ferro, incitando-os a vingar-se dos outros internos, além de convoca-los a resgatar fugitivos”, conta. Os adolescentes também relataram que alguns deles, por estarem no “seguro”, eram liberados antes do tempo determinado de internação ou transferidos mais rapidamente para outras unidades.

Natália atribui o isolamento e o estabelecimento de regras pelos internos à falta de organização de algumas unidades. “Conheci unidades em que esse processo não existia. Ou pela contenção extrema ou por intervenções da direção”, ressalta. Mesmo assim, ela cita casos em que o controle de uma unidade foi se perdendo aos poucos, chegando ao ponto em que alguns internos passam a ter poder sobre outros. “Os funcionários da instituição acabam ficando sem ação, intimidados por terem, até mesmo, suas vidas em risco”, lamenta Natália. O estudo Seguro na Febem/ SP: universo moral e Relações de poder entre adolescente internos foi apresentado no Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP.

Fonte: [url=http://www.usp.br/agen/repgs/2006/pags/154.htm]www.usp.br[/url]

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