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"O Lúdico na apropriação de recursos digitais"

Quando se fala em fenômenos lúdicos relacionados a internet e afins, normalmente se pensa em jogos eletrônicos (a indústria mais rentável do mundo digital). Mas neste ensaio pretendo mostrar como o lúdico, no que diz respeito a tecnologias digitais, não se limita a essa instância: a própria lógica de aprendizagem e apropriação do mundo digital é lúdica.

Quando se fala em fenômenos lúdicos relacionados a internet e afins, normalmente se pensa em jogos eletrônicos, a indústria mais rentável do mundo digital. Mas neste artigo pretendo mostrar como o lúdico, no que diz respeito a tecnologias digitais, não se limita a essa instância: a própria lógica de aprendizagem e apropriação do mundo digital é lúdica. "Estão APENAS brincando"?!

É comum, por exemplo, ouvir de pessoas mais idosas que os entusiastas da Era Digital estão "apenas brincando" com seus aparelhinhos, ou mesmo que "antes se resolvia problemas de forma mais séria que apertando botões". Além desse comentário feito pelo senso comum, dados econômicos embasam a visão pela qual o mundo digital se expressa de forma eminentemente lúdica, tais como o fato da compra de hardware (como placas de vídeo e outras peças) é motivada, principalmente, por "up grades" necessários para que os computadores pessoais rodem games e outras atividades para entretenimento. O Usuário Pioneiro: Um Brincante?

Segundo ainda os departamentos de pesquisa em marketing das grandes corporações digitais, O perfil do usuário pioneiro da tribo dos Digitais, o "early adaptor", é de uma pessoa do sexo masculino, jovem (entre 15 e 25 anos), competitivo, escolarizado, que dá valor ao grupo de amigos para sociabilização e aprendizagem, gasta muito dinheiro com objetos para entretenimento e status, e contesta regras da sociedade. O "early adaptor" do Digital, que tem a função de inaugurar e disseminar as tecnologias para o restante dos consumidores, tem portanto o perfil de um "garotão" interessado em brincar como o novo.

SEIS COMPONENTES LÚDICOS DO DIGITAL

A seguir destaco seis componentes que aproximam o aprendizado do Digital de um fenônemo lúdico: 1. Espontaneidade Você já viu como adolescentes aprendem a usar os recursos de computadores em LAN Houses? Não me refiro apenas aos comandos de "games", mas ao uso de e-mails, chats, sites, etc.

Os usuários aprendem espontaneamente, sem um professor. Não se trata de um ensino formal, mas de uma aprendizagem autônoma que ocorre em grupos. Espontaneamente aprendem procedimentos considerados complicados por adultos que tentam aprendê-los em caráter formal, em ambientes escolares. O Comitê de Democratização da Informática, CDI, parece ter descoberto esse fenômeno, e tornou o primeiro contato do educando com o computador um evento lúdico: os alunos "brincam" com o cursor em uma tela de editor de imagens, para aprender "intuitivamente" as funções do mouse. 2. Comportamento Exploratório "Lúdico" também pode querer dizer comportamento exploratório, ensaio, passeio. É comum ouvir usuários orientando uns aos outros quanto ao uso de um editor de texto, por exemplo, da seguinte forma: "Ora, você já sabe os comandos mais importantes. O resto você aprende fuçando aí!" As linguagens digitais convidam o tempo todo o usuário a "fuçar", isto é, a investigar o significado de ícones, os efeitos de comandos, a lógica de programas e funções. O bom usuário é aquele que explora livremente os recursos, como se estivesse passeando (eventualmente, com um guia). Em geral manuais técnicos são desprezados, em detrimento do comportamento lúdico de livre exploração do terreno. 3. Brinquedos para adultos Você já notou o modo de tratamento que usuários têm com seus aparelhos digitais? Celulares, iPods e demais dispositivos são tratados comumemnte por diminutivos, como "aparelhinhos", "coisinhas", "maquininhas", o que já revela um significado infantil de brinquedo atribuido a esses objetos. Não raro, ainda, são os consumidores que tratam os produtos digitais carinhosamente como "meus brinquedinhos". Obviamente nesse caso os aparelhos digitais ocupam o lugar, na concepção dos usuários adultos, que havia sido dos brinquedos, na infância. 4. Competição por status O "Agonis", isto é, a disputa por poder e/ou status, é uma faceta do lúdico. A competição pode ser percebida na corrida pela aquisição de aparelhos (ou "brinquedinhos", como visto anteriormente), como celulares de última geração. Não basta tê-los: é preciso ser o primeiro da turma a ser dono de um, e exibir os "brinquedinhos" para os amigos.

Além de adquirir, ostentar é próprio dos entusiastas Digitais, ávidos pelo status em seus grupos. A busca pelo status em grupo mediante a posse de tecnologias e conhecimentos, aliás, é um valor clássico da cultura "hacker". Os hackers, agressivos, competitivos e contestadores, muito influenciaram a cybercultura de um modo geral. Em seu livro "Neuromancer"(1984), William Gibson apresenta o hacktivismo como um jogo, e mostra como em última análise todo usuário da rede participa dele, de uma ou de outra. 5. Colecionar Fazer coleções é um típico componente do fenõmeno lúdico. Crianças colecionam brinquedos, pessoas de todos os perfis colecionam sêlos.

E os usuários de internet? Há os que colecionam "emoticons" (formas gráficas de expressões de idéias em mensagens), ou colecionam comunidades e amigos no orkut, ou ainda os que colecionam músicas no iPod, etc. Não importa se é um mero ajuntamento desorganizado ou uma coleção catalogada, o importante é ter volume de informação disponível e particular (eventualmente para troca ou para compartilhar). A estocagem de itens de conhecimento, por sinal, é outro traço da cybercultura herdado dos hackers: os piratas de dados nunca apagavam informações aprorpriadas, mas sempre as guardavam, para possível uso futuro ou simplesmente o prazer de tê-las como "souvenirs" ou para ostentação. 6. Jogos de papéis Em latim chama-se "ludus" o jogo que gira em torno da simulação, do faz-de-conta, da representação de papéis. Como exemplo não-digital de ludus, tomemos os roleplaying games, ou brincadeiras "de casinha", ou ainda a brincadeira infantil de "polícia e ladrão".

Desde sua origem a internet é um terreno fértil para jogos de papéis. Comunidades, fóruns, chats e outros lugares virtuais costumam ser palcos para representações, pessoas que aprensetam facetas de suas personalidades no mundo digital que normalmente não exibem no mundo real, ou mesmo inventam "personas" e "egos alternativos" para tomar seu lugar. Não raros são os casos até mesmo de romances virtuais que acabaram de forma dramática, ao se revelarem como meras ilusões de internet. O Orkut, maior site de relacionamento do mundo, pode ser visto como um ludus, por exemplo, na medida que ele permite o brincar de se expôr, e se expôr como bem entender. Essa exposição pode inclusive ser uma enceneção consciente, como o crescente fenônemo dos perfis "fakes" atesta.

Os "fakes" são perfis criados por usuários com o intuito de proteger suas identidades verdadeiras, ou mesmo de brincar, "zoar"(brincadeira destrutiva) ou simplesmente fantasiar ser algo no faz-de-conta digital que não se é na realidade. O que está por trás dos "fakes" no orkut? Anseios? Desejos? Frustrações? Seja qual for a resposta, ela passa por um comportamento lúdico em essência.

CONCLUSÕES & QUESTIONAMENTOS

Neste ensaio apontei 6 argumentos com o intuito de provar que o lúdico no mundo digital não se resume aos jogos eletrônicos: o próprio consumo de dispositivos e aprendizagem de recursos costuma ocorrer por meio de jogos, em diversos sentidos. cabe aqui alguns questionamentos… Se minha tese estiver correta, o que ela sinaliza? Há quem fale da infantilização artificial e planejada do público consumidor, por meio de estratégias de marketing, para mantê-los impulsivos e ávidos por gastar. Talvez seja mesmo um bom negócio para as corporações o viés lúdico do consumo digital. Mas há também os que falam, como os lingüístas, que toda linguagem se aprende por meio de jogos, ou mesmo que toda linguagem pode ser vista como um jogo. (E o Digital não deixa de ser uma linguagem, conforme o termo "analfabeto digital" atesta). Neste caso, a apropriação do Digital seria eminentemente um jogo no sentido de que qualquer apropriação espontânea de uma linguagem o é. De uma forma ou de outra, se o Digital é uma brincadeira infantil, talvez um dia ela o deixe de ser, e se torne um jogo mais refinado, uma prática adulta.

Afinal, a primeira geração de internautas hoje tem 30 anos de idade, e a geração atual já nasceu na Era Digital. Para esses últimos, a internet não é uma novidade estonteante, mas um componente do cotidiano desde a mais tenra idade. Será que para eles tudo será tão lúdico como foi para a primeira geração? Concluindo, tenho a prescrever: se a internet & CIA é mesmo um jogo, devemos conhecer suas peças, regras, e limites do tabuleiro, e quando a partida COMEÇA E ACABA, não apenas para nos divertirmos e termos performances primorosas, mas para tornar esse processo proveitoso, humanizado e sadiamente formativo.

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