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O Atendimento à saúde integral do adolescente

Este estudo nasceu da minha atuação com adolescentes iniciada em julho de 1996 no Programa de Atendimento à Saúde Integral do Adolescente, da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, no Ambulatório de Ginecologia da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas. Como psicóloga voluntária, fiz parte de uma equipe interdisciplinar realizando atendimentos individuais e grupais a adolescentes e familiares. Neste mesmo Programa, coordenei por dois anos, até fevereiro de 2001, grupos terapêuticos com adolescentes, adolescentes gestantes, mães e pais adolescentes e acompanhantes, na Casa do Adolescente, em Pinheiros, estando, a partir daquela data, afastada para me dedicar aos estudos do presente mestrado.

Os grupos eram realizados semanalmente com adolescentes de 10 a 20 anos incompletos que passavam em consultas médicas, com uma média de 14 participantes por grupo e tinham com o propósito a prevenção primordial visando apoiar e promover o desenvolvimento humano dentro da higiene mental, ramo da saúde pública que compreende um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas para preservar e desenvolver a saúde.

Observei, nos relatos das adolescentes grávidas e mães adolescentes, que na sua maioria, a gravidez não foi planejada. Quando argüidas sobre a possibilidade de refazer o passado no que diz respeito à postergação e planejamento da gravidez, na sua quase totalidade, expressaram que prefeririam planejar essa gravidez para o futuro lamentando as perdas e as dificuldades advindas da gravidez e maternidade precoce.

O contato em atividades profissionais com essas adolescentes grávidas e mães adolescentes me apontou um aspecto intrigante: porque elas engravidam se na sua quase totalidade expressam verbalmente que não queriam engravidar? A gravidez ocorreria por falta ou má informação sobre métodos anticoncepcionais? Segundo seus relatos, elas conheciam alguns métodos fazendo uso esporádico da camisinha, da pílula e do coito interrompido.

Essas questões me motivaram a iniciar, em maio de 1999, uma pesquisa sob referencial teórico predominantemente psicanalítico, sobre as possíveis motivações que levam uma adolescente a engravidar sem planejamento e as possíveis implicações destas motivações na gravidez da adolescência.

Destacarei, no decorrer deste trabalho, estudos significativos de autores que investigaram a questão do conhecimento e do uso de métodos anticonceptivos os quais apontaram que a maioria das adolescentes grávidas tinha conhecimento de alguns métodos sem, no entanto, fazer uso deles ou usando-os descontinuamente ou com negligência (KATCHADOURIAN, 1980; SCHOR, 1995; AGUIRRE, 1995; LESCANO, 2001: PIROTTA, 2002).

As questões relativas à adolescência vêm ocupando diversas investigações desde o início do século passado principalmente nos campos da medicina, antropologia e psicologia. A juventude tem sido motivo de interesse desde a Antiguidade nas reflexões de Heródoto, Platão e Aristóteles e personagens da literatura como Romeu e Julieta, de Hamlet, trazem-nos a reflexão sobre as vicissitudes de ser jovem. Constituindo um estado existencial singular, tido para alguns como “síndrome normal” do desenvolvimento humano (ABERASTURY & KNOBEL, 1980), a maioria dos estudos sobre a adolescência ressalta que ela é uma etapa de conflitos subjetivos e relacionais com acréscimo de transformações físicas, emocionais e sociais tida como um problema por si só, variando com os fatores sócio-culturais e históricos (OLIVEIRA, 1999).

Os diferentes critérios de ordem fisiológica, psíquica e social delimitam a adolescência e, geralmente, se baseiam nas referências do aparecimento inicial das características secundárias da maturação sexual bem como nas alterações de processos sociais e psicológicos que transitam de um estado de dependência para o de relativa independência. Observa-se pouca variação dos critérios cronológicos quanto ao início da adolescência, delimitado geralmente pelo surgimento dos fenômenos físicos da pubescência (alusão ao despontar dos pelos pubianos) e da puberdade (do latim pubertas, ou seja, idade fértil). Não obstante, a extensão e, especificamente, o término da adolescência, são percebidos de forma bastante variada e de acordo com as diferentes culturas e momentos históricos.

Os estudos antropológicos de MALINOWSKI (1986), BENEDICT (s/d) e MEAD (1979), mencionados por Oliveira em 1999 enfatizam o quanto as questões da adolescência não eram universais e sim contextualizadas em uma cultura bem como em um momento histórico. No século XX ocorreram grandes transformações no mundo ocidental e uma delas, a chamada de “revolução sexual”, suscitou várias questões sobre sexualidade e reprodução; nessa fase, começa a se expandir a liberação dos costumes sexuais. Os adolescentes urbanos do final do século passado passam, assim, a ter um universo de referências ambíguas com relação aos acordos culturais acerca da sexualidade e reprodução. De acordo com o mesmo estudo de Oliveira, as alterações no comportamento sexual pré-conjugal, no sentido de menor repressão, têm seu início na década de 20. A partir da década de 90 percebe-se que as regras sociais acerca do comportamento sexual e da procriação passam a ter um outro contexto que inclui liberação sexual, alteração de modelos familiares, AIDS, drogas e novas formas de reprodução.

Uma característica marcante do tema gravidez na adolescência é a sua capacidade de mobilizar pais, professores, cientistas, políticos, jornalistas, religiosos, os próprios adolescentes e outros segmentos da sociedade, gerando polêmicas e controvérsias até mesmo dentro dos mesmos setores, sobre as possíveis causas e formas de prevenção visando minimizar e/ou eliminar a sua ocorrência sem planejamento.

A gravidez na adolescência é um importante problema de Saúde Pública por estar intimamente relacionada às altas taxas de mortalidade infantil, perinatal e materna. Constitui uma das preocupações mais importantes relacionadas à conduta sexual das adolescentes frente ao percentual elevado da sua ocorrência em conseqüência da iniciação sexual cada vez mais precoce sem o uso adequado de métodos anticoncepcionais. Não se conhece a quantificação real da gravidez na adolescência; o que se pode medir é a maternidade na adolescência.

Pesquisas divulgadas pelo Ministério da Saúde e pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional – USAID mostram dados alarmantes sobre o comportamento dos adolescentes no tocante à precocidade das relações sexuais. Entre 1986 e 1996 dobrou o número de jovens que teve sua primeira relação sexual na faixa etária compreendida entre os 15 e 19 anos. Enquanto o número médio de filhos de mulheres adultas vem caindo há décadas, a taxa de fecundidade entre adolescentes está em crescimento constante; anualmente, 14 milhões de adolescentes no mundo tornam-se mães e 10% dos abortos realizados são praticados por mulheres entre 15 e 19 anos.

Segundo o Ministério da Saúde, até 1998, o número de adolescentes grávidas crescia a cada ano no Brasil chegando a um quarto dos 2,7 milhões de partos realizados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, responsável por 80% dos nascimentos no País. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) realizada em 1996 demonstrou que 14% das mulheres nessa faixa etária tinham pelo menos um filho e que as jovens mais pobres apresentavam fecundidade dez vezes maior do que as de melhor nível sócio-econômico. Entre 1993 e 1998, observou-se um aumento de 31% nos partos de meninas de 10-14 anos atendidos pela rede do SUS. Em 1998, mais de 50 mil adolescentes foram atendidas em hospitais públicos para curetagem pós-aborto, sendo que quase três mil delas tinham apenas 10 a 14 anos. Destaca o crescente aumento da gravidez precoce na faixa etária de 10 a 14 anos (de 0,93% a 1,29%) e dos 15 aos 19 anos (de 21,41% a 25,87%). (Fonte: DATASUS/FNS/MS). Em 1999, do total de 2,6 milhões de partos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 31 mil foram feitos em meninas com idade entre 10 e 14 anos e 673 mil entre 15 e 19 anos.

No Brasil, o parto é a primeira causa de internação de adolescentes no sistema público de saúde. Em 1996, 14% das jovens com menos de 15 anos já tinham pelo menos um filho; e de cada 10 mulheres que hoje têm filhos, duas são adolescentes; a gravidez entre os 15 e os 19 anos cresceu 26% entre 1970 e 1991, contrariando a tendência geral de diminuição das taxas de fecundidade (REIS, RIBEIRO, 2002)

Segundo a definição extraída do texto da OPS/OMS (Organização Panamericana da Saúde/Organização Mundial da Saúde)

A gravidez na adolescência se define como aquela gestação que ocorre durante os primeiros anos ginecológicos da mulher (idade ginecológica zero = idade da menarca) e/ou quando a adolescente mantém a total dependência social e econômica da família parental. Também tem sido chamada a síndrome do fracasso, ou a porta de entrada ao ciclo da pobreza (SILBER, 1992, p.473 apud AGUIRRE, 1995, p.3)

Nessa definição englobam-se critérios biológicos (menarca) e sócio-econômicos (dependência da família de origem da adolescente). Dessa forma, está implícita a noção de causa e/ou efeito da pobreza social, numa preocupação embasada em reflexos sócio-econômicos. No entanto, essa definição não esgota o assunto. Nesse sentido, concordamos com a insuficiência dessa definição, citando as questões levantadas por AGUIRRE:

Quantos são os primeiros anos de idade ginecológica? Até que idade se estende o critério de dependência? A gravidez precoce é um fato que ocorre exclusivamente nas classes sócio-economicamente desfavorecidas e/ou países em desenvolvimento? É derivada de questões culturais? Quais seriam as estratégias preventivas? O que pensam a respeito os adolescentes, os adolescentes envolvidos e seus pais? (AGUIRRE, 1995, p.2).

Preocupando-nos com essas questões, nos perguntamos: seria, na realidade, a gravidez na adolescência um “problema”? O caráter bio-psico-social da gravidez precoce é provavelmente o grande responsável pela polêmica sobre o assunto prestando-se a uma multiplicidade de referenciais e enfoques. Nossa prática com inúmeras gestantes e mães adolescentes e as conseqüências advindas da gravidez e maternidade precoces, que citaremos no decorrer deste estudo, nos fundamentam a considerar o fenômeno como um problema na medida que, ao engravidar, a jovem tem de enfrentar, paralelamente, tanto os processos de transformação da adolescência como os da gestação. Isto, nesta fase, representa uma sobrecarga de esforços físicos e psicológicos tão grande que para ser bem suportada necessitaria apoiar-se num claro desejo de tornar-se mãe. Porém, geralmente não é o que acontece: as jovens se assustam e angustiam-se ao constatar que lhes aconteceu algo imprevisto e indesejado. Este fato torna necessário que sejam alvo de cuidados materiais e médicos apropriados, de solidariedade humana e amparo afetivo especiais. A questão é que, na maioria dos casos, essas condições também não existem.

Viver ao mesmo tempo a própria adolescência, cuidar da gestação e, mais tarde, do bebê, não é tarefa fácil. E a vida torna-se ainda mais difícil para a adolescente grávida que estuda e trabalha. Igualmente, essa situação não difere com relação ao jovem adolescente que se torna pai: ele se vê envolvido na dupla tarefa de lidar com as transformações próprias da adolescência e da paternidade, que requerem trabalho, estudo, educação do filho e cuidados com a esposa ou companheira.

Em nosso próximo encontro, estarei dando continuidade a este tema que faz parte da minha tese de mestrado: UM ESTUDO SOBRE ASPECTOS DA RELAÇÃO MÃE-FILHA NA OCORRÊNCIA DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA”.

Um forte abraço a todos e um Feliz Ano Novo, repleto de alegrias e realizações.

Alaide D Cantone
Coordenadora do CEPPS
www.cepps.com.br
11 5054-3053

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