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“Comportamento Financeiro – Parte 1: Perspectiva Desenvolvimental”

Como aprendemos o que sabemos sobre dinheiro? A infância é tão determinante assim no que diz respeito a modelar como nos comportamos em relação às nossas finanças? É possível aprender a ser financeiramente saudável “depois de velho”?

Perambulando pelos sebos de Florianópolis, supreendentemente encontrei um livro que responde essas perguntas de uma forma bastante interessante. Lá estava ele, um livro velho, empoeirado, esquecido por muitos. O título me chamou a atenção: “Casais e Dinheiro”. A autora, Victoria Felton-Collins, uma psicoterapeuta comportamentalista especializada em casais, também Consultora Financeira. O que a princípio parecia um livro de auto-ajuda, bem anterior ao atual “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”, do bestseller Gustavo Cerbasi, se revelou um rico relato de inúmeros casos reais de “psicoterapia financeira”, e ainda uma teoria sistemizada e densa, com vastas aplicações práticas para psicoterapeutas interessados nesse assunto.

Felton-Collins inicia lembrando seus leitores (o livro foi escrito para leigos em Psicologia), que o psicólogo investiga as motivações, origens, formas e consequências dos comportamentos. Por isso, prossegue a autora, quando o psicólogo atua fazendo terapia focada em Finanças, precisa compreender as classes de comportamentos mais ou menos estáveis relacionados aos usos do dinheiro. A autora inicia, portanto, uma exposição de como se dá o aprendizado sobre o dinheiro, numa perspectiva desenvolvimental.

A psicoterapeuta observou, em numerosos casos clínicos, que esses comportamentos se formam especialmente na infância, mediante o aprendizado direto com os pais. Muito provavelmente, os significados mais fortemente impressos no cérebro a respeito de dinheiro foram postos lá entre os 3 e 7 anos de idade. Período em que se começa a questionar as figurais parentais sobre o valor das coisas, preços, formas de aquisição de bens, etc. Em geral os pais infligem uma visão conservadora a respeito do dinheiro, inserido valores como poupança, cuidado, esforço, ou mesmo atribuições negativas, como mal-do-mundo, coisa-suja (“Não se fala de dinheiro à mesa, filho!”), tema-proibido, etc. Dificilmente, pontua Felton-Collins, os pais oferecem uma educação financeira saudável a filhos pequenos.

A partir daí, seguiria-se uma sucessão de fases no desenvolvimento financeiro do indivíduo. A segunda fase começaria quando o filho começa a questionar os pais, na adolescência, e buscar respostas em outros meios sociais, como amigos, vizinhos, parentes não íntimos, etc. Nessa fase, o dinheiro pode ser associado a liberdade, independência, poder, sociabilidade, e mesmo a rebeldia e busca de status. É quando, em geral, o gastar e adquirir são exacerbados.

A terceira fase do desenvolvimento financeiro ocorre no início da vida laboral, isto é, quando o indivíduo precisa produzir riqueza para viver. Fazendo seu próprio dinheiro, este adentra na juventude num momento de balanço entre a visão infantil e a visão adolescente, rumo a maturação. Em geral, aos 25 anos de idade ocorre uma fixação do significado do dinheiro que provavelmente vai determinar seu “modus operandi” no início da fase mais produtiva no trabalho: entre 25 e 45 anos de idade.

Felton-Collins não deixa o leitor relegado ao determinismo cronológico dessas três fases do processo de desenvolvimento financeiro. Ao invés disso, ela afirma que durante em toda a vida do indivíduo há duas forças que podem atuar no sentido de alterar esse desenvolvimento.

Uma mais fraca, porém onipresente: influências culturais da sociedade. Nessa categoria são enquadrados os aprendizados informais ocorridos desde em conversas com amigos num bar, até letras de música, programas de TV, leitura de jornais, etc. Essa força tende a ensinar o indivíduo uma visão “de classe média” sobre o dinheiro, pela qual ele precisa trabalhar como empregado, dar duro, pagar contas, consumir, poupar, adquirir bens como casa, carros, luxos eventuais, etc.

A segunda força que pode atuar durante toda a vida do indivíduo para alterar sua visão sobre o dinheiro são as “experiências-limites”. Essas são definidas por episódios marcantes, pontuais, que proporcionam insights, mudanças brucas de comportamento. Algumas podem ser dramáticas que outras (ficar desempregado, falir, receber uma herança milionária, etc), mas todas estão associadas ao risco do aprendizado não ser corretamente absorvido por falta de orientação.

As mais determinantes dessas experiências são as que ocorrem depois dos trinta anos, envolvendo o cônjuge e dependentes. Casar, ter filhos, ser provedor ou provedora, etc. Mas inclusas nessa relação também experiências-limites que podem, e devem, ser induzidas na infância: a mais recomendada pela autora é a “escassez programada” da mesada dada aos filhos. Felton-Collins defende que nada como a experiência por vezes desagradável para a criança de ter que se conter e contar centavos para adquirir um brinquedo para ensiná-la o valor do dinheiro.

Além da mesada na infância, são enumeradas outras experiências-limites desejáveis: clubes de investimento entre amigos na juventude e idade adulta; trabalhos simbólicos porém remunerados na adolescência (como cortar grama ou entregar jornais); grupos de estudos de economia doméstica em igrejas ou associações de classe; procura por serviços públicos de planejamento financeiro (comum nos EUA, infelizmente inexistente no Brasil).

A autora conclui essa parte introdutória do livro definindo que o serviço que o psicoterapeuta financeiro presta é o de proporcionar experiências-limites programadas, para um aprendizado acelerado e controlado rumo a uma maturidade financeira salutar. O papel do psicólogo não seria o de ensinar a lidar com dinheiro, mas criar condições controladas para que os clientes aprendam formas particulares de agir nesse sentido, isto é, suas próprias estratégias de aprendizagem. Isso vale em especial para o trabalho com casais, que a autora defende como a experiência-limite financeira mais importante.

Nunca é tarde para aprender e se desenvolver rumo a maturidade e satisfação financeira. Mas para tal, é necessário compreender o aprendizado adquirido até então nas fases de sua vida, bem como as condicionamentos sociais (mediocrizantes) e conduzir as experiências-limites (possivelmente edificantes) dos dias atuais. Só então, para a psicóloga, a maturidade financeira, entendida como auto-determinação rumo a prosperidade.

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