RedePsi - Psicologia

Educação em Walden Two

O artigo a seguir visa fazer uma análise descompromissada do sistema educacional de Walden Two.
Walden Two é um misto de realidade e sonho, de surpresa e previsão, de arte e ciência.

A novela norte-americana escrita em 1948 por Burrhus Ferederic Skinner e lançado pela editora Macmillan de Nova York pode ser considerada uma utopia (uma “não-lugar”). Utopia é a descrição ou representação de qualquer lugar ou situações ideais onde vigorem normas e/ou instituições políticas altamente aperfeiçoadas. O nome “Utopia” é o nome de uma país imaginário, criação de Thomas Morus(1480-1535), escritor inglês, onde um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz. Para alguns, utopia é sinônimo de projeto irrealizável, quimera, fantasia, mas para B.F.Skinner sua novela era mais do que isso. Era um bom começo, um modelo para criar um ambiente social onde levaremos vidas produtivas e criativas, sem com isso comprometer as possibilidades daqueles que nos seguirão e para que os mesmos possam fazê-lo de modo semelhante.

“A narrativa em Walden II desenvolve-se em torno de diálogos que envolvem, sobretudo, três personagens principais. Burris, o narrador do livro, é um professor de psicologia, que instigado por um ex-aluno decide visitar a comunidade. Um de seus acompanhantes na visita é Castle, professor de filosofia cujo papel na trama consiste em questionar, do ponto de vista acadêmico, a validade de Walden II enquanto projeto ético e político. Suas críticas dirigem-se a Frazier, principal criador de Walden II e cicerone da visita á comunidade. Pode-se com alguma segurança, apontar Frazier como uma espécie de alter ego de Skinner. Suas posições são, com poucas modificações, aquelas que Skinner defenderia ao longo de sua carreira”. (DITTRICH, 2004)

Estamos acostumados a relacionar a palavra “sistema” a um plano, a um método ou a um conjunto de entidades, instituições políticas e sociais relacionadas a um determinado setor de atividade, mas em Walden Two essa palavra perde o sentido e ganha outro: ”sistema” torna-se um conjunto ordenado de meios de ação e de emissão de palavras tendente a um resultado e não tem caráter estático. Até por que Walden Two não é uma comunidade semelhante ás que existem nas demais utopias criadas por autores ocidentais.

Skinner concebeu Walden Two como uma comunidade relativamente isolada em termos geográficos e contando com cerca de mil habitantes. Diferentemente de todas as outras utopias a de Skinner não se situa em um mundo ou num tempo distantes e nem é uma sociedade estática ou fechada

Dittrich (2004) afirma que “Walden II não apenas oferece um projeto para a resolução de problemas da atualidade como – apoiada numa ética que privilegia a experimentação de práticas culturais em prol da sobrevivência – incentiva o aperfeiçoamento contínuo de suas atividades cotidianas”.

Isso não impede essa comunidade atípica de seguir alguns princípios basilares. Skinner pontua 10 princípios no prefácio da edição norte-americana de 1969, 5 criados por ele e 5 tomados emprestados de Walden One, utopia de Henry David Thoreau:

1. Nenhum modo de vida é inevitável. Examina seu próprio de perto;
2. Se você não gosta dele mude-o;
3. Mas não tente muda-lo através da ação política. Mesmo que você consiga ganhar poder, não poderá usá-lo mais sabiamente que os seus predecessores;
4. Peça somente que o deixe em paz, para resolver os seus problemas a seu modo;
5. Simplifique as suas necessidades. Aprenda a ser feliz com menos posses;
6. Construa um modo de vida no qual as pessoas vivam juntas sem brigar, num clima social de confiança ao invés da suspeita, de amor ao invés do ciúme, da cooperação ao invés da competição;
7. Mantenha esse modo com sanções éticas brandas, mas efetivas, ao invés de polícia ou forma militar;
8. Transmita a cultura eficazmente aos novos membros através de cuidados especializados ás crianças e de uma tecnologia educacional poderosa;
9. Reduza o trabalho compulsivo ao mínimo, dispondo os tipos de incentivo sob os quais as pessoas apreciam trabalhar;
10. Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite verdade eterna. Experimente.

A educação se insere como atividade cotidiana na vida de qualquer membro de uma sociedade seja aprendendo, seja ensinando. Em Walden Two não poderia ser diferente. E não é à toa que o 8º princípio é exclusivo para tratar sobre esse assunto.

A educação em Walden Two tinha algumas características básicas facilmente pontuáveis:

1. São usados recursos e materiais da vida cotidiana durante o processo de ensino-aprendizagem;
2. Há experimentação contínua dos princípios e leis das Ciências e de qualquer área do conhecimento humano;
3. Há o controle das adversidades ambientais visando investir proporcionalmente em todos e para que não haja competição entre os aprendizes;
4. As crianças passam suavemente de um grupo de idades para outro, seguindo um processo natural de desenvolvimento e evitando as mudanças abruptas do sistema lar-escola;
5. As crianças imitam as crianças ligeiramente mais velhas, criando padrões para grande parte de sua educação inicial sem auxílio dos adultos;
6. A supervisão contínua por adultos é abandonada aos treze anos e o controle de sua vida é transferido das autoridades para a própria criança e para os outros membros da comunidade;
7. A criança progride na velocidade individual por isso não há séries;
8. Há a valorização das diferenças individuais;
9. O comportamento de estudar é mantido por reforçamento intrínseco;
10. Boa parte da educação se faz em oficinas, laboratórios, bibliotecas e campo;
11. As pessoas são ensinadas primeiramente a pensar através da Lógica, Estatística, Método Científico, Psicologia e Matemática para somente depois experimentar e colocar em práticas o que aprendeu;
12. Há o estimulo contínuo da curiosidade;
13. Toma-se uma postura pragmática frente ao Conhecimento;
14. Não há tanta valorização das Humanidades e da História por se acreditar que esses conhecimentos não são tão importantes quanto as Ciências para a modificação da Natureza;
15. O ensino é programado continuamente;
16. A competição não deve ser estimulada para não gerar conflito e punições desnecessárias;

O processo de educação começa logo no berço: “Expostas á música desde o berço – uma figura de linguagem, naturalmente, já que o berço está incluído num programa muito mais eficiente – é-lhes proporcionada a oportunidade de seguir quaisquer inclinações musicais, com excelentes e entusiásticos professores, com audiências apreciáveis e bem humoradas esperando suas primeiras realizações”. (SKINNER, 1978)

O fato implícito nessa passagem é de que a educação deve ser um processo programado de interação entre aprendiz e professor (ou melhor, aprendiz e ambiente). O berço está incluído num programa mais eficiente, logo, o programa é complexo o suficiente para abranger situações desde o nascimento de um ente da comunidade.

Mais a frente a Sra. Nash um membro da comunidade afirma: “O recém-nascido necessita de umidade ambiental relativa de 88% a 90%. Aos seis meses, aproximadamente 80%”. Afirmações como essas derivam de experimentos, em ambiente natural, em que foram expostas essas crianças e refletem bem as cabinas em que ficam os bebês: há controle de temperatura, de umidade, luminosidade, som e ventilação. ”Nossas crianças deitam em cima de um tecido plástico que absorve a umidade e pode ser limpo em um momento […] Roupas e cobertas são realmente um grande incômodo, disse Sra. Nash.

Impedem os bebês de se exercitarem, forçam-nos a posturas desconfortáveis”. (SKINNER, 1978)

Em Walden Two um bebê sai do berçário desconhecendo totalmente a frustração, a ansiedade e o medo. Nunca chora, exceto quando está doente, o que ocorre raramente, e sente um vivo interesse por tudo.
Mas uma pergunta que poderia surgir é se o fato da criança não sofrer durante a primeira infância não a deixaria inapta para viver num mundo em que existem situações que fazem medo e causam frustração.
Sra. Nash afirma no livro: “Podemos criar tolerância para a frustração introduzindo dificuldades gradualmente, conforme a criança cresce e se torna bastante resistente para suportá-las” mais á frente Freizer afirma: “Introduzimos aborrecimentos, gradativamente, de acordo com a habilidade da criança em enfrentá-los. Parece-se muito com o processo de vacinação”. (SKINNER, 1978)

No alojamento para crianças de um a três anos: “há mais camas do que as necessárias, de modo que as crianças podem ser agrupadas de acordo com o estágio de desenvolvimento, isoladas, no caso de doenças contagiosas, necessidades de supervisão, ou, simplesmente, fins educativos”. (SKINNER, 1978)

O que mais impressiona é o cuidado com que as crianças são tratadas. Fica evidente a programação das condições de conforto e bem estar sem deslocá-las da questão educacional.

Até as questões emocionais são visualizadas e tratadas no programa visando o bem estar da comunidade:” Em uma sociedade cooperativa não há ciúme, por que não há necessidade dele.” (SKINNER,1978)
Em Walden Two “tem-se que estabelecer certos processos comportamentais que levarão o indivíduo a moldar seu próprio ‘bom’ comportamento no momento propício”. Isso eles chamam de “autocontrole”.

A educação ética nessa sociedade é completada por volta dos seis anos. E sempre as crianças estão participando de experimentos e treinos em que a capacidade de resistência á frustração e o autocontrole são postos á prova e aperfeiçoadas: “No fim das contas, é um programa simples e sensível – ele [Freizer] continuou em tom conciliatório. – Estabelecemos um sistema de aborrecimentos e frustrações gradualmente crescentes contra um fundo de completa serenidade. Um ambiente fácil é dificultado aos poucos na medida em que as crianças adquirem a capacidade de ajustamento”. (SKINNER, 1978)

O desestímulo á competição – padrão de comportamento típico da nossa sociedade Ocidental – fica evidente na passagem a seguir falada por Freizer: ”Mas nós estamos trabalhando para manter qualquer sentimento de superioridade ou menosprezo sob controle, também. Tendo eu sofrido disso mais agudamente, pus o assunto em primeiro lugar na nossa agenda. Evitamos cuidadosamente qualquer regozijo por triunfo pessoal que signifique insucesso de outra pessoa. Não obtemos o prazer do sofisticado, do competitivo, do que discute. Lançou um olhar impiedoso para Castle. – Não usamos a motivação de dominação, porque estamos sempre pensando no grupo. Poderíamos motivar alguns gênios dessa maneira – essa era, certamente, minha própria motivação – mas sacrificaríamos parte da felicidade dos outros. Triunfo sobre a natureza e sobre si mesmo, sim. Mas sobre os outros, nunca” (SKINNER, 1978).

O livro traz implicitamente críticas ao contexto escolar atual que se baseia no princípio da seleção, da meritocracia para produzir bons estudiosos e aprendizes: ”Mas o sistema inteiro repousa sobre o desperdício do princípio da seleção. […] Fazemos de cada homem um homem corajoso. Todos eles ultrapassam barreiras. Alguns requerem mais preparo do que outros, mas todos o fazem. O uso tradicional das adversidades serve para selecionar o mais forte. Nós controlamos as adversidades para construir força” (SKINNER, 1978).

Considerações sobre o ensino da ética são tecidas por Freizer mais á frente: “Treinamento ético pertence á comunidade. Como para as técnicas, coletamos todas as sugestões que pudemos encontrar, sem prejuízo da fonte, mas não baseados na fé. Desconsideramos todas as declarações de revelação da verdade e submetemos todos os princípios a testes experimentais. E, a propósito, eu representei muito mal o sistema todo, se você supõe que qualquer das práticas que descrevi são fixas. Tentamos muitas técnicas diferentes. Gradualmente, trabalhamos para atingir o melhor conjunto possível. E não prestamos muita atenção ao aparente sucesso de um princípio no curso da história. A História é prestigiada em Walden II apenas como entretenimento; não é levada a sério como material de reflexão… (SKINNER, 1978)”

As mudanças no ambiente físico e social aconteciam em fazes pré-determinadas, no primeiro ano, no terceiro ano, aos cinco anos, aos sete anos e finalmente aos treze anos quando se podia dizer que estava preparada para viver com autonomia naquela sociedade. Deve-se lembrar que na visão de Skinner o controle do comportamento se dá numa relação entre o organismo e o ambiente, pois a conseqüência depende do comportamento e o determina, ou seja, o organismo modifica o meio e é modificado por ele.

Nota-se que o desenvolvimento humano em Walden II vai além de se considerar o sujeito como um organismo que “amadurece”, ou seja, já com predisposições genéticas a ter determinado repertório de comportamentos.

Skinner (1972 apud VALE, 1997) afirma que o processo educacional de uma pessoa é explicado em outras abordagens de três formas diferentes, onde todas apresentam um caráter metafórico. Uma dessas metáforas é a do “desenvolvimento”. ”No ‘desenvolvimento’ a criança é metaforicamente considerada como um terreno fértil onde o conhecimento é cultivado, nesse caso o papel do professor seria o de jardineiro que ajuda o conhecimento a se desenvolver em um Jardim da Infância, ou o parteiro socrático que facilita o parto do conhecimento nas crianças”. (VALE, 1997). Skinner (1972 apud VALE, 1997) considera que toda criança nasce tendo o potencial biológico (e por isso é físico e não metafórico) para aprender alguma coisa, mas isso não significa que o conhecimento nasce junto com ela e que está apenas esperando que algo o ajude a crescer.

Críticas ao sistema educacional formal são feitas durante todo o texto e trazem propostas de mudança implícitas: ”Nós podemos adotar os melhores métodos educacionais e ainda a evitar a máquina administrativa que as escolas necessitam a fim de ajustar a criança a uma estrutura social desfavorável. Não precisamos nos preocupar com a padronização para permitir a transferência de alunos de uma escola para outra ou avaliar ou controlar o trabalho de escolas particulares. Não precisamos de ‘séries’. Todos sabem que os talentos e capacidades não se desenvolvem ao mesmo nível em crianças diferentes […] A série é um expediente administrativo que violenta a natureza do processo de desenvolvimento. Aqui, a criança progride á velocidade que ela queira em qualquer campo. Não se perde tempo em forçá-la a participar ou ser aborrecida com atividades que já superou. E uma criança atrasada pode ser auxiliada mais eficientemente também (SKINNER, 1978)”.

O sistema educacional em Walden Two revala também crítica úteis ao processo de padronização e comercialização do sistema educacional no ocidente. Fatos que empobrecem as possibilidades de ensino e aprendizagem influenciando no poder que as escolas têm de educar as crianças: ”- Nós também não exigimos que todas as nossas crianças desenvolvam as mesmas habilidades ou capacidades. Não insistimos num certo número de cursos.[…]…eles são bem educados em aspectos úteis.[…]Nós não atribuímos um valor econômico ou honorífico á educação. Ela tem seu próprio valor. (SKINNER, 1978)”.

Considerações a respeito da importância da variabilidade de repertórios de comportamentos nos dão a idéia de como o sistema educacional ocidental não estimula a criatividade, a ousadia, o “espírito” científico e a curiosidade… O processo educacional torna-se tão burocrático e fechado que ás vezes nem mesmo os próprios professores – que deveriam ser os maiores interessados numa educação voltada para a variabilidade de repertórios comportamentais – têm condições ou desejam se engajar em possíveis mudanças.

As implicações dessa situação, é claro, tendem a se refletir no comportamento dos próprios estudantes:” O interesse e prazer em aprender demonstrados pelas crianças parecem diminuir consideravelmente à medida que crescem e avançam nos anos escolares[…]…com o passar do tempo, esta criança vai desanimando-se, desmotivando-se, desinteressando-se e a emocionante construção de novos conhecimentos parece tornar- se um pesado fardo.(CALDAS & HÜBNER,2001)

Sidman (1995, apud Caldas e Hubner, 2001) afirma que nos primeiros anos, a maioria deles [estudantes] aprende com vontade, os poucos aprendizes relutantes destacam-se dos outros. A partir dos graus intermediários e da escola secundária até a universidade, a balança muda; estudantes sem nenhuma vontade predominam.
Os indicadores da desmotivação que a escola provoca são inúmeros e evidentes. Keller( 1983 apud Caldas e Hubner, 2001) afirma que “[…] ausências à aula, desculpas esfarrapadas, alegria indisfarçada diante de um feriado inesperado, murmúrios de pesar quando uma prova é anunciada, evidente alívio ao aproximar-se o fim de semana, são claros indicadores da desmotivação”

Ceccon, Oliveira e Oliveira (1993 apud Caldas e Hubner, 2001) definem a escola como um lugar onde os alunos não se sentem bem, nem à vontade. “Mesmo aqueles que, fora da escola são faladores, espertos, curiosos e alegres, dentro da escola vão ficando calados, passivos e tristes”.

“O desencantamento com o aprender na escola pode ser atribuído a vários fatores, destacando-se, a partir dos dados obtidos: o relacionamento entre professores e alunos e a utilização do sistema aversivo na escola […] Criatividade, novidade e flexibilidade são elementos imprescindíveis, quando se trata de metodologia e didática.[…] Algo essencial da curiosidade natural e do desejo de aprender parece desaparecer das salas de aula, com o passar do tempo. Isto está diretamente relacionado à escolha de contingências de reforçamento. Os professores precisam de auxílio, especialmente no planejamento de contingências que assegurem um ambiente positivo e agradável para a aprendizagem, resultando na manutenção do encantamento demonstrado pelos alunos das séries iniciais. Outro fator que merece atenção é a utilização mais intensa que vem sendo feita do sistema aversivo nas séries mais adiantadas. A utilização de controle aversivo, ameaças, punições e reforçadores arbitrários aumentam com o passar dos anos escolares. Talvez a intensificação de reforçadores artificiais, em especial, seja um dos elementos responsáveis pelo desencantamento.” (CALDAS & HÜBNER,2001)

As críticas expostas por Caldas e Hübner com certeza já deveriam ser reconhecidas por Skinner na época em que o mesmo escreveu Walden Two não é á toa que o mesmo toca nessas questões através de Freizer: “- Uma vez que nossas crianças estejam felizes, cheias de energia e curiosas, não precisamos ensinar nenhuma ‘matéria’. Ensinamos somente as técnicas de aprender e pensar[…]- A educação em Walden II é parte da vida em comunidade. Nós não precisamos alardear as experiências da vida. Nossas crianças começam a trabalhar com tenra idade. Isso não é duro é aceito tão prontamente como um esporte ou uma brincadeira. E uma boa parte de nossa educação se faz em oficina, laboratório e campos.Faz parte do Código Walden encorajar as crianças em todas as artes e ofícios. Temos prazer em passar o tempo a instruí-las, pois sabemos que é importante para o futuro de Walden II e para a nossa própria segurança (SKINNER, 1978)”.

A passagem acima é reveladora quanto a dois aspectos: o modo e o fim da educação em Walden II. O Behaviorismo Radical se insere numa tradição filosófica pragmática, logo suas suposições a respeito do processo de ensino-aprendizagem não poderiam se afastar dessa corrente filosófica.

“O sistema educacional utilizado por um grupo social possui um valor que será determinado pela sua capacidade de promover a sobrevivência, a adaptação e a evolução da cultura desse grupo, pois, se adequadamente empregado, pode ‘(…) maximizar as oportunidades que a cultura tem, não só de lidar com os seus problemas, mas de aumentar firmemente sua capacidade de fazê-lo’ (SKINNER, 1972 apud VALE, 1997). Além disso, não teria sentido promover a sobrevivência, a adaptação e a evolução de uma cultura sem tornar o ensino significativo, ou seja, ligado á realidade do grupo que pratica a cultura. A educação deve ser útil. Deve dispor ao indivíduo meios que o permitam modifica a vida, o mundo em que está inserido.

As características do ensino em Walden II nos remetem a duas metáforas já pontuada por Skinner a respeito do processo educacional, pois lendo o livro pode-se confundir o sistema educacional skinneriano com as propostas de Piaget ou de outros teóricos sócio-construtivistas no entanto, cabem ressalvas a respeito desses posicionamentos teóricos, na verdade mais duas metáforas a da “construção e a da “significação”: ”A metáfora da “construção” diz que a criança possui uma bagagem genética (orgânica) que se torna mais complexa a medida que a criança constrói estruturas e esquemas, mentais e/ou cognitivas, de conhecimento com o que observa da sua interação com o ambiente. Nesse caso tanto o professor pode facilitar a construção do conhecimento como a criança, ao interagir com o seu mundo, pode fazer essa construção. Essa metáfora tem o problema epistemológico de necessitar de um mundo mental como terreno para as construções, ela também não explica como uma estrutura cognitiva ou mental é capaz de modificar um organismo, que é um sistema biofísico, e vice e versa. Essa crítica é direcionada a Jean Piaget e à sua Epistemologia Genética do Conhecimento. As críticas de Skinner ao construtivismo são dirigidas ao seu modo de produzir o conhecimento e ao método utilizado para isto, e não são dirigidas aos dados obtidos pelas “experiências” com crianças realizadas por Piaget e sua equipe. Para o behaviorismo radical os problemas do Construtivismo são: os pressupostos mentalistas, o método de pesquisa, o dualismo ‘mente X corpo’ e o pensamento estruturalista impregnados na formação da teoria. (VALE, 1997)

Vale (1997) continua tecendo críticas á metáfora da “significação”: “Algumas abordagens, que não se utilizam do modo desenvolvimentista para explicar por que uma pessoa aprende, afirmam que um sujeito aprende pelo fato do conhecimento aprendido ter sentido para a pessoa. Numa visão comportamental essa explicação é considerada mentalista e internalista, pelo fato de terminar a análise dos processos de aprendizagem no mundo interno. Uma pessoa até aprende o que tem um sentido para ela, mas a pergunta que deve ser feita é ‘por que esse conhecimento tem sentido para ela? ’, se essa pergunta for feita continuamente, com certeza, em algum momento vai se chegar a uma explicação que se origina no ambiente”. (VALE, 1997).

“Numa abordagem comportamental qualquer tentativa de se explicar metaforicamente ou estruturalmente um fenômeno não é capaz de explicá-lo suficientemente, pois a explicação de um fenômeno humano deve ser capaz de levar em conta as variáveis objetivas e relacionais do sujeito com o seu ambiente, sejam elas internas ou externas ao indivíduo, sem a necessidade de se criar planos não-materiais ou psíquicos para explicar a aprendizagem” (VALE, 1997). Por causa disso, para Skinner (1972 apud VALE, 1997) esse “desenvolvimento” possui um elemento biológico junto com o aumento quantitativo e qualitativo do repertório comportamental de um indivíduo, sendo aquele derivado da interação deste com o seu ambiente e consigo mesmo.
A influência do pragmatismo no sistema educacional de Walden Two fica mais evidente na passagem a seguir: “Em Walden II, a educação continua indefinidamente. É parte da nossa cultura. Podemos sempre adquirir uma técnica sempre que necessitamos dela (SKINNER, 1978)”.

Frazier tece considerações a respeito do processo de motivação dos aprendizes de maneira muito clara: “– Criar uma tolerância a eventos desanimadores mostrou ser tudo o quanto precisávamos, continuou Frasier. As motivações em educação, Sr. Castle, são os motivos em todo o comportamento humano. A educação deveria ser a própria vida. Não precisamos criar motivações. Nós evitamos as necessidades espúrias acadêmicas […] Nós apelamos para a curiosidade, que é característica da criança não-limitada, tanto quanto do adulto alerta e inquisitivo (SKINNER, 1978)”.

O texto também deixa claro que o conhecimento científico não é o único que é valorizado em Walden Two. Mesmo que não se cultive o conhecimento religioso – que por suas próprias características (dogmatismo, infalibilidade, não-verificabilidade…) não se insere e nem complementa a ética skinneriana – outros conhecimentos são valorizados: “… Walden II demonstrou muito bem que tão logo as simples necessidades da vida sejam obtidas com pequeno esforço, ocorre um desabrochar enorme de interesse artístico. E o que menos precisamos temer é que as satisfações simples diminuam a conquista científica do mundo” (SKINNER, 1978)”.

Tão importante como se ter a noção do que se ensinar é ter-se a noção de como se ensinar. As escolas ocidentais e o seu sistema de ensino se baseiam majoritariamente no princípio da meritocracia. Não poderia ser diferente visto que educação e sistema socioeconômico se influenciam mutuamente e como vivemos no capitalismo o ”melhor” obviamente merece mais. A competição, a inveja, a rivalidade e uma gama maior de comportamentos não-cooperativos são reforçados e para isso existem centenas de justificativas. No entanto encontramos-nos corriqueiramente perdidos quando nos fazem perguntas como: “Por que alguns estudantes entram em depressão quando não alcançam seus objetivos escolares? Por que alguns cometem suicídio quando não passam no Vestibular? Por que é que a juventude atual não assimila valores como o respeito, a consideração, a cooperação…? Por que a violência verbal e física é tão grande em alguns contextos a ponto de gerar fobias em alguns professores? Por que tantos estudantes são rotulados com portadores de TDAH? Por que algumas crianças não se sentem bem na escola a ponto de abandoná-la permanentemente? Frazier fecha a parte do livro que trata sobre a educação de forma brilhante: “Nós não experimentamos rivalidade pessoal; os indivíduos são raramente comparados. Nós nunca desenvolvemos um gosto muito além de um talento. Nossos pais têm poucos motivos para falsificar as habilidades de seus filhos para si mesmo ou para ou outros. É fácil para nossas crianças aceitar suas limitações, exatamente como elas sempre aceitaram maioria das diferenças que o Sr. Castle chamou de ‘proezas físicas’. Ao mesmo tempo, nossas crianças mais dotadas não são retidas pela mediocridade organizada. Nossos gênios não se sentem deslocados. O tipo brilhante, mas instável não nos é familiar. O gênio pode-se exprimir” (SKINNER, 1978).

Conclui-se que Walden Two pode trazer ao sistema educacional formal muitas contribuições. Contribuições essas que não são recentes nem desprovidas de validação experimental. O que precisamos, acima de tudo, é tomar uma atitude experimentalista frente à nossa situação. Não seria demais pontuar uma fala de Skinner (1989 apud Caldas e Hubner, 2001) a respeito do seu sonho sobre as escolas do futuro: “Serão um lugar muito diferente de qualquer que tenhamos visto até o momento. Elas serão agradáveis. Da mesma forma que as lojas bem administradas, restaurantes, teatros, elas serão bonitas, soarão bem, cheirarão bem. Os estudantes virão para a escola, não porque serão punidos por ficarem longe dela, mas porque serão atraídos pela escola. Professores terão mais tempo para conversar com seus estudantes. A competição entre os alunos terminará e o estudante excelente não precisará mais fingir que não sabe de vez em quando para poder continuar a ser aceito em seu grupo. Professores do futuro funcionarão mais como conselheiros, provavelmente ficando em contato com seus alunos por mais de um ano e conhecendo-os melhor”.

Referências Bibliográficas

CALDAS, Roseli Fernandes Lins & HÜBNER, Maria Marta Costa. O desencantamento com o aprender na escola: o que dizem professores e alunos. Psicologia: teoria e prática, 3(2): 71-82, 2001.

DITTRICH, Alexandre. Behaviorismo radical, ética e política: aspectos teóricos do compromisso social. Tese de Doutorado. São Carlos: UFSCar, 2004, 480 p.

SKINNER, B.F. Walden II: uma sociedade do futuro. 2 ed.São Paulo: EPU,1978.

VALE, Antonio Mais Olsen. Aprendizagem e Ensino no Pensamento Skinneriano. Fortaleza, 1997

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter