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Efeitos de filme de animação em encoprese retentiva: um estudo de caso em ludoterapia comportamental

o treino de toalete faz parte do desenvolvimento do indivíduo e significa autonomia nesta importante atividade de vida diária (Windholz, 1988). No entanto, muitas vezes os pediatras são consultados sobre a recusa da criança de realizar o treino e “há falta de dados empíricos na literatura sobre este fenômeno” (Taubman, 1997, pag. 56). Alguns estudos mostram que a recusa da criança em realizar o treino está associada à experiência anterior de constipação onde a criança apresenta dificuldade de defecar e/ou defecação com dor (Issenman, Filmer, Gorski, 1999; Blum, Taubman e Nemeth, 2004). Nesta perspectiva, constipação estabeleceria o ciclo de recusa ao toalete, impactação fecal, dor ao defecar e mais recusa do toalete reiniciando o ciclo.

Embora constipação seja um elemento importante na patogênese da recusa em realizar o treino de toalete, diversos autores têm enfatizado que outros fatores tais como ansiedade podem interferir no treino de toalete (Gomes, 1998; Coelho, 2000; Fleisher 2004). Nesta perspectiva, o ciclo de retenção inicia-se com a sensibilização comportamental ao ato de defecar e desencadeia aversão, medo e retenção fecal; em seguida, retenção fecal acarreta dor, alteração comportamental e impactação fecal. Uso de laxantes pode acarretar defecação; e após a defecação, a sensibilização reinicia o ciclo.

Método
Participante
Lara, 4 anos e cinco meses, morava com pais, o irmão de 2 anos e 9 meses e duas babás. Os pais caracterizaram Lara como introvertida, tímida, ciumenta, dificil adaptacão, carinhosa e afetuosa. O treino de toalete foi adquirido com sucesso e defecava diariamente antes do quadro de retenção fecal. Em agosto de 2005, Lara inicia intervalo de defecação de 4 a 6 dias. Pediatra recomendou Tamarine e supositório.

Avaliação

A avaliação seguiu a seguinte ordem: entrevista com os pais (19/09/05), duas sessões lúdicas com Lara (dias 22 e 28/09), duas sessões lúdico-familiar com a presença dos pais e do irmão de Lara (26/09), contato com as duas babás de Lara (28/09), visita à escola (29/09), sessão de entrega do laudo por escrito aos pais (30/09).

Psicodiagnóstico

hipotetizou-se que a mudança de babá, viagens dos pais, ciúmes do irmão e defecação com sangra-mento e dor iniciaram o processo de ressecamento das fezes de Lara em junho de 2005. Duas hipóteses, com implicações distintas em termos de intervenções, podem explicar o comportamento de esquiva do vaso apresentado por Lara. A primeira hipótese seria a de que Lara apresentava a crença de que defecar causa dor e o comportamento de esquiva do vaso e a retenção fecal seriam o modo de evitar a dor (Knell, 1990). A intervenção neste caso teria como objetivo principal a mudança da crença de Lara. A segunda hipótese é a de que Lara conhecia somente a situação de defecação sem dor, e estava aprendendo que algumas vezes defecação pode ocorrer com dor. O pareamento de defecação com dor logo a seguir geraria o comportamento de esquiva do vaso. A intervenção neste caso teria como objetivo principal a a habituação a esta nova aprendizagem e desen-volver a auto-eficácia de Lara (isto é, ensinar que ela é capaz de defecar sem dor).

Intervenções

No período de 01/09/05 a 04/09/05 foram reali-zadas as seguintes intervenções sugeridas no laudo: mudança de hábito alimentar, observação das dicas do horário de funcionamento intestinal de Lara, ênfase da tentativa de defecar utilizando adesivos grandes (tentativa com defecação) e pequenos (tentativa sem defecar).
Além destas mudanças, foi hipotetizado que fil-mes de animação podem produzir efeitos de habituação ao treino de toalete porque é um tipo de atividade lúdica onde a criança, em geral, está relaxada e possibilita aprender padrões de comportamento dos modelos, e.g., defecar sem dor (Bandura e Col, 1961).

Sessão Lúdica (Apresentação do Filme de animação)

No dia 05/10/05 fo realizada sessão de interven-ção com a utilização de filme de animação produzido especialmente para intervenção. O objetivo do filme foi apresentar no contexto lúdico atividades cotidianas do universo infantil, brincar de casinha, brincar de trocar de roupa e explorar os bonecos. O filme apresentou o treino de toalete da boneca Kelly® e o uso de adesivos grandes para as tentativas em que ocorrem defecação. A narração enfatizou a tentativa de uso do vaso e não menciona sentimentos de medo ou o desconforto da defecação. Com a narrativa ao vivo da terapeuta o filme apresentou a rotina de duas bonecas (Kelly® e Amanda), incluindo o despertar, café da manhã, uso do toalete, brincadeira de esconde-esconde e assistir TV. A sessão foi filmada com uma câmera Sony digital DCR TRV-140.
Após explicar que seria apresentado um filme sobre bonecas que Lara conhecia, foi apresentado o filme com 4’02” minutos de duração (www.homepage.mac.com/lauragcoelho/filme) num notebook Apple com tela de 12 polegadas. O notebook foi colocado numa mesa ajustada à altura de Lara; ao lado do notebook foram dispostas as bonecas e o cenário utilizados no filme além de papéis e canetas para colorir. O filme foi repetido duas vezes a pedido de Lara e, a seguir, psicóloga e Lara brincaram com as bonecas e cenários utilizados no filme.

Resultados e Discussão

45 minutos após assistir ao filme de animação e brincar com as bonecas e cenários, Lara defecou no banheiro do consultório. Categorização da interação verbal entre a psicóloga e Lara mostra que durante o filme e na atividade de brincadeira com as bonecas a psicóloga interveio realizando interpretações que enfatizaram a auto-eficácia da boneca em realizar o treino de toalete. Após esta sessão, Lara defecou diariamente durante 8 meses, segundo a mãe. O presente estudo de caso sugere que filme de animação específico para uso clínico pode ter um componente de habituação comportamental semelhante a outras intervenções convencionais utilizadas pelo clínico infantil (Thelen e col. 1979). Faz-se necessário estudos posteriores sugerindo medidas de habituação sensíveis a este tipo de atividade lúdica e mostrar o efeito do filme com-parativamente a outras intervenções.

Referências Bibliográficas
Bandura, Albert, Ross, Dorothea, & Ross, Sheila A. (1961). Transmisssion of aggressions through imitation of aggressive models. Journal of Abnormal and Social Psychology, 63, 575-582
Blum NJ, Taubman B, Nemeth N. Why is Toilet Training Occurring at Older Ages? A Study of Factors Associated with Later Training. Journal of Pediatrics 2004;145:107-111.
Coelho, LSG (2001) Encoprese e constipação em gêmeos: um estudo de caso em ludoterapia. compor-tamental. Psicologia: Ciência e Profissão, 1, 2-13.
Fleisher, DR. Understanding toilet training difficulties. Pediatrics 2004;113: 1809-1810.
Issenman, R., Filmer, R., &Gorski, P. (1999). A Review of Bowel and Bladder Control Development in Children: How Gastrointestinal and Urologic Conditions Relate to Problems in Toilet Training. Pediatrics, 103, 1346-1351.
Gomes, LS (1998) Um estudo de caso de encoprese em ludoterapia comportamental. Psicologia: Ciência e Profissão, 3, 54-61
Knell, SM e Moore, DJ (1990). Cognitive-Behavioral Play therapy in the treatment of encopresis. Journal of Clinical Child Psychology, 19(1), 55-60.
Taubman, B. Toilet Training and toileting refusal for stool only: A prospective study. Pediatrics 1997; 99:54-8.
Thelen, MH, Fry, RA, Fehrenbach, PA & Frautschi, NM (1979). Therapeutic videotape and film modeling: A re-view. Psychological Bulletin, 186(4), 701-720.
Windholz, MH, 1988. Passo a Passo, seu Caminho: Guia Curricular para o Ensino de Habilidades Básicas. São Paulo: Edicon

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