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O uso de questionários em pesquisa analítico-comportamental

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palavras-chave: questionário, pesquisa, análise do comportamento.

A análise do comportamento tem tido como metodologia característica a experimentação e o delineamento de sujeito único. Isto significa dizer que, tipicamente, um pesquisador expõe um organismo (seu sujeito) a uma série de operações experimentais (por exemplo, muda a natureza, o valor ou a ordem de apresentação das variáveis, combina ou separa variáveis, etc.) e registra as reações do organismo verificando, a seguir, se há uma relação ordenada entre essas operações e os comportamentos registrados (Matos, 1990).

Porém, em muitas situações experimentais, o comportamento-alvo de estudo ou intervenção não pode ser acessado desta maneira. Muitos comportamentos-alvo possuem freqüência de emissão baixa, o que dificulta uma observação direta. Observações contínuas também constituem procedimentos com grande demanda de tempo, pessoal – o que pode implicar em necessidade de treinamento – e custos, por vezes não disponíveis para o pesquisador. Procedimentos de observação direta também não são aplicáveis a comportamentos encobertos, comportamentos incipientes (como tendências para agir) e a comportamentos íntimos ou pouco acessíveis à observação (como os sexuais e uso de drogas), assim como outros comportamentos que envolvam aspectos morais (Silvares e Gongora, 1998) ou sejam suscetíveis à punição. Comportamentos cuja probabilidade é afetada pela presença de um observador também não seriam adequadamente medidos por observação direta. Há ainda outras exceções; para a pesquisa retrospectiva, o questionamento é o único método disponível, porque a observação ou medida do passado é obviamente impossível. Nesse caso, o pesquisador pode apenas perguntar para aqueles que participaram da experiência ou da situação que está procurando estudar (Fox, 1969).

Nos casos mencionados, o acesso do pesquisador ao evento objeto de seu estudo limita-se ao comportamento verbal do participante de sua pesquisa. Segundo De Rose (1999), o falante, ou seja, o sujeito da pesquisa, está ou esteve em contato com um estado de coisas ao qual o ouvinte, ou seja, o pesquisador, não tem acesso. O relato verbal seria um tato, sob controle de aspectos relevantes deste estado de coisas, que permite ao pesquisador fazer inferências sobre este estado de coisas ao qual ele não tem acesso direto. O fato destes eventos não serem observados senão pelo próprio sujeito não põe em discussão sua existência; segundo Matos (1990),  

A objetividade ou concordância de observadores externos não é critério de realidade, nem critério para escolha de objeto de estudo. A restrição existente diz respeito ao acesso (…). Neste sentido, o behaviorista não discute se o relatado é real ou não, ele é! O behaviorista discute por que o sujeito selecionou falar sobre este evento e não sobre outros. (p. 588)


Foi colocada até então a necessidade de, em determinados casos, utilizar o relato verbal dos participantes da pesquisa. Resta-nos duas alternativas: a entrevista ou o questionário. Na última frase de Matos está uma dica para esta decisão; o porquê o sujeito seleciona falar sobre determinado evento ou não. Como sabemos, comportamento verbal é comportamento operante e, portanto, sensível às suas conseqüências. Durante uma entrevista, sempre existe a possibilidade de o entrevistador prover o entrevistado com estímulos reforçadores ou aversivos mínimos, como sinais de cabeça, expressões faciais e murmúrios verbais, alterando a emissão de comportamento verbal do entrevistado. Características físicas e sociais do entrevistador também podem evocar, enquanto audiência, relatos distorcidos. Sendo do maior interesse do pesquisador que o relato do participante esteja (o máximo possível) sob controle do evento objeto de seu estudo, o controle do relato pelo feedback do pesquisador deve ser evitado.


Questionários são provavelmente os instrumentos de avaliação mais utilizados, não só na psicologia como também em outras áreas humanas. Questionários apresentam muitas vantagens como instrumentos de avaliação: requerem pouco tempo de aplicação, oferecem pontuações objetivas da subjetividade dos pacientes, exploram áreas diversas da interação social e permitem, quando repetidamente aplicados, avaliar a evolução dos padrões de comportamento (Echeburúa, 1997). Permitem a obtenção de dados muito amplos ou muito específicos, a depender dos objetivos do pesquisador; seu uso contínuo pode monitorar progressos em tratamentos e oferecer dados para reformulações destes (Ollendick e Hersen, 1984). A utilização de questionários também provê uma cobertura em massa relativamente não dispendiosa de participantes potenciais e uma padronização completa das instruções às quais os participantes são expostos (Fox, 1969).


O método de questionamento

Segundo Fox (1969), ao usar o método do questionamento, há seis elementos essenciais a serem levados em consideração: (1) O contexto do questionamento; (2) o conteúdo do questionamento; (3) a pergunta ou questão, que pode ser definida como o estímulo verbal ao qual o participante será exposto; (4) uma providência para as respostas, que se refere à forma da resposta que se espera que o participante emita; (5) a maneira pela qual a resposta será registrada; e (6) a natureza da interação pesquisador-participante.


1. O contexto do questionamento
 

No método do questionamento, o contexto inclui o que o participante acredita ser a razão de a pergunta lhe estar sendo feita, o que ele acredita que será feito com os dados e o propósito do pesquisador. O participante deve estar ciente de que o pesquisador o procurou apenas para buscar uma informação, a qual não poderia obter de outra maneira. Além disso, o participante deve ser esclarecido quanto ao compromisso do pesquisador com a ética e com o uso sensível da informação por ele fornecida.


2. O conteúdo do questionamento

Se o pesquisador pretende usar o método do questionamento, deve conhecer o assunto o suficiente para determinar os limites da informação de que necessita; além disso, deve ser capaz de delimitar os estratos significativos e de explicitar as áreas de informação necessárias. Em análise do comportamento, isto também significa delimitar que elementos da contingência estão sob análise em cada questão formulada. O pesquisador deve conhecer a contingência com a qual está lidando, o que lhe permite fazer perguntas que vão além das respostas emitidas pelo participante, mas chegam à sua observação das situações antecedentes e conseqüentes. A seleção do conteúdo do questionamento deve ter como base não só o conhecimento do pesquisador sobre a situação de pesquisa, mas também a literatura sobre a área a que a pesquisa se refere.


3. A pergunta ou questão

Para servir como um estímulo efetivo, uma questão deve possuir as seguintes características: (a) clareza na linguagem, ou seja, o vocabulário, o nível conceitual e de sofisticação da informação devem estar de acordo com as habilidades e conhecimentos dos participantes; (b) conteúdos e situações específicas, ou seja, a comunicação efetiva da intenção do pesquisador, refletida na estruturação da pergunta; (c) singularidade do propósito do pesquisador, em outras palavras, a garantia de que cada questão abranja apenas uma informação; (d) ausência de suposições, de maneira que nada esteja subentendido para o participante e, finalmente, (e) ausência de sugestões, de maneira que nada na formulação da questão sugira ao participante quais respostas são esperadas ou desejadas.

4. Providência para a resposta

Este elemento significativo do método do questionamento refere-se à maneira pela qual será permitido ao participante responder. Até certo ponto, só há dois tipos de resposta para perguntas. Uma é chamada de resposta livre, quando o pesquisador, depois de fazer a pergunta, dá ao participante a liberdade de fornecer a resposta, com a estrutura e tamanho que desejar. O segundo tipo é o estruturado, no qual o pesquisador faz a pergunta e sugere algumas ou todas as respostas potenciais. Ambas as respostas são diretamente determinadas pelo tipo de questão elaborada pelo pesquisador. A partir destes dois tipos de resposta, quatro diferentes formas de questão são disponíveis, em um continuum: a questão totalmente livre, a questão livre com limites, a questão estruturada com livre opção e a questão totalmente estruturada.

Na questão totalmente livre, o pesquisador apenas formula a pergunta estímulo, não colocando nenhum limite à resposta e não oferecendo nenhuma sugestão no que diz respeito à área de conteúdo a ser considerada ou à forma e duração/tamanho da resposta. Este tipo de questão é um extremo teórico, raramente utilizado em pesquisa por ser pouco eficaz ao dar muita liberdade e impor muita responsabilidade ao participante.

Na questão livre com limites, o pesquisador coloca alguns limites na resposta, mais frequentemente um limite de duração/ tamanho, podendo se tratar também de limites de área de conteúdo ou de forma.

Na questão estruturada com livre opção, o pesquisador sugere determinadas respostas, dentre as quais o participante pode selecionar aquelas que a ele se aplicam, oferecendo também uma opção livre, que lhe permite acrescentar respostas ou comentários adicionais que não estejam listados. Isto é, o pesquisador acrescenta uma opção não estruturada no final da lista estruturada. Tipicamente, esta alternativa consiste em “Outros…”. É um tipo de questão frequentemente utilizado por pesquisadores, principalmente por não restringir tão severamente os participantes.

Na questão totalmente estruturada, o pesquisador formula a pergunta e oferece uma lista de respostas potenciais, exigindo que o participante escolha entre elas sem ter a oportunidade de acrescentar nenhuma resposta. Neste tipo de questão, o participante não determina nem a forma nem o conteúdo de sua resposta; ele apenas seleciona uma resposta da lista fornecida pelo pesquisador. Se o participante responderia algo não previsto pela lista fornecida pelo pesquisador, ele não terá a oportunidade de responder. Assim, este tipo de opção é adequado somente quando o pesquisador está seguro de que ele tem a possibilidade de identificar exaustivamente todos os aspectos relevantes que deveriam ser considerados e apresentados aos participantes. Esta necessidade é crítica, porque se um ou mais aspectos relevantes são omitidos, não apenas os dados relativos a estes aspectos são afetados, como dados relativos a todos os outros aspectos. Isto porque se os aspectos omitidos tivessem sido incluídos, o participante poderia tê-los escolhido em detrimento de outros.
Uma restrição talvez ainda mais importante do que a limitação de respostas é o fato de que questões estruturadas, com ou sem livre opção, sugerem respostas aos participantes. Assim, é possível, e mesmo provável, que pelo menos algumas das respostas que ele assinale poderiam não ter sido produzidas se a iniciativa tivesse sido somente dele. Assim sendo, o tipo totalmente estruturado é mais apropriado quando as respostas possíveis são limitadas e conhecidas.

 

5. Registro de respostas

As respostas fornecidas pelo sujeito podem ser filmadas, gravadas em áudio, escritas pelo pesquisador ou pelo próprio participante. Esta decisão irá depender da técnica de questionamento privilegiada (entre entrevista ou questionário), do material disponível para o pesquisador e de algumas habilidades do participante, tais como ler com compreensão e escrever.


6. Interação pesquisador – praticante

Basicamente, há duas formas de interação pesquisador-informante dentro do método de questionamento: a interação pessoal, na qual pesquisador e participante se encontram face a face e as questões são feitas diretamente, e a interação impessoal, na qual as questões são impressas e o participante as responde por escrito. Num esforço de captar as vantagens de cada tipo e eliminar algumas desvantagens, tem sido usado um terceiro tipo de interação, na qual o pesquisador encontra-se com o participante para introduzi-lo à pesquisa e para responder suas questões quanto aos propósitos e procedimentos da pesquisa. Tendo feito isso, o pesquisador entrega as questões impressas. Esta forma híbrida de interação tem sido chamada de interação mista.

Como discutido anteriormente, o comportamento verbal é sensível às suas conseqüências e, portanto, o uso de questionários pode atenuar qualquer controle exercido pelo pesquisador sobre o participante. O questionário pode incluir todas as quatro formas de questão, permitindo ao pesquisador uma maior flexibilidade quanto à natureza da informação procurada. As desvantagens são também aquelas da interação impessoal: a necessidade de estabelecer as questões de antemão, de tal forma que suas intenções fiquem claras, sem interpretações e explicações adicionais.

Tendo decidido por esta técnica, o pesquisador deve adotar dois padrões gerais de procedimento. Primeiro, deve estar convicto de que as questões possam ser colocadas com clareza suficiente para funcionar na interação impessoal. Segundo, deve tomar todas as medidas possíveis para aumentar a probabilidade de que o participante responda e devolva o questionário. O primeiro procedimento geralmente requer algum teste, através de um estudo piloto. O segundo padrão de procedimento envolve quatro passos:

  1. Limitar o tamanho do questionário de modo que os participantes gastem o menos tempo possível na tarefa de responder;

  2. Estruturar a forma de resposta tanto quanto possível, de forma que a quantidade de escrita exigida dos participantes seja mínima;

  3. Escrever a introdução do questionário de uma forma eloqüente e franca a fim de que os participantes saibam o propósito da pesquisa, o uso a ser feito dos dados e que fiquem esclarecidos de que tal propósito é válido e profissionalmente desejável;

  4. Fazer alguma referência sobre a possibilidade de o participante vir a conhecer os resultados da pesquisa, se o desejar, de modo que a troca de informações torne-se uma via dupla.

 
Pesquisadores geralmente estruturam o questionário tanto quanto possível, porque isso minimiza o tempo e esforço requeridos para responder e porque agiliza a análise dos dados. Assim, ao planejar um questionário, o pesquisador deve devotar alguma proporção significativa do seu tempo para selecionar, para cada questão, a forma de resposta que melhor combinará (a) a estrutura necessária para facilitar a resposta e a análise com (b) a liberdade necessária para obter os dados da pesquisa. Portanto, o questionário é uma técnica apropriada somente para os problemas de pesquisas nas quais as informações procuradas podem ser suficientemente estruturadas.

 
Referências bibliográficas


    De Rose, J. C. (1999). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: contribuições conceituais e experimentais. Em: R. A. Banaco (org) Sobre comportamento e cognição: aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitiva, 1. São Paulo: Arbytes.

    Echeburúa, E. (1997). Vencendo a timidez. São Paulo: Mandarim.

    Fox, D. J. (1969). The research method in education. New York: Holt, Rinehart and Winston Inc.

    Matos, M. A. (1990). Controle experimental e controle estatístico: a filosofia do caso único na pesquisa comportamental. Ciência e Cultura, 42 (8), pp. 585-592.

Ollendick, T. H. & Hersen, M. (1984). Child Behavioral Assessment: principals and procedures. New York: Pergamon Press.

    Silvares, E. F. M. & Gongora, M. A. N. (1998). Psicologia Clínica Comportamental: a inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo: Edicon.

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