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Por que a Ciência não traz felicidade

Nos meus cinco anos de curso de Psicologia ouvi várias vezes – talvez um milhão e meio de vezes! – as pessoas colocarem suas opiniões a respeito da ciência. A maioria das opiniões dizia respeito a críticas com relação a essa forma de conhecimento. Poucas vezes tive a sagrada oportunidade de ouvir mestres, colegas e amigos valorizar realmente a ciência e a considerar como forma legítima de conhecimento e parâmetro para a Psicologia evoluir.

É uma pena!

No entanto o fato da pessoa que escreve este texto considerar esse tipo de opinião a respeito da ciência um estímulo punitivo não significa que críticas a respeito da ciência e de sua legitimidade não devem ser aceitas.

Pelo contrário!

A ciência sobrevive de críticas.

Conforme Campos (2001) assinala que

“O conhecimento científico precisa ser compreendido dentre os limites naturais de qualquer conhecimento. Ele não traduz toda verdade, nem é a última palavra, e não pretende ser. A ciência apenas busca dar respostas mais confiáveis á sociedade, respostas estas que independem da experiência individual, e que não expliquem a vida humana em função de dogmas.”

Um dogma não concebe críticas. Ele existe e pronto!Como a ciência não é feita de dogmas e não há por que um cientista ou defensor dessa forma de conhecimento se abalar com críticas. As críticas são uma parte das provas de que aquilo sobre o que se fala é ciência.

Campos (2001) complementa afirmando que

“Em ciência, algo é verdadeiro até que se prove o contrário, ou seja, nunca algo é( ou será) totalmente verdadeiro, já que o desenvolvimento do conhecimento científico deve gerar modelos de compreensão mais precisos, fazendo com que explicações cada vez mais completas substituam explicações superadas.”

Popper (1975 citado em Campos, 2001) um dos maiores filósofos da ciência afirma “Ser cientista, portanto é trabalhar com a dúvida, conviver com a incerteza, pois tudo que se sabe hoje pode ser substituído por um novo modelo explicativo amanhã”.

Infelizmente a maioria das pessoas com as quais vivemos é ensinada a odiar a dúvida, a incerteza, o complexo, a inconsistência e a inconstância. Esse é o maior inimigo da ciência: a educação para a certeza.

Quem tem certeza demais não tem a capacidade de ser cientista ou privilegiar a ciência como legítima tipologia de conhecimento.

Como a ciência é um discurso poderoso e que tem uma aceitação considerável por parte da maioria das pessoas devido a sua utilidade muitos se aproveitam e fundam “ciências” – ou seja, pseudociências – que conseguem burlar uma das características básicas da ciência: a possibilidade de questionamento, de testagem.

Eysenck(1993 citado em Campos 2001) afirma que as pseudociências são

“Modelos teóricos que parecem ciência por possuírem um método exclusivo, mas este método e todo o conhecimento por ele gerado são relacionados a uma hipótese central que é assumida como verdadeira, sem questionamentos ou testagem, tornando-se assim um dogma.”

Campos (2001) afirma que

"A dialética marxista e a psicanálise são, segundo Popper (1975), dois exemplos de pseudociências, pois o primeiro modelo teórico sempre busca relação entre dominante e dominado e a segunda sempre o inconsciente. O espantoso é que nas conclusões de “pesquisas” formuladas com estes referenciais quase 99%(ou mais) das pesquisas com estes métodos/referenciais se chega na conclusão prevista  na teoria e no método, o que torna a pesquisa totalmente desnecessária, pois para que pesquisar o que já é conhecido?Isto não seria perda de tempo? Não seria reinventar a roda?A resposta é, obviamente, sim.”

Dentre as várias críticas que tive que ouvir em relação á ciência a maioria não tinha fundamento. Isso era o que realmente me abalava por que eu ficava desnorteado com a capacidade – muito criativa, diga de passagem – das pessoas de inventarem bobagens a respeito da ciência, de colocar palavras – que nunca existiram – nas “bocas” de cientistas, de julgar sem ter ao menos pego em um livro de metodologia científica e expressar idéias que eram copiadas dos nossos queridos e problemáticos professores.

Dentre as críticas tinha uma que sempre se referia a um mesmo tema. O tema da incapacidade, ou seja, da incapacidade da ciência de trazer a felicidade para as pessoas, de acabar com os problemas humanos, de construir uma vida melhor.

Essa poderia ser uma ótima crítica se a ciência tivesse em algum momento da história da humanidade proposto isso: a resolução dos problemas na Terra!

Ainda bem que isso nunca foi proposto por que iria ser no mínimo uma loucura acreditar que a ciência teria essa capacidade!

De onde foi que tiraram isso?Desde quando a ciência se propõe a resolver os problemas da humanidade?

Campos (2001) afirma que

“Embora não tenha prometido o paraíso à humanidade, a ciência muitas vezes é criticada por não ter conseguido acabar com a fome, com a miséria, com as doenças, com a guerra e, principalmente, não ter condições de oferecer à humanidade a imortalidade. Na raiz dessas críticas encontra-se uma compreensão errada da missão da ciência e uma visão não-histórica da evolução do conhecimento humano. Perguntas do tipo “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”,”Por que crianças morrem de câncer e criminosos vivem?, entre outras não são de interesse ou objeto da ciência e, portanto, provavelmente irão ficar sem resposta, uma vez que a ciência busca a vida e não explicação de fatos muitas vezes irredutíveis ao racional.”

Um dia conversando com uma servidora estadual – durante um estágio de Psicologia Organizacional – tive a oportunidade muito especial de ler um livro inteiro do Dr. Augusto Cury (não sei se ele realmente tem doutorado ou se o “Dr.” é somente “força” da tradição…) que por ser pequeno não me impediu de cumprir meu planejamento de trabalho para aquele dia de estágio curricular!

Conheço pouco este senhor – que acredito escrever livros nas áreas de Psicologia, Psiquiatria e Auto-Ajuda – mas pela leitura do pequeno livro pude perceber que de ciência ele não entende nada! Apesar dele se gabar e sair dizendo por aí que é cientista!

O livro se chamava “Dez Leis para Ser Feliz” e logo no prefácio Cury afirmava ”Neste livro, Dez leis para Ser Feliz vou apresentar princípios para que ávida se torne um grande show – um espetáculo de felicidade e sabedoria”.

Ao caracterizar o livro ele dizia “este livro é pequeno, mas o conceito sobre o que é felicidade e os instrumentos para conquistá-la são profundos e desconhecidos. Eles são frutos de mais de vinte anos de pesquisa psicológica e psiquiátrica. As “dez leis” que comentarei democratizam a ciência, pois tornem acessíveis ferramentas para você explorara seu próprio ser…”.

Como é que mais de vinte anos de pesquisa psicológica e psiquiátrica geraram “conceitos” e “instrumentos” desconhecidos? Se houve pesquisa foi para que algo fosse descoberto!

Neste livro Cury apresenta dez leis que ele – só ele – acredita ser as leis que levarão qualquer pessoa a serem felizes.

A última lei do livro ele caracterizou como “Lei da Inteligência Espiritual” e nas 5 páginas do livro em que o mesmo disserta a respeito dessa lei retirei um trecho que atesta como pessoas como Dr. Cury tem a incrível capacidade de deturpar o conceito de ciência e disseminar isso junto ao público leigo. Vejam o que ele escreve a respeito da ciência no tópico “Quem pode decifrar o que é a vida?”:

“Temos milhões de livros científicos, mas a ciência não sabe explicar o que é a vida. Vivemos numa bolha e mistérios. As questões básicas de existência humana não foram resolvidas. Quem somos? Para onde vamos? Como é possível resgatar a identidade da personalidade depois da morte se trilhões de segredos da memória se esfacelam no caos? O fim é o nada ou o fim é o começo? Nenhum pensador encontrou tais respostas. Quem as procurou na ciência morreu com suas dúvidas. A ciência, através de seu orgulho débil, desprezou a eterna e incansável procura do homem pelo sentido da vida.”

A ciência não decifra enigmas ela cria dúvidas e incertezas e para muitos isso é inaceitável.


Bibliografia

CAMPOS, Luiz Fernando de Lara. Métodos e técnicas de pesquisa em psicologia. Campinas,SP:Editora Alínea,2001-2ªedição,158p.

Anderson de Moura Lima

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