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Parafilias e Crimes Sexuais

O transtorno sexual apresenta a dificuldade de sofrer intervenção de fatores culturais, fazendo com que seu significado e importância mude com a época e o lugar. O que é transtorno hoje, pode não ter sido ou deixar de sê-Io. Exemplos como o da pedofilia e do homossexualismo são apenas os mais citados. O primeiro era cultivado com requinte na Antigüidade. A homossexualidade, até a nona revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-9) da Organização Mundial de Saúde (OMS), figurava sob o nº 302.0 entre os Desvios e Transtornos Sexuais, agrupada ao que hoje se chama parafilias. Em 1992, na décima revisão da  Classificação de transtornos mentais e de comportamento (CID-10), a homossexualidade desapareceu como transtorno, sendo citada no código F66, juntamente com a heterossexualidade e a bissexualidade, entre as ''variações de desenvolvimento sexual que podem ser problemáticas para o indivíduo" (OMS, 1993). Mesmo assim foi registrada, com interessante redação, a advertência politicamente correta: "a orientação sexual por si só não é para ser considerada como um transtorno".

Mesmo sem a homossexualidade, o que permanece não deixa de refletir os determinantes culturais. Não é por acaso que o estupro, o atentado ao pudor, o ato obsceno e a corrupção de menores figuram no Código Penal (CP) sob o título VI: "Crimes Contra os Costumes". A atitude geral da sociedade brasileira para com eles tem variado da intolerância persecutória ao escárnio, passando pela silenciosa cumplicidade, dependendo do grupo social que os considere.

O profissional de saúde mental deve se determinar a lutar contra preconceitos largamente difundidos e, não se sabe em que medida, em si mesmo incutidos. No caso do perito forense, o trabalho é ainda mais difícil, pois tem de lidar diretamente com requerimentos legais que nem sempre acompanham a norma em que ele próprio está inserido e à qual despende parte do tempo tentando se ajustar. Posta-se no meio de dois campos, a sociedade e o criminoso sexual, tentando traduzir ao representante daquela a exata natureza do transtorno. Dele é exigida resposta a quesitos formulados de maneira a atender com precisão às especificações legais, partindo de material com alto teor de subjetividade e em constante atualização. Precisa enquadrar os casos no conceito legal de imputabilidade e responsabilidade, tendo ainda de prognosticar a reincidência como se se tratasse de uma ciência exata.


Parafilias

Parafilias, segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da American Psychiatric Association, 4ª. edição revisada (DSM-IV-TR) (2000), consistem em fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo objetos não-humanos, sofrimento ou humilhação próprios ou do parceiro, crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento,

O termo parafilia vem substituindo com vantagem o antigo perversão, carregado de acepções não-científicas, como corrupção, desmoralização, degradação, e que, pela proximidade com perversidade, sinônimo de crueldade, adquiriu uma tonalidade depreciativa que não tem lugar no pensamento psiquiátrico. Parafilia (do grego pará = ao lado de, funcionamento desordenado ou anormal, oposição + philos = amante, que tem afinidade, atraído por) expressa melhor o sentido original psicanalítico, que é, segundo Laplanche (1998), o de "desvio em relação ao ato sexual normal, definido este como coito que visa à obtenção do orgasmo por penetração genital, com uma pessoa do sexo oposto".

Assim, a preferência de uma pessoa por partes do corpo da outra, sejam nádegas, mamas, pés, bem como por peças de vestuário em cores específicas, pode ser considerada perversão do ponto de vista estritamente psicanalítico, sem correspondente na nosografia psiquiátrica. O critério diferencial é:

1) a importância (ou exclusividade) que essa atitude adquire na vida sexual do indivíduo; e

2) a possibilidade de causar sofrimento a si ou a outros, aí incluídos os choques com a legislação.

Recentemente se tem identificado semelhança entre as parafilias e o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Afirma-se que as obsessões são similares às fantasias sexuais, tanto parafílicas quanto não-parafílicas; as compulsões são semelhantes ao comportamento sexual compulsivo; há uma co-morbidade de depressão e ansiedade tanto no TOC como nos transtornos sexuais; e, nos níveis neurobiológico e neurofarmacológico, há significativa superposição desses transtornos.

Tipos de parafilia

Fetichismo

É a dependência de determinados objetos inanimados ou partes do corpo como estímulo para a excitação e satisfação sexuais. Socialmente aceita, não é raro sejam formadas confrarias de, por exemplo, podófilos ou podólatras. Freqüentemente faz parte do arsenal de recursos para estimulação recíproca de um casal.


Transvestismo fetichista

Quase exclusiva de homens heterossexuais, consiste no uso eventual de roupas do sexo oposto para obter satisfação sexual. Enquanto se transveste, o indivíduo geralmente se masturba, fantasiando pertencer tanto ao sexo masculino como ao feminino. Há quem o considere como um estágio intermediário em direção ao transexualismo. Não deve ser diagnosticado nos transtornos de identidade de gênero, nem confundido com homossexualismo. Os transvésticos têm, em geral, comportamento masculino nas suas relações sociais, mostrando preferências heterossexuais, embora também não seja raro envolvimento homossexual eventual.

Exibicionismo

É a exposição dos próprios genitais a um estranho, geralmente sem qualquer tentativa de envolvimento sexual outro com ele. Quase exclusivo de homens heterossexuais que se exibem para mulheres ou crianças do sexo feminino. Freqüentemente há masturbação durante ou em seguida à exposição. O mais comum é o desejo de chocar o espectador, embora em alguns casos exista a fantasia de provocar excitação sexual.


Voyeurismo (ou escoptofilia)

É a tendência recorrente a obter excitação e prazer sexual pela observação de pessoas em comportamentos sexuais ou íntimos, como se despir. Geralmente se dirige a estranhos que não notam estar sendo observados e é acompanhada de masturbação. Não é raro que o voyeur fantasie estar envolvido em relação sexual com a pessoa observada, com quem não se relaciona na realidade. Deve ser diferenciado da tendência das crianças e dos adolescentes a observar, movidos pela curiosidade, o comportamento sexual dos adultos, mesmo que o ato conduza à excitação sexual ou masturbação. No caso do voyeur, a atividade parafílica é a preferencial, e, para alguns, a única forma de experimentar excitação ou prazer sexual.


Pedofilia

É a preferência sexual por crianças pré-púberes ou no início da puberdade (geralmente menos de 13 anos), em fantasias ou na realidade. Pode ser homossexual, heterossexual ou uma mistura de ambos. Considera o DSM-IV-TR que o pedofílico deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança, embora no caso de indivíduos no final da adolescência a caracterização não seja tão fácil, devendo-se avaliar a maturidade sexual de ambos. É erroneamente diagnosticado como pedófilo todo aquele que abusa sexualmente de crianças, pois essa parafilia implica, como dito anteriormente, a preferência sexual por crianças. Diversas situações e estados mentais podem contribuir para o abuso sem que o indivíduo possa ser caracterizado como pedófilo. Mesmo o comportamento pedofílico pode variar conforme a idade e os estressores, apesar do curso ser geralmente crônico. Uma forma muito difundida atualmente é a pornografia infantil pela Internet, situação em que o sentimento de anonimato pode estar revelando tendências que de outro modo ficariam reprimidas. Nesses casos, é importante a distinção entre os verdadeiros pedófilos, os consumidores de pornografia em geral, os curiosos e os que procuram satisfazê-Ios por interesse pecuniário.


Sadomasoquismo

É a preferência pela obtenção de excitação ou prazer sexual pela produção de sofrimento real, físico ou psicológico. Diz-se masoquismo quando o indivíduo prefere obter prazer do próprio sofrimento e sadismo quando da inflição ao outro. Pode envolver todas as formas de agressão física, como espancamentos, açoitamentos, queimaduras, cortes, choques elétricos, ou psicológica, como subjugação, estupro, exposição ao perigo, a situações degradantes, humilhação e formas de desconforto em geral. Costuma envolver fantasias de detalhada elaboração. Embora possa ser praticado por duplas ou grupos sadomasoquistas, eventualmente o sádico envolve pessoas contra o seu consentimento. Não raro pessoas funcionam como sádicos e masoquistas alternadamente, embora o mais comum seja um padrão de comportamento permanecer durante a vida toda, associado ao fetichismo ou fetichismo transvéstico. As fantasias sexuais dos sádicos envolvem invariavelmente a situação de domínio sobre o outro, e a percepção do medo experimentado pelo parceiro, voluntário ou não, é fundamental para a excitação. Nos masoquistas, a situação de insegurança, de incerteza e de estar à mercê dos desejos alheios é o foco parafílico principal. Nos casos de sofrimento auto-infligido, o mais comum é que se mantenha um padrão durante toda a vida, mas, durante períodos de estresse ou na busca de prazer mais intenso, alguns podem agravar a natureza dos seus atos até a produção de ferimentos sérios ou mesmo morte. Os sádicos que preferem parceiros que não consentem com a prática tendem a repetir o ato e, muitas vezes, mas não necessariamente, dependendo do transtorno da personalidade e/ou patologias associados, a produzir ferimentos graves ou assassinar.


Frotteurismo, Necrofilia, Auto-estrangulamento e outros (F65.8)

No frotteurismo, o prazer está ligado ao ato de tocar ou esfregar-se em uma pessoa sem o seu consentimento, geralmente em locais de proximidade corporal forçada, como transportes coletivos. Envolve esfregar os genitais ou manipular partes do corpo da vítima.

Na necrofilia, a preferência é por atividade sexual com cadáveres. Resnick (1989) separou esses casos em três grupos: a necrofilia comum, na qual se usa corpo já morto para fins sexuais; a homicida, em que o indivíduo mata para obter o cadáver; e a fantasiada, em que existe a fantasia de relacionamento sexual com cadáveres, sem atuação necrofílica. Distinguiu ainda uma pseudonecrofilia, descrita como uma eventual atração por um cadáver, mas corpos mortos não são o objeto das fantasias sexuais. Incluiu nesse grupo os sádicos, os oportunistas e os transitórios. Em alguns casos, o contato sexual com o cadáver pode ser expressão de um desejo obsessivo anterior de contato com a pessoa que morreu. É o caso de certos crimes de amor, em que a destruição e posse do objeto do desejo torturante serve de alívio. Essa situação encontra-se representada na peça Salomé (1894), de Oscar Wilde, em que a personagem título, não suportando a recusa do profeta Yokanaan a atender aos seus desejos, ordena que lhe cortem a cabeça e, em seguida, beija-lhe a boca em triunfo. Não devem ser esses casos diagnosticados como necrofilia.

Há quem considere o auto-estrangulamento, auto-asfixia ou hipoxifilia como formas de masoquismo, embora, pela sua especificidade e freqüente ausência de outros comportamentos masoquistas, possa ser registrado como forma autônoma de comportamento sexual desviante. Nela, o prazer é obtido pela privação de oxigênio por estrangulamento, sufocação com saco plástico, ataduras ou máscaras e, embora raramente, pode provocar a morte. A entidade denominada Morte Acidental Auto-erótica (Accidental Autoerotic Death – AAD) é tipificada por ser solitária, acidental e causada por uma parafilia letal.

Outros transtornos da preferência sexual são de difícil classificação por envolverem aspectos combinados de várias parafilias ou não satisfazerem os critérios para classificação nos modelos citados, como os telefonemas obscenos, a zoofilia, a coprofilia, o stalking (vigiar e seguir uma pessoa que é foco do desejo), entre outras. Carece de maior estudo o chamado sexo virtual, ou seja, aquele praticado por pessoas que se relacionam pela Internet.

As parafilias freqüentemente se apresentam combinadas, como, por exemplo: masoquismo e transvestismo fetichista, sadismo e fetichismo, sadismo e pedofilia, sendo muitas vezes impossível determinar a fronteira entre elas. É comum a ocorrência de várias parafilias em um só indivíduo. É entre os 15 e os 25 anos que os parafílicos geralmente apresentam maior freqüência do comportamento desviante, sendo observado um decréscimo com a idade.

Crimes Sexuais

A definição de crimes sexuais não é simples. Podemos fazê-Ia considerando assim todos aqueles atos delituosos que tenham o propósito de satisfação sexual como motivo (enfoque motivacional) ou limitá-Ios àqueles cuja natureza seja um relacionamento sexual em qualquer das suas formas (enfoque legal). Este se refere àqueles que se enquadrem nos Crimes Contra os Costumes, dos artigos de 213 a 224 e de 233 a 234 do CP, que incluem estupro, atentado violento ao pudor, posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, sedução, atentado violento ao pudor, corrupção de menores, rapto violento ou mediante fraude, rapto consensual, presunção de violência e outros. Ambas as definições são úteis, mas dificilmente se poderá considerá-Ias satisfatórias do ponto de vista operacional.

Basta observar que, adotando-se o primeiro conceito, o furto de um objeto de desejo fetichista terá uma motivação sexual, mas perante a lei será um furto como outro qualquer. No sentido inverso, o estupro será sempre um crime definido como sexual, embora se saiba que as motivações predominantes costumam ser o desejo de domínio e de infligir sofrimento.

Um conceito operacional de criminosos sexuais deve levar em conta as definições legais desses crimes, mas para ser útil cientificamente deve também (1) especificar sem ambigüidades as características que fazem com que um indivíduo seja identificado como membro dessa categoria; e (2) demarcar claramente os limites desta. Nenhuma definição acanhada pode ser formulada para atingir esses objetivos. O melhor que se pode fazer é especificar os tipos legais de crimes de interesse e ter em mente quatro restrições a tal lista: (1) os tipos de crime não são mutuamente excludentes;

(2) as categorias de crimes são específicas para tempo e lugar e não universais;

(3) motivação sexual ou preferência sexual desviantes não são elementos indispensáveis em qualquer definição legal nem são suficientes para essa definição; e

(4) muitos crimes sexualmente motivados ou a serviço de padrões desviantes de excitação não se incluem na categoria legal de crimes sexuais.

A definição exata de crimes sexuais acaba numa discussão em aberto, consideramos aqueles cuja natureza seja nitidamente sexual, com a ressalva de que não há objeção a que sejam incluídos em outras áreas da criminologia.

É importante também a caracterização do criminoso sexual:

a) Criminoso sexual situacional – algumas pessoas sem transtorno psiquiátrico, em situações intensa e continuadamente estressantes, ou que lhes confiram poder absoluto sobre o outro, podem ter dificuldade de controlar impulsos que seriam mantidos adormecidos sem elas. É o caso da vida em encarceramento, das guerras onde se desfruta de poder absoluto sobre os prisioneiros ou, de forma mais corriqueira, das babás que abusam sexualmente de crianças por as terem inteiramente à sua mercê e para sentir a emoção de algo diferente e proibido. Na maioria dos casos, não há antecedentes nem persiste o comportamento criminoso após a modificação ambiental.

b) Criminoso sexual preferencial – indivíduos que, de maneira preferencial e continuada, nas condições de vida habitual e contando com a possibilidade de satisfação sexual dentro da legalidade, optam pelo comportamento criminoso.

Situações Especiais

Abuso de menores

A prevalência do fenômeno na população em geral está longe de ser conhecida, embora esse constitua a maior parte dos crimes sexuais em que o perito é chamado a atuar. Estima-se que 10% das pessoas podem ter sido abusadas antes dos 18 anos. É mais comum que meninas (cerca de 90%) sejam as vítimas preferenciais, não raro dentro da própria família. Os dados estatísticos são geralmente deficientes por serem considerados apenas os casos que geram procedimentos policiais e legais, pois os de menor gravidade são resolvidos em família, visto que a maioria dos agressores é o pai ou quem exerce a função paterna, até mesmo com a conivência, às vezes explícita, dos demais. Grande número permanece em segredo entre vítima intimidada e agressor ameaçador, só sendo detectados quando aquela, já adulta, procura ajuda profissional e relata o fato como significativo no seu passado.

A verdadeira extensão do problema é, portanto, muito maior do que indicam os dados disponíveis. Dos casos atendidos pelo Serviço de Psicologia (Seção de Atendimento Básico) da Vara Central da Infância e da Juventude (VCIJ) do Tribunal de Justiça de São Paulo entre 1990 e 1998, abrangendo todas as situações que demandassem intervenção psicológica, como guarda, tutela, destituição de pátrio poder, autorização para viagem etc., cerca de 17% se referiam à violência sexual doméstica.

Aí também se encontrou a característica do agressor exercendo função paterna (90%, com 65% de pais biológicos) e vítima do sexo feminino (93%). A Diretoria de Polícia da Criança e Adolescente do Recife (DPCA) registrou, de 1995 a 1999, queixas de 2.665 crimes sexuais. Esse número vem crescendo; só de janeiro a agosto de 2000 foram registrados 496 crimes sexuais. Destes, cerca de 30% ocorreram em casa, e os acusados foram o pai (57%), o padrasto (21%), o tio (6,4%) e o avô (4,6%). As vítimas do sexo feminino foram 90%. Quanto ao perfil dos abusadores, encontram-se geralmente homens (hetero, homo ou bissexuais), havendo um número significativo dos que preferem parceiros sexuais adultos, mas escolhem crianças porque estão disponíveis ou vulneráveis. Exemplo são carcereiros que abusam de menores presos. A existência de número significativo de abusadores de crianças com história de vitimização na infância difundiu a idéia do "ciclo vítima-agressor", cuja relação não é tão direta quanto possa parecer. Estudando criminosos sexuais, não se encontra diferença estatística entre o abuso sofrido ter sido sexual ou físico, aí incluindo a negligência. O trauma e o estresse relativos ao abuso ou à resposta da sociedade ao fato possam ser mais importantes que a própria experiência sexual do abuso. Tentaram identificar as diferenças entre um grupo de vítimas do sexo masculino que não se tornou agressor na idade adulta (grupo resiliente) e um grupo de vítimas que praticou o mesmo crime quando adulto (grupo de criminosos). Os criminosos não relataram maior excitação ou prazer ao serem abusados, mas sim fantasias e masturbação posteriores em relação ao abuso. Em contraste, o grupo resiliente experimentou maior conforto emocional (amizade, gentileza, presentes) quando do abuso. O grupo de criminosos apresentou menor nível educacional e ambiente familiar mais adverso, enquanto os resilientes desfrutaram de maior apoio social durante a infância, provido por maior número de fontes (pais, parentes e outros adultos). O grupo resiliente recebeu mais manifestações de afeto, tanto físico quanto verbal, e maior apoio nas situações de crise. Essas constatações sugerem o que pode ser feito na prevenção desses casos.

Por outro lado, apesar de raramente descritos, os crimes sexuais praticados por mulheres encontram-se, em sua maioria, nessa categoria; as vítimas, como padrão, são filhos ou enteados. Grande parte dessas mulheres participa ajudando o criminoso do sexo masculino.

Crimes sexuais violentos em série

Um tipo de criminoso de ocorrência subestimada é aquele sádico que mata ou fere gravemente as vítimas, abusando sexualmente delas antes ou depois do assassinato. Geralmente reincidentes, são homicidas sexuais em série, e só uma pequena porcentagem desenvolve psicose franca, ocorrendo o fenômeno muitas vezes sem diagnóstico psiquiátrico além do sadismo. Em tudo se assemelham aos serial murderers, tendo o ataque sexual como motivo central. Em geral planejam os ataques, torturam e mantêm as vítimas um certo tempo sob seu domínio. O desfrute sádico do poder absoluto sobre a vítima subjugada é o aspecto mais característico dessa forma de obtenção de prazer. Freqüentemente revelam como motivo principal dos seus atos o domínio sobre a vítima. O assassino sexual em série Jeffrey Dahmer, conhecido como O Canibal de Milwaukee, indagado pelo perito do seu caso sobre por que praticava os crimes, respondeu: "Pelo poder e por luxúria" (For power and for lust), ou seja, primeiro pelo poder e, depois, por luxúria.

Uma longa série de fatores tem sido pesquisada no sentido de traçar o perfil desses criminosos ou predizer-lhes a ação, sem que se consiga explicação definitiva. Apesar de alguns experimentarem certa perplexidade em relação aos próprios atos, em geral a capacidade de entender o caráter criminoso do ato é completa, e o desejo de controlar o impulso está ausente, o que os torna totalmente responsáveis perante a lei brasileira. Provavelmente apresentam o pior prognóstico entre os criminosos sexuais, ao lado dos quadros associados aos transtornos da personalidade.

Avaliação Médico-Legal

Os crimes sexuais, por si só, não implicam diagnóstico psiquiátrico, sendo errôneo atribuir-Ihes automaticamente redução ou anulação da imputabilidade. Em outras palavras, nem todo aquele que abusa de crianças é pedófilo, nem todo estuprador é sádico e nem todo ultraje público ao pudor parte de um exibicionista. Para a responsabilização médico-legal é indispensável elucidar de antemão se se trata de:

1) Criminosos sexuais sem diagnóstico psiquiátrico – São, na maior parte dos casos, situacionais, que, em circunstâncias especialmente propícias, decidiram ou foram induzidos ao crime. É o caso das violências sexuais nos presídios, na guerra e em situações de absoluto controle sobre a vítima, como assaltos, seqüestros e torturas em prisão etc. Uma modalidade comum é a gangue de adultos jovens ou adolescentes que estupra por diversão ou emulação, não raro com a ação facilitada pelo uso de substância psicoativa. Em muitos casos, a força grupal é suficiente para a indução criminosa. Os exemplos seguintes são típicos:

a) na zona rural do nordeste, professora de notória beleza morre repentinamente. Quatro dos seus admiradores, no dia seguinte ao sepultamento, embriagam-se e promovem excursão ao cemitério, onde violam a sepultura e mantêm com o cadáver a relação sexual que desejaram sem êxito enquanto ela ainda vivia. Presos, só um deles evidencia retardo mental, justamente o que parece ter estimulado os demais. Nenhum tinha antecedente de comportamento sexual desviante;

b) uma babá passa parte do dia sozinha com a criança. Em parte atraída por esta, em parte para experimentar alguma emoção pelo proibido, ou mesmo como forma de diversão para vencer o tédio do trabalho rotineiro, abusa sexualmente dela;

c) na zona rural, um pai excitado pelo desenvolvimento corporal das filhas recém-chegadas à puberdade, e com a justificativa de que não vai "criar filha para os outros comerem", as coage a manter relações com ele, sob as vistas complacentes do resto da família, situação essa que permanece ao longo dos anos;

d) um habitual consumidor de pornografia, motivado pelo desejo de ganho financeiro, suborna crianças de rua para posar despidas em atitudes provocantes enquanto as registra com uma câmara de vídeo; depois vende as cópias das fitas a conhecidos.

Do ponto de vista médico-legal, essas pessoas são imputáveis, visto que o art. 26 do CP e o seu parágrafo único, que tratam da inimputabilidade, se referem a pessoas com "doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e perturbação da saúde mental". Nesses casos, compete ao perito desvencilhar-se da tendência natural a acreditar que a hediondez de um crime é diretamente proporcional à gravidade da patologia envolvida e, assim, registrar a ausência de transtorno mental.

2) Criminosos sexuais parafílicos – Pessoas que têm no crime sexual a satisfação última, preferencial e que preenchem os critérios para o diagnóstico de parafilia. Em relação à primeira parte da formulação do art. 26 do CP, referente ao elemento cognitivo, esses criminosos têm inteira capacidade de entender o caráter ilícito do ato praticado, pois o transtorno não lhes confere perturbação de consciência, distorção perceptiva ou do juízo da realidade. O que, aliás, é demonstrado por fazerem às escondidas, conscientes que são da ilegalidade e/ou da reação social no caso de flagrante. Mesmo os exibicionistas o fazem com exclusividade para as vítimas, ocultando-se dos demais circunstantes. A situação não parece tão clara quando se leva em consideração a segunda parte da formulação legal, de que seja "capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento". Esse elemento volitivo pode dar margem, nos indivíduos puramente parafílicos, a uma série de argumentos, num ou noutro sentido. Pode-se pleitear a responsabilidade total do parafílico, visto que o transtorno se caracteriza por tendências e desejos que passam a maior parte do tempo sob seu controle e que houve passagem ao ato porque a contenção foi intencionalmente desativada. Em contraponto não faltará quem argumente, citando Freud, que esses atos, por serem de motivação e determinação inconscientes, escapariam do controle do indivíduo. Certamente haverá referência ao primoroso texto em que Freud afirma que o "narcisismo universal dos homens" sofreu com a psicanálise

As parafilias não provocam turvação de consciência, transtornos perceptivos ou do juízo da realidade. Sua ação é a alteração qualitativa na escolha do objeto de desejo e, em alguns casos, quantitativa do impulso. Apesar de a grande maioria dos parafílicos sem co-morbidade psiquiátrica ser inteiramente capaz de determinar-se, admitimos a possibilidade de existir um desequilíbrio entre o instrumental psicológico de autocontrole e a intensidade do impulso. Para avaliar essa hipótese, são necessários bom senso do perito e detalhada análise do caso, na qual não deve faltar a consideração dos seguintes itens, cuja presença aponta no sentido de uma redução da capacidade de contenção:

  • 1. Ausência de premeditação ou planejamento, caracterizando o ato como impulsivo. No período de planejamento, o indivíduo fantasia o ato delituoso sem estar submetido a um impulso incoercível, enquanto ainda pode avaliar suas conseqüências e tem tempo de providenciar solução lícita para o desejo – tratamento ou medidas preventivas, como evitar situações propícias.
  • 2. Traços da personalidade com baixa tolerância à frustração, especialmente os imaturos e explosivos.
  • 3. Presença de inteligência limítrofe (retardo mental subclínico).
  • 4. Intenção de não praticá-Io, caráter de luta interna entre o impulso e os escrúpulos, o respeito à lei e ao sofrimento do outro.
  • 5. Tentativas de lidar com o impulso patológico de maneira adequada, evidenciadas por tentativas de tratamento ou providências para evitar o surgimento de situações propícias à conduta criminosa.
  • 6. Caráter de ato isolado ou infreqüente.
  • 7. Extraordinária intensidade do impulso, habitualmente revelada pelo sofrimento inerente ao seu controle.
  • 8. Existência de arrependimento e preocupação com o sofrimento da vítima.

Mesmo assim, entende-se que o enquadramento de um criminoso parafílico no parágrafo único do artigo 26 do CP, ou seja, afirmar que o agente "não era inteiramente capaz […] de determinar-se de acordo com esse entendimento" (do caráter ilícito do fato), deva se revestir de parcimônia, visto que são poucos os casos em que essa situação se verifica.

3) Criminosos sexuais que apresentam transtorno psiquiátrico diverso da parafilia – Sabe-se que os portadores de transtornos mentais (incluindo-se aí os decorrentes do uso de substâncias psicoativas) são mais propensos que a população geral a se envolver em conduta delituosa. Estima-se que cerca de 10% da população carcerária apresente transtorno mental. Pode-se indagar se esses transtornos não estariam presentes na ocasião do crime sem serem diagnosticados, e em que medida teriam contribuído para sua ocorrência. A avaliação da imputabilidade e da periculosidade deve, então, ser feita em atenção ao transtorno, evitando-se confundir o que é efeito (o crime sexual) com o diagnóstico. São os mais comuns:

1. Crimes praticados por pessoas com retardo mental – Os crimes sexuais estão super-representados entre os deficientes intelectuais, os quais se vêem envolvidos devido à redução do autocontrole, à dificuldade de adaptação às normas ou à inadequada compreensão dos fatos. Assim, é comum que deficientes sejam detidos por andarem com vestes rasgadas e a genitália exposta, por se despirem ou fazerem necessidades fisiológicas ou se masturbarem em público, sem noção da inadequação desses atos. Evidentemente, não se trata de exibicionismo ou qualquer outra parafilia. É comum também que tentem o estupro por avaliarem de maneira simplista o que entendem ser sinais de aceitação sexual. Um caso exemplar:

[…] na zona rural, deficiente entre leve e moderado, de bom comportamento, era estimado pela comunidade dos sítios vizinhos, cujas famílias o deixavam cuidando das crianças, até que uma menina de 6 anos apareceu sangrando pela genitália, dizendo ter sido molestada por ele. Preso, no exame, explicou: "estava brincando com ela, aí ela pegou no meu pau; tomei um susto e pensei: essa menina dessa idade já fica com essas safadezas! Será que já é mulher?" Imediatamente procurou verificar se ainda era virgem, examinando-a com o dedo e provocando o defloramento. Indagado sobre se saberia verificar a virgindade, respondeu que não. Para o CP, isso foi um atentado violento ao pudor; para o perito forense, um ato típico de deficiente mental. Alguns, especialmente eréticos, depois da puberdade, passam a assediar familiares, vizinhos e transeuntes, muitas vezes perseguindo-os na rua, tentando agarrar e apalpar, expondo os genitais. Nesses casos, o transtorno básico é o retardo mental com distúrbio de comportamento associado. Evidentemente, a definição legal é mais difícil no caso de deficiência limítrofe.

2. Crimes praticados na vigência de processo esquizofrênico ou outros quadros psicóticos – Na esquizofrenia, o mais característico é a agressão sexual dirigida a parente próximo, dentro de casa, partindo de pacientes defectuais cujo sentido de crítica e capacidade de controle estejam prejudicados. Nos quadros agudos, o caráter abrupto e incompreensível, muitas vezes bizarro, da conduta é o mais comum, e a própria intempestividade e inadequação faz com que fique na tentativa. É necessário cuidado diante de quadros em que o comportamento sexual, pela sua gravidade, desvie a atenção da psicose. Quando um esquizofrênico pratica um crime sexual grave, é mais comum que este se deva à doença, mesmo quando não se possa determinar uma ligação direta com a sintomatologia psicótica evidente, especialmente a produtiva. Algumas psicoses não-esquizofrênicas e algumas esquizofrenias de início incipiente apresentam a anomalia do desejo sexual como sintoma mais evidente. Por exemplo, um adulto jovem assedia a mãe e as irmãs dentro de casa de maneira aberta, na frente de todos, mesmo durante as refeições, dizendo que quer "transar" com elas de qualquer forma. Evidentemente, não se trata de um transtorno sexual, e os atos decorrentes deverão ser creditados à psicose. Situação mais difícil se verifica em certos estados considerados como fronteiriços em relação à psicose, como a personalidade borderline e o transtorno esquizotípico.

3. Crimes praticados durante episódio maníaco – Dos sintomas mais característicos dos episódios maníacos constam invariavelmente a megalomania, a exacerbação da sexualidade e a redução da crítica. O maníaco é ainda impulsivo por definição, e podem surgir problemas dessa combinação. As violações mais freqüentes são o assédio grosseiro, muitas vezes com exibição genital (que não deve ser confundida com exibicionismo), e a bolinagem. Em raros casos, e geralmente associados à agitação psicomotora, podem ocorrer agressões mais sérias, como o estupro. O que se deve avaliar é a capacidade em decorrência do transtorno do humor, sendo a evolução deste o ponto central do prognóstico.

4. Crimes praticados por epilépticos – Apesar desses pacientes apresentarem maior co-morbidade de disfunções sexuais e parafilias (ainda por esclarecer se devido a alterações neuroendócrinas, a medicamento para controle das crises ou a dificuldades sociais que acompanham esses pacientes) a redução da responsabilidade só deve ser avaliada em função de atos cometidos na vigência das crises. Devem ser averiguados, sempre, o medicamento e os antecedentes.

5. Crimes praticados por dementes e outros doentes orgânicos cerebrais – Estados demenciais de evolução lenta apresentam, em fases em que o déficit cognitivo ainda não é evidente, exacerbação da sexualidade e redução da autocrítica. Tem sido relatados casos de pedofilia homossexual de início tardio associada à hipersexualidade em pacientes com patologias frontotemporais só identificadas pela tomografia. Especialmente em idosos e portadores de afecções sistêmicas, deve-se pesquisar outros sintomas deficitários, sendo, nos casos sugestivos, aconselhável, além do exame de neuroimagem, avaliação neuropsicológica.

6. Crimes praticados por indivíduos com transtorno da personalidade – A agressão sexual, evidentemente, faz parte do repertório de atos anti-sociais, sendo, até a terceira revisão do DSM (DSM-III-R), considerada como um dos critérios para o diagnóstico de transtorno da personalidade anti-social, mas por si só não deve fechar esse diagnóstico. Contrariamente à crença muito difundida, estudos recentes têm demonstrado que criminosos sexuais com traços psicopáticos são capazes de avaliação moral dos seus atos, o que aponta no sentido da responsabilização médico-legal.

7. Crimes praticados em turvação de consciência – O quadro de obnubilação característico de algumas psicoses exógenas agudas pode facilitar a manifestação de comportamento sexualmente violento ou desviante, sempre de modo brusco, sem planejamento e apenas durante a psicose, justificando, em muitos casos, a inimputabilidade. Já nos estados dissociativos, a alteração da consciência costuma ser parcial, sendo mais freqüente a constatação de semi-imputabilidade, embora essa avaliação seja extremamente delicada.

8. Crimes praticados durante o abuso de substâncias psicoativas – A maioria dos casos de estupro e abuso de crianças tem o alcoolismo ou a intoxicação aguda associados. Tem sido identificada a co-morbidade entre o alcoolismo e as parafilias, principalmente entre os sádicos sexuais, com mais de 50% de alcoolistas. Não é raro, entre os usuários de drogas como cocaína, anfetaminas e crack, o estupro como um dos comportamentos violentos associados. Deve-se fazer distinção, inequivocamente, entre o efeito do uso agudo do tóxico, as alterações inerentes à dependência, a psicose provocada ou induzida e o comportamento decorrente da síndrome de abstinência. Deve-se considerar sempre a actio libera in causa.

Os parafílicos raramente procuram tratamento por conta própria, uma vez que a parafilia é vivida como uma tentativa de solução dos conflitos internos, especialmente a dificuldade de satisfação por outros meios, o que justificaria o recrudescimento dos sintomas em períodos especialmente estressantes. Para alguns, aquela forma de obtenção do prazer sexual é a única; outros a têm como complemento eventual. O indivíduo em geral convive tranqüilamente com seu transtorno, a que considera como gosto pessoal ou maneira de ser e, muitas vezes, uma forma mais evoluída e refinada de obtenção do prazer. Costumam procurar profissionais de saúde quando a intensidade do desejo e a dificuldade de satisfazê-Io provoca sofrimento intenso ou interfere gravemente no funcionamento social ou conjugal; e à presença do perito forense, quando o desejo os impele a comportamento criminoso, como o furto de peças íntimas no caso dos fetichistas, o abuso de menores por parte dos pedófilos, o atentado público ao pudor em se tratando de exibicionistas e as lesões corporais ou homicídio no caso dos sádicos.

Por esse motivo, a estatística envolvendo parafilias é viciada, refletindo mais a capacidade do indivíduo ou seu parceiro de tolerar ou participar da demanda parafílica, por um lado, e a descoberta dos crimes a ela associados, por outro.

As parafilias, em sua maioria, não são comportamentos criminosos. O transvestismo fetichista, e mesmo o sadomasoquismo, praticado com o consentimento do parceiro, ou o auto-estrangulamento não têm como gerar procedimentos judiciais. Os voyeurs têm ao seu dispor todo um repertório de possibilidades, desde filmes eróticos a espetáculos de sexo praticado por profissionais dentro da lei, embora a preferência seja pela invasão de privacidade. Algumas formas, como o frotteurismo e o exibicionismo, trazem em sua essência a violação legal.

Reforma do Código Penal (até 15/04/2005 às 16h53min)

O Código Penal, de 1940, vem sofrendo nas últimas décadas algumas mudanças significativas, com a finalidade de adequá-lo aos novos usos e costumes de nossa Cultura. Em 2001, o assédio sexual passa a ser crime. Em 2004, o crime de violência doméstica dando maior proteção à mulher. Agora a Lei 11.106/2005 revoga seis artigos do CP – 217, 219, 220, 221, 222 e 240 -, e acrescenta mais um – 213-A -, e dois incisos. – IV e V, do parágrafo 1º, do art. 148. Vejamos as principais alterações.


Seqüestro ou cárcere privado (art. 148 do CP)

Este artigo não sofreu mudanças em seu caput, entretanto, as modificações se deram no rol das qualificadoras. O ponto mais discutido se trata da ordenação da norma que entra em consonância com a Constituição Federal de 1988 e o Novo Código Civil. Acrescentam-se as seguintes qualificadoras:

a) se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheira do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

b) se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

c) se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

d) se o crime é praticado com fins libidinosos (eróticos).

Também há um aumento de pena quando o crime for praticado contra menor ou com fins sexuais.

Posse sexual mediante fraude (art. 215 do CP)

Esta questão era muito discutida, pois havia no texto revogado a seguinte redação: "Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude". Isso fazia com que os magistrados no momento de julgar aplicassem o disposto do art. 4° da Lei de Introdução do Código Civil, deixando à sua conceituação se a mulher é "honesta", ou não. Agora, é qualquer mulher, ou seja, a lei só veio corrigir uma discriminação textual.


Atentado violento ao pudor mediante fraude  (art. 216 do CP)

Mais uma vez deu-se um ajustamento de redação, pois a antiga redação trazia: "Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal". Agora o sujeito passivo passou a ser tanto o homem quanto a mulher igualando assim as partes, quando diz: "Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal".


Aumento de pena nos crimes contra a liberdade sexual e sedução e corrupção de menores (art. 226 do CP)

Embora não se trate de crime qualificado houve apenas um aumento da pena. Quanto ao inciso II aumentou-se a pena pela metade e ampliou o rol dos sujeitos ativos que passaram a ser: "[…] se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima." O inciso III foi revogado, e os incisos. I e II alterados apenas com a inclusão da expressão: "quarta parte".


Mediação para satisfazer a lascívia (libido) de outrem (art. 227 do CP)

Houve apenas a modificação na qualificação no parágrafo primeiro para esse crime que é a seguinte: "Se a vítima é maior de 14 (catorze) anos e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro, irmão, tutor ou curador, ou pessoa a quem esteja confiada para fins de educação, de tratamento ou de guarda." Em suma, a mudança deu-se na palavra "marido" que agora passa a ser "companheiro".


Tráfico Internacional de Pessoa (art. 231 do CP)

O crime era puramente feminino, pois só previa o tráfico de mulheres, dificultando o enquadramento penal. Agora, passou a se chamar Tráfico Internacional de Pessoas, abrangendo também os travestis. Recebeu também a possibilidade de uma multa na figura qualificada do parágrafo 1° e 2°. Nesta mesma tipificação foi incluso mais um crime que é o art. 331-A, que se trata do combate ao tráfico interno de pessoas, ou seja, passamos a ter a figura típica internacional e nacional.


As revogações dos incs. VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222 e 240 do Código Penal

Desta feita, a extinção de punibilidade por meio do casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, e nem pelo casamento da vítima com terceiro. Isso evita que o infrator arranje casamento para evitar que o Estado o puna. O art. 217 acompanha a modernidade, pois a mulher, independente da idade que mantiver conjunção carnal com um homem, e que foi seduzida, será um fato atípico ou, se tipifica no art. 215, que é posse sexual. Os arts. 219 e 220 foram praticamente inclusos no art. 148 por suas novas qualificações. Quanto aos arts. 221 e 222, os quais regulavam o rapto, por si só foram revogados, uma vez que a figura central de tal crime não mais existe. E o tão discutido art. 240 do CP (adultério) que já estava em desuso foi revogado.

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