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“Psicanálise e Neurociências: Aproximações mútuamente excludentes?”

Com o incremento dos estudos sobre as Neurociências e, reconhecendo seu lugar de total legitimidade numa abordagem do ser humano, gostaríamos de, nesse momento, de fazer algumas reflexões sobre os desvios de rota, propiciando rotas de colisão, a nosso ver, absolutamente desnecessárias se pudermos sair do terreno da "fogueira das vaidades" e pudermos olhar para o ser humano de forma mais plena e compreensiva.

Seria muito bom se pudéssemos somar e não ter que dividir, uma vez que o resultado da divisão já se sabe, a priori, será sempre negativo e o débito recairá sobre o ser humano que apresenta um sofrimento psíquico. Há muitos anos atráz, iniciei o atendimento de um paciente em meu consultório particular, o qual me procurou , uma vez que sendo ele médico e tendo realizado toda uma bateria de exames, não conseguiram chegar a uma conclusão que desse conta de suas oscilações na pressão arterial.

Este fato, além de lhe provocar muita angústia, já estava afetando seu desempenho enquanto profissional, uma vez que no meio de algumas consultas, começava a perceber pródromos que, segundo ele, eram indicativos de uma elevação na pressão. Tinha, então, que dar uma desculpa ao paciente que estava atendendo, por exemplo que tinha que dar um telefonema urgente, e retirava-se até a sala ao lado, para monitorar sua pressão.

Ficava meio zonzo e , tinha que esperar um pouco para voltar a sala onde estava fazendo seus atendimentos. Era casado, sem filhos e relatava que a esposa era muito exigente com ele, atribuindo-lhe tarefas caseiras, as quais ele se esmerava para cumprir , mas que sempre acabava ouvindo que não havia feito da maneira certa .
Numa tentativa de tirá-lo do olhar somente médico sobre seu problema e tendo a garantia de que havia feito todos os exames, lhe disse que me parecia que, em casa, ele sofria de uma alta pressão ou de uma pressão alta, no convívio com a esposa.
Essa foi uma tentativa de "psicologizar" sua sintomatologia e de lhe dizer, que segundo o meu entendimento, havia uma outra pressão alta que não cederia com a administração de terapêutica medicamentosa, mas sim que havia necesidade de podermos "falar" a respeito.
Quando estávamos lá pelo final do primeiro mês do início de seu processo de análise , lhe foi sugerido por um colega que fosse ter uma consulta com um médico neurologista do Hospital Albert Einstein. Pois bem, quando voltou na sua próxima sessão, me disse que tinha ido ver o neurologista e que o mesmo lhe havia dito que não "perdesse tempo com análise" e que tomasse Anafranil 25mg (antidepressivo da família dos tricíclicos), durante uns três meses e que depois disso lá voltasse , só para tomarem um café juntos e pra que ele lhe pudesse dizer que estava curado de tudo aquilo que lhe afligia.
Felizmente, embora começasse a tomar o medicamento, não concordou com o médico que havia lhe dito que ele estaria perdendo tempo e dinheiro com a análise. Sou Psicólogo Clínico por formação e Psicanalista por especialização, contudo, mesmo não sendo médico, venho me dedicando ao estudo da psicofarmacologia durante 25anos e nunca consegui encontrar na bula de um só remédio deste tipo, mais própriamente, na sua composição, nenhum item que dissesse: tantas miligramas de RESOLUÇÃO DE CONFLITOS !.
Também dentro daquilo que estudei sobre a história Psiquiatria, pude perceber que essa ciência começou muito apoiada na escola , denominada de organicista, liderada por Kurt Schneider, onde existia a máxima de que a doença dita mental era inexistente, ficando toda a problemática atribuída a alguma ou algumas disfunções no campo do organismo, do orgânico.
Sabemos, é claro, da existência comprovada das doenças degenerativas do sistema nervoso, como por exemplo, o mal de Alzheimer; dos traumatismos crânio-encefálicos, demências, dentre tantas outras, onde é mister a presença de um profissional das áreas neurológica e psiquiátrica, até para que possa ser realizado um diagnóstico diferencial, muitas vezes atravéz de exames complexos como tomografias computadorizadas, ressonância magnética, emissão de rádio isótopos, etc.
O que nos insurgimos é frente ao fato de que as diferentes abordagens não são necessáriamente mútuamente excludentes. É muito comum recebermos no consultório pacientes que nos procuram no intuito de darem início a um processo de análise e que já vão logo avisando que fazem uso de antidepressivos e ansiolíticos, quando não de neurolépticos ou antipsicóticos.
Quando lhes indagamos se fazem um acompanhamento psiquiátrico, muitas vezes o que ouvimos é que não, que quem lhes prescreveu a medicação foi um médico clínico, cardiologista, ginecologista, etc, raramente nos encontrando diante de alguém que passou por uma avaliação psiquiátrica e que esteja fazendo um acompanhaento periódico.
Já vi pessoas que estavam tomando uma medicação que havia lhes sido prescrita há mais de 10 anos atrás, sem nunca mais terem feito uma reavaliação. Anos atrás, a indústria farmacêutica, investiu milhões de dólares em merchandizing sobre o famoso Prozac, pagando inclusive altos cachês para atores e atrizes de Holliwood, para afirmarem que faziam uso do Prozac ,tendo obtido muitos benefícios ao usarem o medicamento.
Com o advento dos genéricos, tivemos o desdobramento do Prozac, cuja substância ativa é a fluoxetina, para a produção por outros laboratórios. Então, de vários pacientes que referem a utilização de algum antidepressivo, notamos que a grande maioria faz uso da fluoxetina. Como disse não sou médico, nem tampouco especialista em psicofarmacologia, mas não deixo de ser um estudioso do tema, bem como não tenho absolutamente nada contra o uso de drogas psicotrópicas.
Sou sim, contra o abuso e a prescrição indiscriminada desses medicamentos. Os profissionais que assim procedem, a meu ver estão prestando um desserviço ao paciente, tanto no aspecto da inadequação da droga de escolha, bem como em seus efeitos colaterais, etc, como estão "sedando" os pacientes frente às suas angústias existenciais, acabando por lhes colocar num estado de conforto artificial e invalidando qualquer possibilidade de que sejam beneficiados por um outro tipo de ajuda, a saber, a ajuda psicoterápica da qual muitas vezes tanto precisam.
Portanto, reverenciamos as neurociências e as práticas dela decorrentes, quando utilizadas com parcimônia e com uma visão , não míope, mas sim, mais geral do ser humano em seus aspectos multifacetados.

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