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William James: filósofo, psicólogo e médico

Resumo

Neste artigo focalizo mais detalhadamente dois mo­mentos distintos da obra de William James: os escritos psicológicos e os filosóficos. Minha hipótese postula, a despeito da opinião de vários autores, que estes dois momentos de seu pensamento apresentam mais discordância que concordância. Seus métodos, objetivos e objetos distinguem-se na medida em que há algo como um pano de fundo demarcando fronteiras extensas, as concepções sobre a verdade, presentes nessas duas fases. Deste modo, utilizo para análise, além de alguns trabalhos representativos de James e textos de comentadores de época, outros mais recentes, bem como os de personagens que influenciaram marcantemente a obra pragmática jamesiana como Peirce e Dewey.

William James, filósofo, psicólogo e médico dos mais marcantes da Cultura Ocidental na virada do século XX, é um daqueles personagens controvertidos, sobre o qual se costuma afirmar as coisas mais contraditórias, suscitar a defesa das teses mais monistas sobre o desenvolvimento filogenético de nossa raça, ou àquelas mais pluralistas sobre a existência das verdades, para citar apenas um exemplo. Segundo Rorty (1992A), tanto ele quanto Dewey e Peirce possuíam uma dupla face que os faziam tentar romper para a face do campo científico e filosófico, com a hegemonia da ciência positiva sobre as formas do co­nhecimento humano. Por outro lado, quando o debate se dava no seio da sociedade mais ampla esta prioridade se invertia, o ataque era contra códigos morais cristalizados, que não permitiam o avanço do pensamento. Portanto, ora se privilegiava a busca de grandes fatos, ora se ques­tionava esta possibilidade sem que estes fossem banhados por um mar de crença. Trata-se de uma escolha – eleger uma ou outra destas possibilidades.

Quanto ao tema a que me proponho destrinchar neste artigo, ele me parece deixar à mostra, de forma contun­dente, esta realidade. De um lado, temos a presença de emoções corporalmente determinadas, universais, marca da história naturalizada destes seres tão enigmáticos. De outro, temos verdades plurais que não apresentam versão definitiva e derradeira e que não funcionam como expli­cação de nenhum comportamento, sendo apenas um acon­tecimento da linguagem levando a conseqüências práticas poderosas. O nosso objetivo central é trazer ao conheci­mento dos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas, as prin­cipais formulações e contradições de um autor que se torna cada vez mais referência para aqueles que se pro­põem a refletir sobre as teorias de verdade implícitas em suas práticas.

A psicologia das emoções

Devo falar de dois pontos fundamentais que nele aparecem fundidos, todavia merecendo em certos momentos considerações em separado. É evidente que a teoria jamesiana das emoções se insere necessariamente no plano mais amplo de sua psicologia, mesmo assim verificamos pontos de tensão entre elas, aspectos em que uma realimenta a outra, e, curiosamente, contradições importantes entre alguns de seus pressupostos. Portanto, para traçarmos um ma­peamento mais delicado e preciso acerca das linhas de força que impulsionam a dualidade instinto / emoção para sua extraordinária difusão no meio intelectual de sua época, devemos situar certas características da vida de James que influenciaram alguns de seus interesses e definir os postulados básicos de sua psicologia, antes de pene­trarmos na teoria das emoções.

Comecemos por trazer à cena alguns dos personagens principais bastante pregnantes no meio cultural anglo­-saxão, de marcante influência empirista, sobre cujas idéias se debatiam entusiasmados quase todos os estudantes de qualquer ciência, em escola ou universidade, muito mais ainda aqueles voltados a desvendar na forma de uma ciência natural os mistérios da vida e do desenvolvimento do homem. Sem qualquer suspense é evidente que falamos em primeiro lugar do pensamento de Charles Darwin, com quem James manteve uma relação oscilante, mas de uma maneira geral, principalmente no fim da obra, bas­tante favorável. Seu contato com Darwin se deu através de Louis Agassiz, seu professor na Lawrence Scientific School, eminente zoólogo, principal crítico nos USA da teoria da seleção natural. Em 1865, seis anos após a pu­blicação da "A origem das espécies…" James veio ao Brasil com Agassiz para uma expedição, em cujo final tornou a questão darwiniana, algo central em sua vida (Murphy 1990). Aquilo que mais entusiasmava James era a extrema instabilidade do mundo concebido por Darwin, em constante mutação, sem um fim predeterminado e onde a melhor forma de adaptação dependia sempre do contex­to e do acaso. A idéia mais sedutora era, ao menos nos estudos psicológicos, a do homem ser uma marca da interação com o meio externo, porquanto, via então pro­vada sua existência para além de qualquer modelo idea­lista. Não custa repetir, entretanto, que nesta forma de interação não existiria nenhum fim retumbante assegu­rado. Na década de 70, quando estudava em Cambridge, participou de um seleto grupo de americanos portadores dos mais variados interesses, denominado curiosamente de "Metaphysical Club". Volto a falar deste grupo quando discutirmos a influência de Peirce no pragmatismo de James. Por ora, menciono outro participante de peso nestas acaloradas discussões. Trata-se de John Fiske, um pensador já muito celebrado ao final desta década. A sua importância consiste em ter sido ele um dos mais respeitados discípulos de Herbert Spencer, por quem James demonstrava um sentimento ambíguo (Murphy 1990). Ao ter seus primeiros contatos com a obra deste autor demonstrou grande entusiasmo, porém, segundo Murphy (1990), dele logo se afastou em função de um ponto fun­damental, a sua posição determinista levada a graus ex­tremos. Este aspecto me parece questionável, principal­mente no que toca à psicologia, como veremos. É inques­tionável, por outro lado, que o campo onde James iria trabalhar, estava completamente recheado de pressupostos positivistas e evolucionistas "à la Spencer":- ''Dentre as fórmulas recentes, muito poucas prestaram tantos serviços à psicologia como aquela de Spencer: a vida psíquica e física possuem uma mesma essência [a adaptação das relações internas com as externas]" (James 1915 p. 5). Spencer procurou inserir a teoria evolu­cionista de Darwin, com marcada influência de Lamarck, em todos os ramos da ciência, mais particularmente, para o pensar sobre a sociedade. A constituição valorativa de camadas mais evoluídas propunha a existência de um mundo fechado, acabado, que caminhava inexoravel­mente para os estágios superiores da vida, seja ela social, biológica ou física.

Ocorre que James, durante todo este período, fez da discussão determinismo/livre arbítrio algo crucial, não só em sua filosofia como em sua vida. As posições de­terministas, contra as quais se empenhava, uniram Spencer e os racionalistas. Ele não podia conceber um mundo onde a vontade nada desempenhasse além de cumprir as ordens de um destino traçado previamente, seja por Deus, seja pela natureza de uma evolução que só um espírito iluminado conhece. No seu diário, em 1870, James parece ter dirimido a questão utilizando ainda de forma embrionária a noção de crença, cuja função no seu prag­matismo será fundamental:

"Penso que ontem foi uma crise em minha vida. Ter­minei a primeira parte do segundo (ensaio) Renouvier e não vejo porque sua definição do livre arbítrio – [a sus­tentação do pensamento porque eu escolhi o momento de ter outros pensamentos] – precisa ser a definição de uma ilusão. De todo modo, por ora aceitarei – até o próximo ano – que não é ilusão. Meu primeiro ato de livre arbítrio será acreditar no livre arbítrio." (Murphy 1990 p. 15-16).

Assim, é indispensável retermos neste ponto que a contraposição de James a Spencer se dava nos escritos psicológicos, em nível de um antideterminismo, mas uma aceitação incondicional de outras de suas teses como o teleologismo do cérebro, o meio interno se submetendo às mesmas leis que o externo, todos os estados da alma sendo meros sinais adaptativos da história do Homem, entre outras. Estou repetindo isto de forma insistente por­que a teoria das emoções, em minha opinião, é a de todos os compartimentos de sua psicologia a mais influenciada pelo positivismo evolucionista de Spencer, daí certa tensão com outras partes da mesma.

A inclinação de James pela psicologia provém de alguns fatores curiosos. Nosso autor sofria do grande mal do século XIX, uma "doença nervosa" que o impedia de produzir a contento dentro de suas expectativas. Apesar de haver retornado do Brasil completamente restabelecido, dois anos mais tarde tem nova recaída, e indo tentar a cura através de banhos minerais na Boêmia. O tratamento não foi muito proveitoso, todavia entrou em contato com os trabalhos em psicologia experimental de Wundt em Heidelberg, exprimindo pela primeira vez o desejo de ser psicólogo (Murphy 1990). Retornando aos USA, conti­nuava sofrendo do mesmo mal, só que com o recrudes­cimento de certos sintomas, o que se somava às suas poucas perspectivas profissionais, sendo ele uma pessoa que, para desespero de sua família, nunca conseguira fixar-se num ofício específico mesmo após haver se for­mado em medicina. O destino parece ter-se encarregado de lhe dar uma oportunidade e James agarrou-a defini­tivamente. Tendo se tornado Presidente de Harvard em 1869, Charles Eliot, seu antigo professor de química o convidou em 1872 para ser instrutor de fisiologia e ana­tomia. Três anos mais tarde já ensinava psicologia e em 1880 se tornou professor de filosofia. Sua inclinação pela psicologia se deu, portanto, através da conjugação de experimentação e estudo das funções cerebrais. Dentro deste viés, também se interessa por outro ramo da psi­cologia experimental que estuda os fenômenos de me­diunidade e hipnotismo, tendo sido fundador em 1884 da American Society of Psychical Research (Sudre 1924) (sobre estes trabalhos ver James 1924 e 1961).

Entremos, então propriamente nos corolários básicos de sua psicologia. Segundo Baudin (1915), o centro dos interesses de James era abandonar as abstrações genera­lizantes acerca do psiquismo da humanidade para penetrar no campo mais propriamente empírico da vida individual. Ainda seguindo a apresentação de Baudin, James tentara se desligar das duas principais doutrinas da época para se pensar o psíquico: a psicofisiologia e a psicologia ana­lítica. A primeira o defenderia de procurar os fatos da consciência fora dos fatos nervosos que os condicionariam. Este método permite escrever toda uma psicologia dentro das paredes de um laboratório de fisiologia. A segunda proporia a busca das verdades psíquicas, através da des­coberta dos átomos mentais, ao modo da física e da quí­mica. Baudin acredita que James teria escolhido um cami­nho criticado por ambas as propostas, ou seja, a intros­pecção. Somente ela poderia levar à consciência individual. Mesmo após tais considerações me parece que sua psi­cologia é uma aplicação destes três métodos, dependendo do assunto estudado. No assunto sobre o qual ora me debruço, encontramos preocupações introspectivas ("Por outro lado, não poderíamos sonhar em fazer um estudo descritivo das emoções apresentadas como puras, atos de consciência, porque estes atos de consciência re­cusam-se a fazer qualquer análise introspectiva" – James 1915 p. 495) com preocupações analíticas, tais como de­terminar os objetos das emoções.

Sua divisão das faculdades psíquicas é ternária, sendo desta forma divididos os seus dois principais livros de psicologia (James 1950 [1890] e James 1921 [1892]). O modelo geral é de um organismo em constante interação com o meio externo, porém de forma não tão passiva, sendo, portanto indispensável três tipos fundamentais de aparelhos para desempenhar três funções: recepção, processamento e transformação e, por fim, retorno ao exterior. Os três tipos de estudo seriam então a sensação, a cere­bração ou intelecção e a tendência à ação. As emoções delimitariam uma fronteira entre o primeiro e o terceiro compartimentos. Cria-se uma harmonização entre a psi­cologia, anatomia e fisiologia, as outras duas disciplinas do interesse de James, na medida que para cada compar­timento psicológico correspondia um compartimento ana­tômico e outro fisiológico. No entender de Murphy (1990) estes três compartimentos podem ser melhor compreen­didos como percepção, pensamento e vontade, embora sem uma transposição mecânica do primeiro. Citando um texto posterior (The will to believe), Murphy de­monstra que hierarquizando estes três domínios, James consegue colocar em primeiro plano suas preocupações com o livre arbítrio: "O compartimento do desejo na nossa natureza domina, em síntese, tanto o compartimento de imaginar e sentir quanto, falando claro, a percepção e o pensamento estão aí por causa do comportamento." (Mur­phy 1990 p. 16). Outro aspecto mais geral a comentar desta primeira fase do pensamento jamesiano é a assunção de um dualismo mascarado, a despeito de uma tentativa de constituição de um monismo fisicalista. Dicotomias como interno/externo, pensamento/afeto, conhecimen­to/emoção, idéias/sentidos abundam nestes escritos onde sua maior ambição é fazer da psicologia uma ciência natural. Temos, enfim, o caminho mais ou menos aberto para destrincharmos sua tão propalada teoria das emo­ções.

Para James, tanto as emoções quanto os instintos são produzidos a partir do contato direto com o mundo ex­terior. A diferença caracterizadora das duas afecções é que a emoção produz sentimento enquanto o instinto produz ação. É bem verdade que por vezes é difícil a discriminação entre estes dois modos de relação com o mundo, todavia na maior parte dos casos a revelação não se torna complicada. Os objetos provocadores são os mes­mos, mas a emoção se exprime nos corpos enquanto o instinto coloca o Homem em contato com o objeto que o provocou. Sua principal hipótese é: ter consciência de uma emoção forte é ter consciência de sua expressão orgânica. Ela é, portanto oposta à idéia tradicional segundo a qual um objeto provoca uma afecção ou sentimento na alma, sendo esta a emoção ela própria, que por sua vez se exprimirá sobre o corpo, enfim causando modificações orgânicas. A proposição de James é que o contato com o objeto produz modificações orgânicas seguidas de per­cepção. É a consciência destas modificações que constitui a emoção como fato psíquico. Nós não choramos porque ficamos tristes, mas o contrário ficamos tristes porque choramos. Os casos patológicos de sentimento sem objeto denunciariam de forma definitiva que os doentes ficam tristes ou alegres, não porque tenham motivo para isto, mas porque se tornam conscientes das transformações por que passam seus corpos. É um modelo empirista na sua forma mais naturalista, pois as sensações que des­lancham todo o processo são correntes internas "provo­cadas pelas excitações externas" (James 1915 p. 506). Exis­tem possibilidades de dissociação entre as partes internas ou viscerais das emoções e as externas, como provam os atores que são capazes de expressar uma emoção sem senti-la e pessoas sensíveis que mantêm-se com a emoção mesmo após o distanciamento do objeto.

Tudo isto que mencionamos acima se refere às "emoções fortes", existindo, entretanto emoções finas (James 1915 p. 510), como as ocasionadas pelas obras de arte. Quando ela não desperta uma emoção significativa, isto se deve a não desencadear uma atenção orgânica suficientemente capaz de atrair as fibras aferentes causadoras das emoções. Mas ele nos manda um importante recado: os prazeres vêm da percepção, portanto dos sentidos. Isto não quer dizer que não existam prazeres mais delicados, "cerebrais", independentes das correntes vindas de fora, como a sa­tisfação moral (op. cit. p. 511), entretanto tais categorias se enquadram muito mais no campo do conhecimento do que no das emoções.

O leitor já percebeu que existe uma estreita correlação entre emoção e consciência, mas na consciência ela exprime uma função eminentemente sintética, "… é a consciência sintética de um certo número de fenômenos orgânicos espontâneos…" (James 1915 p. 501). A noção jamesiana de consciência, entretanto, se afasta da idéia metafísica de consciência reflexiva. Para ele, consciência é um mero fluxo de faculdades dispersas, sendo sua união um reflexo de tentativas intelectualistas de congelar e eternizar a mente. Portanto, ela é um puro processo que a emoção vem sintetizar, formar pontos de ligação, e esta é a parte mais interessante de sua teoria, porque aponta alguns caminhos de sua revolução pragmática posterior. Aparece, não obstante, um outro aspecto desta experiência sintética da qual falávamos, que segue à risca sua tradição empirista. Dentro desta tradição a síntese é uma atitude do co­nhecimento caracterizada pela sua estreita vinculação aos fatos, diversamente da análise, mais vinculada aos signi­ficados (Gibson 1982). Portanto, mais do que nenhum outro fenômeno mental, a emoção é a consciência de um fato ao contrário das intelectualizações ou do pensamento, que lidam na maior parte das vezes com significados. James, então, é impelido a traçar uma trajetória factual das emoções, que pode ser considerada a parte mais de perto bafejada pelo evolucionismo spenceriano de sua teoria.

Pergunta James (1915 p. 514): como os diversos objetos provocam as emoções? A resposta vem imediata. "Pode­mos explicar certas reações emocionais tomando-as como [repetições enfraquecidas, ou seja, de movimentos outrora úteis] (mesmo que fossem mais enérgicas) de movimentos [outrora ligados por associação fisiológica indissolúvel aos movimentos úteis]". (op. cit. p. 514). Logo, as emoções denunciam uma etapa da evolução do homem; é a própria história deste misterioso ser que está contida nas suas aparições. História no circunscrito sentido de momentos seriados da luta do Homem em se adaptar ou subjugar o meio externo. Há uma equivalência também entre pri­mitivo e verdadeiro. No final do caminho há um encontro entre emoção e razão, porque nos primeiros tempos o que sentimos hoje como emoção, mesmo que nos pareça inútil, já foi, enquanto atitude, algo de extrema importância para a sobrevivência da espécie, que se torna aqui o equi­valente de uma essência. Só o corpo e a natureza podem se comportar de uma maneira verdadeira frente à neces­sidade de adaptação destes dois pólos. Desta feita, o que há de mais primitivo é também o que há de mais verda­deiro, a emoção é exatamente a função que permite à mente a síntese do que há de mais verossímil em sua história, enquanto espécie. O pensamento que, dentro desta tradição positivista, é um fato natural fruto de todo este processo de adaptação, possui a função de conciliar a consciência com os novos tempos, de superar aquilo que não mais tem qualquer utilidade, e assim garantir a continuidade da evolução. Se aliado ao pensamento estiver a noção mais global de comportamento ocorre um rom­pimento com o determinismo de Spencer, abrindo-se um caminho para o livre arbítrio, onde comportamentos novos podem determinar novas evoluções.

Antes de outras considerações acerca do impacto destas noções sobre uma teoria da cultura, devemos examinar um tópico que é central neste artigo, sua noção de verdade. Basta apenas mais uma citação:

"Quanto mais eu observo meus estados interiores, mais me convenço que as modificações orgânicas… são, ao contrário, o tecido profundo) a essência real." (James 1915 p. 505).

Podemos notar que está claramente delimitado um lugar para uma verdade que não é meramente aprovatória, mas explicativa acerca da ciência. É ela que explica a busca do Homem por qualquer coisa. Qualquer fato hu­mano passa a ser causado pela sua tentativa unidirecional de se preservar e embora não tenhamos acesso à Verdade, passam a existir signos de verdade como em nosso caso as emoções, que funcionam como móvel de nossas ações. Guardemos esta noção a fim de compará-la com a sua posterior concepção instrumental de verdade.

Com vista a uma possível teoria da cultura, proveniente deste fragmento da teoria de James, é evidente que ela aponta para uma universalização das emoções para todas as culturas, porque são os mesmos aspectos orgânicos que estão em jogo nos seus desencadeamentos. Mesmo que as expressões externas da tristeza sejam diferentes em dois povos, isto não constitui a essência da emoção, porque para assim considerarmos, deveríamos retornar à antiga teoria que James se propõe a combater. As únicas diferenças possíveis seriam devido às adaptações orgâni­cas diversas em jogo e a meios ambientes também distintos. Como há uma tendência para certas regularidades orgâ­nicas nos seres humanos das mais variadas regiões, estas diferenças tendem a ser pouco nítidas. Outra ordem de descompasso ocorre na forma com que se procura des­cartar das emoções inúteis. Existem culturas, como a oci­dental que, por razões ainda não suficientemente co­nhecidas, alcançaram patamares mais elevados de adap­tação ao meio pela atividade do pensamento. Estas são as linhas gerais que, de forma extremamente reduzida, procuro traçar sobre a psicologia das emoções. O leitor agora se prepare para uma reviravolta surpreendente nestas expectativas sobre o homem dada pelo próprio James.

A influência de Peirce

Foi durante o período em que estudava na Lawrence Scientific School, que James conheceu alguém três anos mais velho que ele, a quem costumava se referir como uma pessoa muito esperta (Murphy 1990). Charles Sanders Peirce foi até o fim de sua vida uma referência fundamental na obra de James. Ele era um dos intelectuais a participar do Metaphysical Club, o primeiro deles a tecer críticas contundentes a Herbert Spencer e a primeira pessoa tam­bém a pronunciar a palavra pragmatismo, com o sig­nificado novo que ela veio a adquirir na passagem do século XX. Aquilo que mais desperta nossa atenção no momento é a elaboração de um conceito que influenciou de forma decisiva as elaborações pragmáticas de James e sua posteridade: a noção da crença. Por outro ângulo, a título de contraponto, poderemos apreciar o quanto seu experimentalismo originou uma concepção de verdade bastante distinta da jamesiana, a qual considero no presente artigo a que mais se aproxima de uma ética pragmática.

Para Peirce (1990), a única forma pela qual a atividade do pensamento realmente poderia modificar uma condu­ta, o mundo e o próprio pensamento seria o processo de investigação. Só tal empreendimento humano é capaz de produzir as verdades que agem diretamente sobre o mun­do sensível. O autor se pergunta, entretanto, como se inicia este processo, qual finalidade ele busca, e quais os elementos da mente envolvidos no seu desenvolvimento. Com vista à primeira questão, examinemos esta citação:

"Mas na verdade, há apenas um único estado do qual o leitor deve [partir], a saber, o próprio estado de espírito em que o leitor realmente se encontrar no momento em que ele for efetivamente [partir] – um estado no qual o leitor se acha carregado com imensa massa de cognições já formadas, da qual não consegue despir-se mesmo que quisesse: e quem sabe se, caso pudesse fazê-Io, não tomaria o conhecimento algo impossível para si mesmo? O leitor chama [duvidar] o ato de escrever, num pedaço de papel, que duvida? Se a resposta for afirmativa, a dúvida nada tem a ver com qualquer assunto mais sério. Mas não faça de conta: se o pedantismo não lhe corroeu todo o sentido de realidade, reconheça, como se deve fazer, que há muitas coisas que ele não duvida, por pouco que seja" (Peirce 1990 p. 288).

Aquilo de que não se duvida é exatamente de onde se parte neste caminho hipotético e para onde se quer ir. Formulando sob forma de conceito, podemos dizer que a produção de um estado de crença é a única finalidade da atividade do pensamento. Tudo o que estiver aliado ao pensar, mas que não tiver tal objetivo, será por Peirce considerado como pertencente a outro compartimento da mente. "Todas as coisas com que você tem negócios são dúvidas e crenças" (op. cit. p. 288). Todo o seu esquema de transações entre o Homem e o mundo é baseado nestes dois estados alternantes, que produzem verdades provi­sórias. Um estado de crença é um estado de satisfação, de equilíbrio entre o homem e o meio, um estado em que cessam todas as perguntas, em que nos colocamos de acordo com a realidade. Por que tal estado se interrompe a ponto de nos sentirmos sem base sobre a qual nos apoiar em alguns momentos? Essencialmente, dado sua filiação empirista, devido ao fato de que o mundo é um fluxo em constante transformação e como nossas cren­ças são, em última instância, frutos da percepção (op. cit. p. 292), num instante posterior àquilo em que acreditamos já não se adequa de forma tão perfeita à realidade. A dúvida é como que a intrusão do mundo em nossa mente a apontar para a provisoriedade de todos os elementos que compõem a vida.

O mundo deve intervir em nossos processos mentais, porque possuímos a característica psicológica de nos afer­rarmos até onde podemos às nossas crenças. Conclui-se que um estado de crença produz um hábito que, por sua vez, cria disposições para a aquisição de novos hábitos. Esta noção de hábito vem completar o seu modelo e dar uma definição mais operativa ao par dúvida/ crença:

"A crença não é um modo momentâneo da consciência: é um hábito da mente que, essencialmente, dura por algum tempo e que é em grande parte (pelo menos) inconsciente; e tal como outros hábitos, é (até que se depare com uma surpresa que principia sua dissolução) auto-satisfatório. A dúvida é de um gênero totalmente contrário. Não é um hábito, mas privação de um hábito. Ora, a privação de um hábito, a fim de alguma coisa, deve ser uma condição de atividade errática que de alguma forma precisa ser superada por um hábito" (op. cit. p. 289).

De uma forma esquemática podemos dizer que o pro­cesso de investigação se inicia com a dúvida, único móvel poderoso capaz de dissolver com o tempo algo tão gru­dado em nossos olhos como uma rede de crenças, mas é a partir desta mesma rede, em sua relação com o mundo, que nos lançamos no processo árduo de criar novas ver­dades. James dirá mais tarde que as verdades só se "tornam verdadeiras" se modificarem apenas em pequena parte as verdades anteriores.

Segundo Murphy (1990) Peirce é em grande parte de­vedor, quanto à sua teoria da crença, a outro freqüentador do Metaphysical Club, Alexander Bain, o que é reco­nhecido pelo próprio Peirce anos mais tarde: "Em parti­cular, ele muitas vezes instiga a importância de se aplicar a definição de crença, de Bain, como [Aquela que o homem está preparado para agir]. O pragmatismo, nesta definição, é mais escasso que um corolário; assim eu estou disposto a pensá-lo como o avô do pragmatismo." (Murphy 1990 p. 21). Desta maneira estamos introduzindo outra carac­terística que torna a noção de crença pragmática, a idéia de que crença é regra para ação. Preenchemos, então, as três características básicas da crença que seriam para efeito de sistematização:

"1. É algo que estamos conscientes

2. Satisfaz a irritação da dúvida

3. Envolve estabelecer na nossa natureza uma regra de ação, um hábito". (Murphy 1990 p. 25).

Examinemos agora qual noção de verdade brotará de tais formulações. Em primeiro lugar verdade só pode ser definida em termos de dúvida e crença: "Se os termos "verdade" ou "falsidade" usados por você forem tomados em acepções que sejam definíveis em termos de dúvida e crença e de curso da experiência (tal como por exemplo, eles o seriam se você definisse [verdade] como uma crença para a qual a crença tendesse indefinidamente para uma fixidez absoluta) muito bem: nesse caso você só estaria falando de dúvida e crença". (Peirce 1990 p. 288-289). Há dois lados opostos segundo uma visão pragmática pos­terior, contida nesta passagem. Primeiro notamos uma posição anti-idealista bastante interessante, na medida em que a verdade só é o que se pode duvidar. Não há espaço, segundo esta visão, para uma verdade absoluta, inques­tionável, existindo a priori, como correspondendo à coe­rência de nossas representações. Por outro lado, na sua justificação da existência de uma verdade resultado da fixidez absoluta de uma crença, mesmo que em nível ideal, Peirce fica, como diz Rorty (1992B), a meio caminho entre o idealista e o pragmático. Como se constrói esta fixidez absoluta, esta verdade sobre um dado objeto? A resposta conjuga termos como convergência, satisfação e final do inquérito. Sua posição de que as coisas verdadeiras tendem mais a ser consideradas verdadeiras do que as falsas, a partir da percepção, o leva a pensar numa hipótese que, ao final de uma investigação, provou ser generalizável para todos os objetos que lhe dizem respeito, apresenta coerência com a realidade. Tal verdade tende a ser en­contrada por vários investigadores das mais variadas áreas garantindo, a partir de tal convergência, a fixação de uma crença poderosa. Vemos a partir destes postulados que a ciência mantém sua hegemonia na criação da verdade. Seguindo o raciocínio de Rorty (1992B p. 129-130), Peirce postula que um determinado enunciado verdadeiro está ligado por uma relação de correspondência, "represen­tação exata – de como o mundo é", se ao final ideal de uma investigação pudermos assertar que aquele enun­ciado existe. Ele, portanto, não baseia a existência do mundo em nenhuma instância metafísica, fora do alcance da experiência, mas ao dar uma definição positiva da verdade produz uma circularidade eterna no pensamento, além da produção de instâncias normativas que coman­dam todo o sistema de fora dele. Afinal de contas o que é um término ideal de uma investigação? Como ele pode ser definido a partir da própria experiência? O que garante a imanência de uma coisa verdadeira que a faça tender mais à verdade que às coisas falsas? Ou seja, tal garantia só é possível se houver algo fora da crença que assegure função de verdade a ela. E exatamente esta conseqüência que James quer evitar, afirmando que a única definição possível de verdade é uma definição negativa, ou seja, é um mero termo de aprovação às idéias que nos são úteis em determinados contextos. Vejamos como se constrói esta formulação que literalmente nos tira o chão por de­baixo de nossos pés para depois colocá-Io muito mais firme, de forma a podermos nos movimentar com maior liberdade.

Definição instrumental da verdade

Lendo mais atentamente a argumentação de Peirce sobre as razões que o levaram a criar um novo nome para sua doutrina, "pragmaticismo", diferenciando-se dos autores pragmáticos mais difundidos ao início do século XX, além de James, John Dewey e Ferdinand Schiller perce­bemos sem maiores dificuldades as profundas diferenças que o separa destes. Não que as razões apontadas sejam de cunho teórico intransponível, mas ao contrário, oferece a face queixosa de um autor com relação à propagação de sua doutrina, ao menos em que nome, para além dos muros da academia. "Mas atualmente, começamos a en­contrar esta palavra ocasionalmente nas revistas literárias, onde são cometidos com ela os abusos mais impiedosos que as palavras devem esperar quando caem sob as garras literárias… Assim, pois, o autor, vendo este seu filho o "pragmatismo" promovido a tal ponto, sente que já é tempo de lhe dar um beijo de despedida e abandoná-Io a seus destinos mais elevados: enquanto que, a fim de servir aos propósitos precisos de expressar a definição original, o autor anuncia o nascimento da palavra "prag­maticismo", que é suficientemente feia para estar a salvo de raptores" (Peirce 1990 p. 286-287). Anteriormente já havia defendido a idéia de que se mudasse toda nomen­clatura filosófica para facilitar a comunicação. Desta forma "… o nome da doutrina terminaria em [isto], enquanto que [icismo] designaria uma acepção mais estritamente definida daquela doutrina, etc." (op. cit. p. 286). Trago esta passagem para demonstrar uma diferença marcante entre James e Peirce, que não se refere somente aos dois apresentarem pontos de vista distintos, mas antes disso ressalta o lugar de aplicação das idéias, além dos respec­tivos contextos de uso. Peirce produz uma filosofia de laboratório, onde há uma preferência clara pelo modo de operar da ciência, ciência capaz de predizer seus resulta­dos, ciência que é a forma mais evoluída de investigação que o homem já inventou, ciência, por fim, que deve fornecer uma nomenclatura digna de se diferenciar do senso comum, na forma ordenada das idéias claras e distintas. Em James, ao contrário, encontramos uma paixão indisfarçável pelo senso comum, um enorme entusiasmo pelo que o Homem consegue realizar em seu dia-a-dia após a constituição de suas verdades, muito pouca im­portância dada a considerações de cunho valorativo com relação ao pensamento científico, o que o aproxima do segundo Wittgenstein (ver Wittgenstein 1985). Nosso autor nem sempre é assim, todavia através de seu pensamento é perfeitamente viável traçar um recorte deste tipo.

A filosofia pragmática de James produz análises acerca dos variados temas pregnantes na filosofia da época, vou me ater entretanto, a seus dois postulados básicos que são, em minha opinião, aquilo que se mantém mais atual nas discussões de nosso tempo. O primeiro concerne ao que James chama de método:

"O método pragmático é, primariamente, um método de assentar disputas metafísicas que, de outro modo, se estenderiam interminavelmente. E um mundo ou muitos? – predestinado ou livre? – material ou espiritual?… O método pragmático nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando suas conseqüências práticas respectivas. Que diferença prática haveria para alguém se essa noção, de preferência àquela outra, fosse verdadeira? Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática qualquer, então as alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda a disputa é vã. Sempre que uma disputa é séria, devemos estar em condições de mostrar alguma diferença prática que decorra necessariamente de um lado, ou o outro estar correto" (James 1979 A, p. 17-18).

Quanto aos inúmeros exemplos que dá acerca destas discussões metafísicas intermináveis, como materialis­mo/espiritualismo, por exemplo, James se acha impossi­bilitado em encontrar, num primeiro momento, quais conseqüências para a vida diária tais posições acarreta­riam, além de uma disputa intelectual. Ser contrário, por­tanto, ao intelectualismo era sua bandeira, mas não faria sentido tantos pensadores se debaterem ao longo dos séculos por sobre tais questões, sem que isso modificasse diretamente seus cotidianos. Foi aí que ele descobriu um novo viés para dirimir as disputas, sem recorrer ao es­trangulamento provocado pela necessidade de ser determinado ultimamente pela verdade. Aproximando os mo­delos filosóficos do senso comum, James procura delimitar quais os possíveis temperamentos dos defensores de cada doutrina, recolocando a noção de crença como a que sustenta qualquer formulação na área do saber humano. Em que lugar estaria ancorada a crença? Seguramente na parte "menos racional" do comportamento, ou melhor dizendo, é ela que determina qualquer possibilidade de racionalidade. Neste ponto verificamos a entrada para uma nova psicologia. Uma psicologia ainda baseada num certo aspecto de "emocionalidade", entretanto sem o dua­lismo presente na fase anterior ou ainda, James faz jus­tamente uma tentativa de desfazer tais dualidades que só atrapalham o pensamento.

Vejamos, para que o leitor possa se inteirar de meu ponto de vista, qual a nova maneira pela qual James vai examinar a dicotomia de que falávamos:

"Considere-se o caso sinceramente, e diga qual o [valor] de um Deus [se estivesse ali], com sua obra realizada e seu mundo destruído. Não valeria mais nem menos do que aquele mundo valia. Aquela quantidade de resultados, com seus méritos e defeitos mesclados, o seu poder criador poderia atingir, mas não ultrapassar. E visto não haver futuro; visto o valor e significado totais do mundo já terem sido pagos e atualizados nos sentimentos que o acompanharam no transcurso das coisas, e que agora o acompanham no fim das coisas; visto não implicar ne­nhuma significação suplementar (tal como nosso mundo real implica) derivada de sua função de preparar alguma coisa ainda por vir; eis por que então por ele tomamos a medida de Deus por fora. Temos o Ser que pode, de vez por todas, fazer [aquilo]; e por tudo isso somos-lhe gratos, mas não por nada mais. Agora, porém, na hipótese contrária, a saber, que os fragmentos de matéria que se­guem suas leis poderiam fazer o mundo, e menos não fizeram, não devemos ser, do mesmo modo, gratos a eles? Em que sofreríamos perda, então, se abandonássemos Deus como hipótese e tomássemos só a matéria respon­sável? De onde adviria qualquer malefício especial ou prejuízo? E como, sendo a experiência o que é de uma vez por todas, poderia a presença de um Deus torná-Io ainda mais vivo e mais rico?" (James 1979A p. 35-56).

É a função de preparar as coisas ainda por vir que ocupa lugar privilegiado na nova filosofia de James. Esta nada mais é do que a promessa. Uma teoria deve prometer algo a fim de provocar a crença. A aderência a uma rede de crenças é indispensável para o pressuposto básico do método pragmático, a constituição de uma regra para ação, as tais conseqüências práticas. Desvelando as pro­messas embutidas em cada campo teórico, é possível uma escolha mais livre e talvez "mais consciente" por algum em especial. A filosofia é também prospectiva, e, após achar o que o mundo tem sido e feito e cedido, ainda pergunta de quebra: [que promete o mundo?] (op. cit. p. 37). E em algum tipo de satisfação psicológica, mais pro­priamente emocional, que repousa o móvel de nosso pen­samento, que o faz pronto para agir, mesmo que de forma provisória. Mas não é neste caso uma emoção separada ontologicamente da razão, porque o intelectualismo tam­bém traz conseqüências práticas, tudo se traduz em esco­lhas para uma dada descrição.

Se acreditarmos, porém, que existe uma verdade para além de qualquer escolha, que devemos descobrir quais são suas regras de funcionamento, que aquilo que uma teoria promete deve, para ela ser considerada verdadeira, ser exatamente o que o mundo é, independente de qual­quer crença, todas as posições de James tornam-se insus­tentáveis. A estratégia que usou teve necessariamente que levar em conta a dissolução de todas as concepções de verdade presentes até então na filosofia. Concordando com a definição tanto racionalista quanto empirista da verdade como concordância com a realidade, James co­meça a discordar quando avançamos em determinar mais precisamente o significado destas palavras. "Realidade" para ele significa "… fatos concretos ou espécies abstratas de coisas e relações percebidas intuitivamente entre elas. Mais ainda, significam como coisas que novas idéias nos­sas não menos devem levar em conta, o corpo inteiro de outras verdades já possuídas por nós." (James 1979A p. 76). Concordar com a realidade só pode significar "… ser guiado diretamente a ela ou seus arredores, ou ser colocado em tal relação de trabalho de modo a poder operá-Ia ou a alguma coisa que lhe esteja ligada, melhor do que se tivesse concordado." (op. cit.). Portanto, realidade nada tem a ver com matéria ou pensamento, ela pode ser tanto um quanto outro dependendo do mundo em que esteja imerso dado sujeito que nela crê. Verdade é algo que se dispõe para a realização de determinados objetivos, não é nada que vai aparecer ao fim ideal de uma investigação.

Isto leva James a conceber uma idéia verdadeira, sem que este adjetivo demonstre qualquer imanência própria a uma dada representação. Ao contrário, a verdade acon­tece a uma idéia, é um processo que depende basicamente do investigador em contato com uma parte da experiência, ela torna-se verdade. Por que, todavia, a constituição de uma verdade é algo tão indispensável na vida humana? Segundo James, uma idéia verdadeira é um poderoso instrumento de ação, ela nos torna capazes de enfrentar o mundo de forma a termos terreno aonde pisar. Nunca conseguiremos fugir do fato de que ao considerarmos algo como verdadeiro, isto se dá em função dele nos parecer mais útil para lidarmos com alguma dificuldade na vida cotidiana. De que forma a verdade realiza esta função? Para responder esta questão devemos fazer al­gumas considerações preliminares.

O mundo jamesiano é um mundo essencialmente aber­to, como o fluxo de consciência de sua psicologia anterior. E um mundo em constante transformação onde as res­postas de hoje são as perguntas de amanhã. Devido a adesão à hipótese pluralista, de fato são vários mundos, que, entretanto, não podem ser repartidos em pedaços como quer a doutrina empirista mais tradicional. São vários mundos, com unidade e coerência interna, que podem interagir e dessa interação surge a necessidade de novos rearranjos, com a produção de novas verdades. Ao ter contato com um mundo novo, um ser humano se depara por vezes com a inexistência de verdades em estoque para com ele trocar, para agir de acordo com seus princípios de modo a enriquecê-Ia. A única forma plausível de lhe capacitar a agir é associando pedaços de seu mundo e de suas verdades a pedaços deste mundo novo com o qual acabou de se deparar, tendo, como pano de fundo necessário, a rede completa de crenças que determina a forma de aproximação. Quando nossa per­cepção indica que este trabalho foi realizado, que conse­guimos a partir disto realizar em parte a tarefa à qual nos propúnhamos, chamamos as idéias que nos fizeram com que cumpríssemos nosso intento de verdadeiras. A partir daí, além de aumentarmos nosso estoque de ver­dades disponíveis para o futuro incerto, conseguiremos nos movimentar melhor no mundo já conhecido.

Esta parte das formulações de James é profundamente influenciada, como ele próprio reconhece, pelas noções de verdade de Dewey (ver Dewey 1958 e 1980) e Schiller. Ele adere inteiramente ao que chama de conceito de ver­dade Dewey-Schiller. Segundo suas palavras: "Em qual­quer lugar, dizem os professores, a [verdade] em nossas idéias significa a mesma coisa que em ciência. Significa, dizem nada mais que [as idéias (que, elas próprias, não são senão partes da experiência) tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações satisfatórias com outras partes de nossa experiência], para sumariá-las e destacá-Ias por meio de instantâneos conceituais, ao invés de seguir a sucessão interminável de um fenômeno particular" (James 1979A p. 22). A verdade nos transporta, portanto, de uma parte a outra de nossa experiência, adquirindo um valor inestimável para nossa movimen­tação no mundo. Como se dá esta viagem? Em primeiro lugar deve ser dito que não há igualdade valorativa entre os diversos mundos e diversas verdades para determinado sujeito. As idéias verdadeiras demonstraram tanto proveito ao longo da existência que os homens se agarram como podem a elas. Como necessariamente elas não dão mais conta da plena desenvoltura, em função das constantes transformações dos contextos, James aponta duas formas de crescimento do cabedal de verdades: "O caso mais simples de verdade nova é, naturalmente, a mera adição numérica de novas espécies de fatos, ou de fatos novos isolados de velhas espécies, à nossa experiência – uma adição que não envolve nenhuma alteração em nossas velhas crenças" (James 1979A p. 23). "Freqüentemente, porém, os conteúdos do dia obrigam a um reagrupamen­to… Uma opinião nova conta como [verdadeira] na pro­porção que satisfaz o desejo do indivíduo no sentido de assimilar a verdade em sua experiência às suas crenças em estoque. Deve tanto cingir-se à verdade velha quanto abraçar o fato novo; e seu êxito (como já disse há poucos instantes) em cumprir o programado é matéria para apre­ciação individual… a idéia nova que é mais verdadeira é a que perfaz de forma mais feliz sua função de satisfazer nossa dupla urgência". (op. cit. p. 24). Verificamos que se trata fundamentalmente de manter diferencialmente os padrões das verdades já adquiridas, mas a direção em que se muda determina rupturas por vezes inesperadas. O modelo difere da acumulação quantitativa de co­nhecimento postulada pelo positivismo justamente neste ponto.

James, entretanto, dá um passo a mais que se tornou extremamente polêmico, na sua caracterização dos pro­cessos-verdade. Trata-se da sua noção de verificação. Após oferecer uma jogada que se mostrou suficientemente jus­tificada, a de fazer coincidir a verdade com seu significado, seja na linguagem ordinária, na ciência ou na escolástica, James acaba por restringi-la a alguns significados especí­ficos. "… as idéias verdadeiras são aquelas que podemos assimilar, corroborar, validar e verificar" (op. cit. p. 72). A verdade é aquilo que inicia o processo de verificação, nos demonstra que estamos diante de uma condução para outros lugares da experiência que realmente valem à pena. Quando o processo se completou e a ação no mundo se mostrou útil, dizemos que uma idéia foi veri­ficada. Através de quais maneiras leva-se a curso um processo deste tipo? A verificação pode ser direta, ou seja, o simples reconhecimento do objeto. Mas não se enganem. Os objetos para James não se restringem aos sensorial­mente percebidos. "Por [realidades] ou [objetos] entende­mos aqui, coisas de senso comum, sensivelmente pre­sentes, ou outras relações de senso comum, tais como datas, distâncias, tipos, atividades". (op. cit. p. 74).

O autor reconhece que tais formas completas de ver­dades verificadas constituem a imensa minoria das ver­dades presentes nas vidas empíricas. Definir como se constituem as crenças sem verificação completa é algo que se mostrou absolutamente necessário. Sua hipótese é que a maior parte das verdades sejam transmitidas através da cultura, da história e da sociedade. Daí o grande valor do senso comum que havia apontado anterior­mente. E ele que nos fornece as verdades mais sólidas e mais antigas, verdades que em contato com o mundo determinaram a existência das outras. O homem que vive em sociedade construiu um imenso comércio de verifi­cações, o que constitui o cabedal lingüístico disponível. "A verdade vive, de fato, na maior parte, à custa de um sistema de crédito". (op. cit. p. 74). Só as verdades que se mostram insuficientes para lidar com as novas reali­dades é que devem se submeter ao deslocamento carac­terístico do processo de verificação. Geralmente estes pro­cessos têm por resultado o estabelecimento de novas idéias-verdade. Portanto, este ponto sutil da teoria jame­siana deve ser bem apreendido. Se antes James dizia que a verdade é um processo, que ela acontece a uma idéia, mas deixava em aberto qual tipo de processo se colocava em questão, posteriormente ele vai nomear e oferecer regras claras para sua atuação. Ele encontra um ponto comum, talvez uma essência para tornar-se verdade a qualquer idéia. Exatamente este aspecto despertou enorme onda de críticas. Murphy (1990), por outro lado, aponta para a ambigüidade deste termo, verificação, na linguagem ordinária, como o principal argumento de defesa desta tese jamesiana. Segundo este autor existiriam 4 significa­dos principais:

"Para verificar algum fato pode significar quaisquer das seguintes coisas:

1. Provar a verdade de algo; confirmá-Ia

2. Averiguar a verdade, autenticidade ou precisão

3. Atuar como última prova ou evidência; ajuda a confirmá-la

4. Confirmar por juramento

O mecânico verificou que a bateria estava descarregada (sentido 1). O guarda verificou nossas licenças de caça (sentido 2). O desempenho de Spud Webb na última reunião verificou que homens baixos podem jogar na NBA (sentido 3). A próxima testemunha verificou a ale­gação que acabava de ser feita (sentido 4)". (Murphy 1990 p. 54). E pela restrição dos significados que a maioria dos autores começam suas críticas, geralmente se atendo aos sentidos 1 e 2. Portanto, não há qualquer essência, ou definição positiva de verdade a partir de seu processo de verificação. O mesmo não ocorre, na opinião de Rorty (1992B), a partir da noção de justificação. Segundo sua análise, James poderia prescindir da idéia de verdade na medida que havia encontrado uma melhor – a noção de justificado. Desta forma ele forneceria uma definição po­sitivada, que diria o que a verdade é, permitindo uma apropriação idealista, que uniria verdade com correspon­dência e coerência.

Procurando sistematizar aquilo que analisamos acerca dos dois postulados básicos do pragmatismo de James, podemos dizer:

1. Que esta doutrina se caracteriza fundamentalmente pela existência de um método (apreciar uma idéia através de suas conseqüências práticas) e uma teoria genética sobre a verdade.

2. Que a posse de uma verdade, ao invés de ser um fim em si mesma, é um poderoso instrumento de ação, que serve para outros fins vitais.

3. Esta ação que corrobora a existência de urna verdade, é seu processo de verificação.

4. Verdade coincide com seu significado na linguagem e nesta serve apenas corno termo de aprovação para as idéias que demonstraram utilidade ao longo da experiên­cia.

Resta ainda um ponto muito discutido acerca de quais finalidades são estas e quais os critérios que garantiriam esta adequação da verdade com a experiência. Será a evolução filogenética? Serão as exigências da razão? Tanto Rorty quanto Murphy (e por um outro ângulo, Derrida 1991 e Putnam 1992, este quando se refere à concepção de prosperidade humana sempre implícita numa asserção factual) apontam para a preeminência dos enunciados éti­cos. Para James é claro, a verdade é um bem (James 1979A), ou seja, ela deve se conformar ao critério usado pelo sujeito para definir o que, é um bem, se remete a todo o seu campo de valores. É um termo basicamente formado de valor, mas quais serão estes valores, isto deve permanecer em aberto. Isto completa minha definição ja­mesiana de verdade: "What is true in our way of thinking is the production of beliefs that prove themselves to be good, and good for definite, assignable reasons" (Murphy 1990 p. 57).

James depois de dar o passo gigantesco no sentido de definir verdade corno um mero termo aprobatório, advo­gando que as escolhas por tal ou qual doutrina deveriam ser pautadas tanto naquilo que ela promete quanto no que ela se harmoniza com nossos estoques de verdades disponíveis, fez suas próprias escolhas. Não necessitamos segui-Io em todas as direções, principalmente porque nos­sas verdades nem sempre coincidirão com as dele. O pequeno trecho que se segue deveria ser um capítulo à parte sobre algumas dessas escolhas, mas o leitor deverá se contentar com um breve comentário acerca das suas definições de em­pirismo e humanismo.

A relação de James com o empirismo é muito particular, pois ele mesmo afirma corroborar com a maioria de suas teses, entretanto as contradições a este nível são impor­tantes. A começar pelo fato de que dissolver disputas metafísicas, seu objetivo programático, significa colocar em xeque boa parte dos postulados empiristas mais tra­dicionais, que sem dúvida afirmam a existência de urna verdade, mesmo que ideal, determinante e causa dos com­portamentos humanos, a tal verdade explicativa contra a qual ele se insurgia. A primeira conferência de seu "prag­matismo" tem um desenvolvimento com final inesperado. Ao definir o temperamento base dos defensores de ra­cionalismo e empirismo, James parece querer demonstrar que esta é uma disputa, se colocada naquelas bases, in­telectualista e vazia. Curiosamente ao final, afirma que seu pragmatismo está mais próximo de empiristas e até mesmo positivistas, contra o intelectualismo racionalista. James coloca sua filosofia tendo corno principal interlocutor o pensamento apriorístico, característico do racio­nalismo. E sua pouca valorização da experiência, e ten­dência a privilegiar a inércia inicial do absoluto e eterno característicos desta tradição, que funcionam corno razões manifestas para ele tornar tal atitude. Ao realizar um redimensionamento histórico do pragmatismo, James en­contra raízes desta forma de pensar, ainda que de forma pouco sistemática, nos empiristas anglo-saxões corno Locke, Berkeley, os dois Mill e Hume. Mais tarde nos "Ensaios em empirismo radical" ele fornece seus argu­mentos para assim denominar sua doutrina:

"Dou o nome de [empirismo radical] à minha Wel­tanschauung." "O empirismo é conhecido corno oposto ao racionalismo. O racionalismo tende a enfatizar os uni­versais e a construir os todos anteriormente às partes tanto na ordem da lógica corno na do ser. O empirismo fundamenta a ênfase explanatória nas partes, no elemento, no indivíduo, e trata o todo corno urna coleção e o universal como abstração. Minha descrição das coisas, conseqüen­temente, começa com as partes e faz do todo um ser de segunda ordem. É essencialmente uma filosofia de mo­saicos, de fatos plurais, corno a de Hume e seus descen­dentes, que não referem estes fatos nem a substâncias às quais eles seriam inerentes, nem a urna mente absoluta que os criaria corno objetos seus" (James 1979B p. 188). Mais adiante ele continua. "Ora, o empirismo comum, a despeito do fato de que as relações conjuntivas e disjun­tivas se apresentam corno sendo partes totalmente da experiência, sempre mostrou urna tendência a abandonar as conexões das coisas e a insistir principalmente nas disjunções" (op. cit.).

James chega a insistir no fato de que sua filosofia privilegiará os aspectos conjuntivos, transformando o seu mosaico, corno já vimos, em urna coleção de mundos inteiros, e não de pedaços de mundo. Também me parece que ele se define como empirista radical, concordando apenas com alguns traços desta doutrina mais geral, pro­vavelmente porque não dispunha de uma visão sobre a linguagem, que o capacitasse a perceber como o Homem se relaciona com o mundo. Mesmo afirmando que o mun­do é composto por várias unidades de discurso (James 1979A p. 47), ou que a verdade se estrutura verbalmente (op. cit p. 77), James foi levado a relacionar experiência com sentidos e se aproximar do empirismo, embora não aproxime sentidos de conhecimento através de sensações. Portanto, o aspecto mais valorizado do empirismo que fez James assim se definir, era seu estabelecimento dos fatos através da experiência, fatos que para serem consi­derados como tais devem ser acessíveis aos órgãos dos sentidos. Como não acreditamos que exista uma essência nesta doutrina filosófica, podemos tranqüilamente aceitar tal definição.

Quanto ao seu humanismo, devemos dizer rapida­mente, que ele é algo definidor por excelência de seu pragmatismo. Isto simplesmente significa que, segundo sua concepção, tudo o que existe para ser conhecido leva a marca do Homem, sua presença está em todas as coisas, suas crenças informam qualquer possibilidade de captação pelos sentidos, o que se coloca diretamente contra a tese realista, ou melhor como diz Rorty (1992B), não há espaço para um debate entre realismo e anti-realismo numa dis­cussão sobre a verdade. Isto não quer dizer, como querem os idealistas, que o mundo não exista independente da mente humana, porque ele mostra sua presença em todos os momentos, mas o Homem é igualmente parte deste mundo e funciona como única forma de contato para com ele. Esta denominação de humanismo, James a toma emprestado de Schiller, "Schiller dá ainda a toda essa concepção de verdade o nome de humanismo, mas, para essa doutrina, o nome de pragmatismo parece razoavel­mente estar em ascensão, com o que eu tratarei sob o nome de pragmatismo nessas conferências" (James 1979A p. 25). Isto sem dúvida o faz precursor da virada lingüística da filosofia no século XX, na medida em que, o que permite ao Homem estar em todos os lugares é justamente a linguagem.

Conclusão

Procurei demonstrar os significados diversos destas duas teorias jamesianas. O seu ponto de contato talvez seja o de concentrar esforços numa "cruzada antiintelec­tualista", em fazer repousar o comportamento humano em outras bases que não uma racional pura, inacessível. Quando avançamos, porém, verificamos que o vocabu­lário presente nestes dois momentos de sua obra apre­sentam mais aspectos disjuntivos que conjuntivos. Isto porque sua concepção de verdade posterior dispensa qual­quer sistematicidade unívoca, na medida em que são vários os mundos inteiros que se apresentam para expe­riência, não havendo lugar para emoções universais, constituídas a partir de um reducionismo fisicalista. A explicitação das noções de verdade presentes nos diversos sistemas terapêuticos do campo psiquiátrico-psicológico se faz de suma importância e deve constituir-se em área prioritária de investigação.

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