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A tarefa da Psicanálise II – Entendendo seu funcionamento

Na prática da clínica psicanalítica são recorrentes as interpretações que não levam ao resultado esperado, através de insights do paciente e, em conseqüência, à uma cadeia elaborativa. Além da frustração experimentada pelo psicanalista a partir desse acontecimento, esse passa a se perguntar se houve falha na comunicação do recalcado, no “timing” ou qualquer outro fator. Impõe-se a indagação: onde foi que o comunicado caiu no vazio da resposta afetiva, ou longe daquilo que Freud chamou de ab-reação, que é quando o entendimento encontra a emoção (afeto)?

“A Psicanálise é um instrumento que capacita o ego a conseguir uma progressiva conquista do id”.( Freud – “O ego e o id” – Vol. XIX – pág 72)

Para iniciarmos uma tentativa de compreensão desse fato clínico, preliminarmente teremos que entender alguns conceitos em teoria psicanalítica, os quais levarão à uma prescrição da técnica em concordância com seu método. Seguindo essas pistas, que não são poucas, nos será possível compreender a falácia que está colocada em muitas apresentações pretensamente psicanalíticas, segundo o modelo daquilo que Sigmund descreveuem seu texto intitulado “Psicanálise Silvestre” [ou Selvagem] S. Freud – Obras completas – vol XI.

 


Sobre as Emoções Inconscientes

*Textos de Freud: “O Inconsciente” e “Repressão” (vol. XIV); “O Ego e o Id”(vol.XIX)

· Podemos apenas referir-nos a um impulso instintual (pulsional), cuja representação ideacional é inconsciente, ou seja, recalcado = idéia.

· A possibilidade do atributo da inconsciência seria completamente excluída no tocante às emoções, sentimentos e afetos.

* Inexistência de afetos inconscientes.

· Processos inconscientes só se tornam cognoscíveis através do sonho ou da neurose (substitutos).

· O Ego é uma estrutura que se desenvolve a partir do Id. O Superego é uma subestrutura do Ego (herdeiro do Complexo de Édipo – Superego)

· Todos os processos que obedecem ao Processo Secundário, que podem ou não ser conscientes, formam o Ego.

· Todos os processos que obedecem ao Processo Primário formam o Id.

Sobre o duplo registro:

“Ouvir algo e experimentar algo são, em sua natureza psicológica, duas coisas bem diferentes… .” (S. Freud)

Entendido os principais postulados teóricos, que nos servem como um mapa orientador, poderemos caminhar com maior segurança pelos caminhos transferenciais que trazem, junto a eles, todas as formas de defesa, desde o recalcamento(amnésia infantil) até o característico deslocamento, tão importante na formação do sintoma e na realização da formação de compromisso nele existente e operado pelo ego. Se um psicanalista, ou mesmo um terapeuta que efetue psicoterapia de orientação psicanalítica(POA), não for dotado de conhecimento aprofundado de tais conceituações, facilmente será tentado a efetuar algo que a tornará (a psicanálise) inoperante ou, até mesmo, prejudicial.

Freqüentemente temos noticias de sujeitos, analisados ou não, quecostumam fazer de suas vidas uma constante repetição e que, como regra, desembarcam em “portos” sempre muito semelhantes e em situações parecidas. Sobre isso, diz Freud:

“ Assim, encontramos pessoas em que todas as relações humanas têm omesmo resultado…”ª

“A impressão que dão é de serem perseguidas por um destino maligno oupossuídas por algum poder demoníaco; a psicanálise, porém, sempre foi de opinião de que seu destino é, na maior parte, arranjado por elaspróprias e determinado por influências infantis primitivas”ª

ª -( Freud – in “Além do Princípio de Prazer” – vol XVIII)

É factível que possamos entender tal “padrão” via uma repetição que não se desintegra frente a uma simples interpretação.

“O informar ao paciente aquilo que ele não sabe porque ele reprimiu, é apenas um dos preliminares necessários ao tratamento. Se o conhecimento acerca do inconsciente fosse tão importante para o paciente, como as pessoas sem experiência de psicanálise imaginam, ouvir conferências ou ler livros seria suficiente para curá-lo. Tais medidas, porém, têm tanta influência sobre os sintomas da doença nervosa, como a distribuição de cardápios numa época de escassez de víveres tem sobre a fome. A analogia vai mesmo além de sua aplicação imediata; pois, informar o paciente sobre seu inconsciente redunda, em regra, numa intensificação do conflito nele e numa exacerbação de seus distúrbios” (Freud in “Psicanálise Silvestre” – Vol XI, pág 211)

Quando a psicanálise não funciona, ou seja, não traz aspectos modificadores para a vida do analisando, poderemos cogitar de resistências que se constroem ao invés de ceder lugar à novas formações. Para entendê-la (a resistência) e trabalhar para sua dissolução, deverá o psicanalista, primeiramente, acessar sem contra-resistência o afeto para a comunicação na (re)vivência da transferência. Apenas em tal hipótese fará sentido elaborar ou entender o conteúdo desse tipo de ocorrência em curso na análise.

A repetição é outro conceito sobre o qual se debruça o psicanalista, sem ele nada entenderá. Ao mesmo tempo em que terá que dissolvê-la, não trabalhará sem o seu aparecimento. De nada adiantará comunicar aquilo que a resistência transformará em repetição, se não houve suficiente aproximação emocional. O entendimento intelectual sobre o conteúdo do recalcado sem a aproximação afetiva levará, inevitavelmente, para a prisão dentro da dinâmica dele próprio. Assim, teríamos como uma saída, uma tentativa de trabalho terapêutico, naquilo que Freud descreve:

“Os pacientes repetem na transferência todas essas situações indesejadas e emoções penosas, revivendo-as com a maior engenhosidade.”ª

O entendimento de tais pontos torna-se necessário, principalmente quando pensamos em manter a psicanálise como algo que não seja tão somente educativo (embora Freud reconhecesse algum traço desse aspecto na psicanálise), ou mesmo com caráter normativo, mas sim, e prioritariamente, como a fala por onde emerge o desejo. Desejo este o grande mote de toda a ação, seja ele manifesto ou latente, aceito na consciência ou expulso dela, pelo recalque. Não há regras na gradação entre o normal e o patológico, como Freud deixou demonstrado, seria apenas uma questão de quantidade e não de qualidade, o que envolve a diferença entre uma definição e outra.

Não somente os núcleos patogênicos se atualizam na relação transferencial, mas também tudo aquilo que nos serviu, um dia, de modelo para nossas relações com a realidade e com o outro, investido pela libido e transformado em objeto, no sentido de ligação.

“Há, portanto, bons motivos para que uma criança que suga o seio da mãe se tenha tornado o protótipo de toda relação de amor. O encontro de um objeto é, na realidade, um reencontro dele”. (“Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” – Freud – Vol VII)

Entender esse aspecto na leitura psicanalítica fará dela algo realmente propiciador da capacitação do ego na tomada do id, que muda e transforma esse sujeito que busca a clínica enquanto intervenção(que quebra para possibilitar novas associações). Se ele puder, com seu acompanhante de viagem, o psicanalista, recordar, repetir e, finalmente, elaborar, fará sentido essa “viagem” que empreende pelos conteúdos de seu Inconsciente, quase sempre deformados pelos vários mecanismos de defesa dos quais se utiliza o ego na tentativa de satisfazer a seus dois senhores: o id e o superego/realidade.

Essa é a “viagem” para a qual uma psicanálise bem conduzida convida. Aceitar tal convite é empreender o rumo do desconhecido, daquilo que tomou antes, o lugar do oculto. Ao mesmo tempo em que não há mágica, existe todo um encantamento, ditado pelos matizes da transferência. Aceitar ou não o convite será sempre uma escolha pessoal. Dessa forma, freqüentar um divã nem sempre será garantia de empreendê-la, por mudez inconsciente de quem a busca ou surdez inconsciente de quem a encaminha.

O que faz com que a psicanálise desperte em muitos, reações intensas, de muita paixão ou de muita aversão? O que há por trás de suas propostas que mobiliza tanto e tantos? O que há de levar até ao divã, e a uma escuta atenta, esse homem contemporâneo?

Temos aqui, de artigo em artigo, feito a tentativa de montarmos nosso “quebra cabeças”. Ao poucos, talvez, possamos vislumbrar, ainda que muito longinquamente, a lógica da psicanálise perante a organização do desejo na cultura do sujeito psíquico contemporâneo. Ou talvez não – e acabemos por nos perder frente ao labirinto do indecifrável. De qualquer maneira, ao empreender essa viagem pelos questionamento, quem saberá se, ao final, nos encontremos mais cientes de nossas possibilidades e impossibilidades? Vale a tentativa! Para isso aplicar-se-á uma busca de autonomia da escuta, que se traduz em fala comprometida com tudo que possa dar pistas do que há no cerne da psicanálise, na emoção que a funda, ou que a fundou. Naquilo que choca e espanta, o que não se fala sem sussurrar. Do que, na concepção de tantos, a psicanálise estaria se afastando ou estaria já totalmente banida. Vamos, aos poucos,descascando nossa cebola, como nos alerta Freud – resistência a resistência, jogada a jogada, como em um jogo de xadrez, imprevisível a partir de seu início.

Ou, ainda, como nos alerta Georg Groddeck (transcrito in Freud “O ego e o id” vol XIX): “…nós somos ‘vividos’ por forças desconhecidas e incontroláveis”

Esse é nosso sujeito em análise (in “Questionamos a Psicanálise e suas Instituições” –“Sobre o Inconsciente, a contra-transferência e outros temas também espinhosos. Alguns Problemas Atuais do Papel do Analista” – J. Carlos Pla):

“Busca quem o ajude a recuperar a palavra significativa, que a devolva-lhe em nome do que sente que dele tiraram, quem o ajude a entender como não foi o sujeito que agora sente ou pressente que pode ser.”

 

 

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