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Endorfinas naturais – algumas considerações

Tempos atrás, ouvi de um amigo, profissional da área da saúde, mais particularmente da psiquiatria, da importância do ser humano poder produzir seus ansiolíticos e antidepressivos naturais. Causou-me certo espanto, uma vez que se trata de um profissional extremamente competente no domínio da psicofarmacologia e que usa desse conhecimento na sua prática médica diária com total e reconhecida maestria.

Embora eu seja também um profissional da área da saúde, psicólogo clínico por formação e psicanalista por especialização, confesso que ouvi aquelas palavras com um certo descrédito, pelo menos para aqueles que não tem qualquer acesso aos profissionais da área nem nas instâncias governamentais, quiçá no âmbito particular.

Sem nenhum acesso a algum tipo de abordagem psicoterápica, sem entrar no mérito quanto às variações existentes, como poderia um ser humano comum,  sem ajuda, desenvolver seus próprios ansiolíticos e antidepressivos naturais? A triste realidade nos mostra que, muitas vezes, as drogas chamadas lícitas são substituídas pelo uso e abuso do álcool e das drogas denominadas ilícitas.

Ocorre que tais pessoas acabam adentrando a uma "bola de neve", uma vez que, chegando à suas casas alcoolizados, muitas vezes brigam com esposa e filhos, perdendo o casamento e o contato com os filhos. Esse estado de coisas é profundamente propício para que se vá embebedar novamente, agora com bebidas mais fortes e em maior quantidade.

Muitos, frente a uma verdadeira "sinuca de bico" na qual se encontram, se apegam com todas as suas forças às várias seitas religiosas, atualmente em processo de franca ampliação em número, cada uma oferecendo benefícios, os mais variados e soluções mirabolantes em troca de contribuições, as quais muitas vezes chegam a dilapidar o patrimônio, embora exíguo, que uma pessoa levou anos para amealhar. Então, isso nos leva novamente à pergunta que não quer calar: como será possível se conseguir um estado de espírito favorável em meio a tantos impedimentos das mais variadas ordens?

Estamos há anos luz de defender uma visão maniqueísta entre os antagônicos bem e mal; a sorte e o azar, etc. Acreditamos que o ser humano tem como única saída genuína e factível, de se voltar para a sua própria essência, que não é boa nem é má, e tentar dentro deste mix, capitalizar a seu favor, o que de melhor ele tem, e que é, absolutamente inalienável e intransferível.

Parece-nos que o caminho seria uma volta às origens antes que, o que havia de melhor, tivesse se perdido em alguma curva do caminho. Há não muito tempo em uma sessão com um paciente, em determinado momento, me disse: "Eu pensava que era sozinho por opção, e hoje vejo que sou sozinho por falta de opção". A bem da verdade, esta frase não deve ser tomada de maneira melancólica, nem derrotista, mas sim num sentido de encararmos uma verdade que nos pertence e que é a de que, quanto aos nossos sentimentos e emoções, ninguém pode senti-los por nós.

Por exemplo, na dor de uma perda, podemos ter várias pessoas nos acompanhando, tentando nos dar "aquela força", o que é muito válido, porém a dor da perda é nossa e não podemos dividi-la com absolutamente ninguém. Penso que não devemos fazer como o avestruz, que frente a um perigo, tenta enfiar a cabeça num buraco, mas o corpo todo fica de fora.

Quanto mais fugimos dos nossos sentimentos, mais eles nos perseguem e podem nos atingir de várias maneiras, como manifestações de ansiedade ou angústia, ou com aqueles que, em psicanálise, são os equivalentes somáticos da angústia. Existe aqui uma plêiade muito variada, como, sudorese, taquicardia, dispnéia ("falta de ar"), alterações da libido, etc.

Ou seja, como dizia Freud em uma frase emblemática de seu pensamento: "quando o indivíduo se cala, ele fala pela ponta dos dedos". Quantas pessoas são afastadas do trabalho e do seu ciclo social e muitas vezes medicadas até ficarem dopadas, quando na verdade precisariam ser ouvidas, que lhes fosse dada a devida atenção para o sofrimento pelo qual estão passando. Quantos pais não se conformam por, em épocas como o Natal, por exemplo, não poderem dar a seus filhos o brinquedo que eles lhe pediram. Isso porque muitas vezes estão desempregados e lhes falta até o que comer.

Contudo, a cada ato que não podem praticar, vão criando todo um sentido de revolta interna a qual, ou sai fazendo com que o sujeito exploda, brigando no trânsito, ou em casa, ou imploda, adoecendo psicossomaticamente. Seriam os afetos sendo exteriorizados, através do próprio corpo. A desigualdade social, a má distribuição de renda, os escândalos veiculados pela mídia nas instâncias superiores governamentais, acabam fazendo com que muitos indivíduos, depois de lutarem até a exaustão, acabem "jogando a toalha" e desistindo da luta, o que pode redundar num sentimento de apatia, abulia geral, ou num processo de auto-destruição, fazendo cada vez mais o uso do álcool e das drogas, alimentando-se muito mal e entrando num processo de esfacelamento do ser.

Por fim, este texto teve como objetivo precípuo dar vazão a algumas reflexões e, porque não dizer, angústias de um profissional que escolheu como meta de vida, se ocupar das dores alheias, mas que para que isto ocorra, tem que entrar continuamente em contato com suas próprias dores.

Na conjuntura que nos cerca, torna-se muito difícil sermos extremamente otimistas, mas quero aqui deixar registrado novamente que, a meu ver, existe uma e tão somente uma saída, difícil, mas possível, o resgate da individualidade, da subjetividade, da essência, de tudo aquilo que nos constitui como sujeitos humanos e que temos que lutar com todas as nossas forças para não sermos engolidos pelo sistema dominante.

Em vez de ficarmos  olhando tanto para as injustiças da vida, proponho que olhemos mais para a nossa vida, para as nossas origens; que retomemos o caminho para, a partir daí, verificar se algo pode ser mudado. A serenidade tem que ser encontrada dentro de nós e não procurada fora, pois essa é uma utopia e, sendo assim, nunca será encontrada. 

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