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A morte anunciada da Síndrome da Fadiga Crônica – Parte II

Diagnóstico Diferencial (resumido)

Segundo a CID-10 "em muitos paí­ses a neurastenia não é mais uma catego­ria diagnóstica geralmente aceita de doen­ça neurótica, e muitos dos casos assim diagnos­ticados no passado atenderiam aos critérios atuais de distúrbio depressivo ou distúrbio de ansiedade. Entretanto, pode existir um resíduo de casos que se enquadram melhor na descri­ção da neurastenia do que na de qualquer ou­tra síndrome neurótica, e tais casos parecem ser mais freqüentes em algumas culturas do que em outras. Se é para ser adotada a categoria diagnóstica neurastenia, deve-se antes fazer uma tentativa de excluir a possibilidade de es­tar diante de uma doença depressiva ou de um distúrbio de ansiedade. A marca genuína da sín­drome é a ênfase do paciente na fatigabilidade e na fraqueza, e sua preocupação com uma efi­ciência física e mental diminuída (em contraste com distúrbios somáticos nos quais as queixas corporais e a preocupação com a doença física dominam o quadro), Se a síndrome da neuras­tenia se desenvolve como conseqüência de uma doença física (especialmente influenza, hepatite viral, ou mononucleose infecciosa), o diagnós­tico desta última deve também ser registrado."

Temos que distinguir a neurastenia: da hipo­condria, das depressões, de quadros de fraque­zas, de anedonias que aparecem após alguns episódios psicóticos, como também das doen­ças infecciosas, principalmente certas infecções crônicas ou subagudas, tais como a brucelose, mononucleose infecciosa, virose por Eps­tein-Baar etc., distúrbios endócrinos como no hipo e hipertireoidismo, doença de Addison, pa­nhipopituitarismo, doença de Simmond e tam­bém numa série de distúrbios metabólicos par­ticularmente aqueles que envolvem o potássio e os produzidos por certos diuréticos. No entan­to, poderíamos falar também de uma síndrome neurastênica presente secundariamente tanto em patologias mentais quanto em orgânicas.

A fadiga pode ser definida como um estado corporal resultante de um esforço físico ou men­tal, prolongado ou repetido que irá se refletir em várias funções psíquicas, físicas, levando-as a re­duzir sua performance, seja em quantidade ou em qualidade. Assim, por exemplo, conhece­mos a fadiga da contração muscular que tem si­do muito descrita entre os estudos da fisiologia.

A fadiga mental pode trazer uma diminuição da capacidade de concentração ou de fixar a atenção levando freqüentemente a uma redu­ção da capacidade de memorizar (hipomnésia de fixação) ou mesmo de evocar. Esta alteração pode ser medida através de testes que avaliam a capacidade e o conteúdo da atenção e a sus­cetibilidade à distração. Assim, a fadiga pode ser medida nas pessoas normais, do ponto de vis­ta físico, no trabalho mental, em funções de vi­gilância (que estarão todas afetadas) e nas per­formances de tarefas de percepção (Jain, 1983). Fatores da personalidade têm uma importante participação nas queixas de fadiga. Se a fadiga é uma resposta fisiológica, uma percepção psi­cológica ou sintoma de uma doença física ou mental, estes são questionamentos não escla­recidos.

Um aspecto importante para a clínica psi vem a ser a relação entre a fadiga das funções psicopatológicas e os estados mentais anor­mais. No futuro, estudos sobre a fenomenolo­gia da fadiga (que ainda não foram feitos) pode­rão diferenciar os sintomas de fadiga encontra­dos na depressão, na ansiedade, em quadros pós-encefalíticos, pós-traumáticos, além das outras causas já citadas.

Após os trabalhos de George Beard todos os ­estudos e atenção sobre a astenia eram voltados para seus aspectos psicológicos, porém a partir do primeiro quarto deste século, a aten­ção sobre a fadiga foi deslocada para a preocu­pação que as pessoas portadores destes sintomas tinham para com o corpo ou algum órgão, isto é, aquilo que vem a ser chamado hipocon­dria. Nas revisões de Wood e de Jones Lewis (1941), os distúrbios funcionais em soldados fo­ram concentrados nas queixas somáticas hipo­condríacas, enquanto os sintomas psicológicos que haviam sido descritos por Beard, Kraepe­lin, Charcot e tantos outros passaram a cair no esquecimento. Já nos anos 80, os sintomas de fadiga foram monopolizados pelos infectologistas, imunologis­tas, clínicos gerais, neurologistas, epidemiolo­gistas, onde os artigos que mais chamavam a atenção eram aqueles ligados à fadiga pós-vi­ral ou encefalomielite miálgica, entre outros (Be­han & Behan, 1980; Behan, 1985; Hamser, 1986).

A fadiga parece ter várias causas, mas alguns autores acham que existe uma síndrome de fa­diga primária, onde não se conhece nenhuma causa física ou mental para ela. Holmes, Kapla, Gantz descreveram a síndrome de fadiga crôni­ca. A sua definição requer o preenchimento de dois critérios maiores e de seis a 14 critérios me­nores. Os critérios maiores consistem de:

 1) o início ou o retorno de uma persistente e de­bilitante fadiga que não é solucionada com o re­pouso ao leito ou com uma redução da ativida­de diária para um nível menor do que a metade das atividades realizadas pelo paciente antes de adoecer, por pelo menos seis meses;

2) a exclusão de outras causas conhecidas que possam provocar sintomas semelhantes tais co­mo infecções específicas, neoplasma, distúrbios da psiquiatria ou doenças endócrinas.

O The Minor Criteria incluem: febre modera­da, irritação na garganta, fraqueza muscular, mialgias, artralgias, cefaléias e sintomas neurop­sicológicos.

Ao se tentar fazer uma revisão sobre as pos­síveis causas de fadiga crônica, tem-se logo a impressão da impossibilidade de serem citados todos os fatores envolvidos neste estado. Des­taco os fatores psicológicos, como dificul­dade de inserção profissional, problemas fami­liares cuja persistência contribui freqüentemen­te para desencadear um estado de tensão e que vai levar como conseqüência, a um cansaço crô­nico, a persistência de uma infecção difícil de iden­tificar no qual a astenia poderia eventualmente ser o único elemento, como um foco de salmo­nela ou estafilococo ou um foco de brucelose; existência de um estado de hiperergia, causa de efeitos nefastos como no caso da evolução de certas bruceloses; de uma causa orgânica subjacente não diagnosticada e que poderia ter já favorecido o desencadeamento de infecção, como no caso a infecção por listeria ao qual su­gere muito especialmente a se buscar uma doença imunossupressora; uma perturbação metabólica descompensada, como no caso a diabete e a hipercalcemia.

Entre as causas endócrinas cito a doen­ça de Addison e também a sua reprodução pela redução ou abrupta interrupção de corticosteróides em pacientes submetidos a tratamento a longo termo (Hennemann & cols., 1955). O exercício pa­rece freqüentemente produzir alterações endó­crinas provocando a elevação das catecolami­nas circulantes, do hormônio de crescimento, corticotrofina, cortisol e glucagon, com a dimi­nuição da insulina e da testosterona (Dessybris & cols., 1976). Podeliahoff (1981) relata em seus es­tudos com 25 pacientes com fadiga crônica comparados com grupo-controle, um com baixo nível de cortisol pela manhã. Já Checley & Krammer (1987) relataram, em pacientes deprimidos, uma alteração da elevação normal do cortisol plas­mático induzido pela anfetamina, sobretudo na insuficiência cortical da supra-renal que compor­ta uma parte importante da fadiga. Entre outros fatores, intervém aqui a carência em glicocorti­cóides. O resultado é uma perturbação da utili­zação da glicose pela célula, um defeito de fos­forilação, diminuindo a síntese de ácido lático. É necessário ter também em conta a deficiên­cia mineral a qual provoca modificação da per­meabilidade da membrana celular. A insuficiên­cia medular da supra-renal intervém através da ação proteolítica e glicolítica das catecolaminas. Estas provocam normalmente um aumento da ação da adenilciclase celular. A insuficiência ti­reoidiana leva a uma baixa do anabolismo pro­téico com uma diminuição do metabolismo energético. A insuficiência androgênica pode provocar igualmente uma redução dos fenôme­nos anabólicos.

Essas alterações endócrinas podem também ser conseqüência de um estado infeccioso, pois na medida em que ele constitui um stress im­põe um aumento das necessidades que desen­cadeiam uma resposta do sistema endócrino su­pra-renal, tanto da sua função medular através das catecolaminas, como da sua função corti­cal através do cortisol. Esta estimulação su­pra-renal que pode ser prolongada é, portanto, suscetível de provocar uma insuficiência relati­va, fonte da astenia.

Alguns distúrbios da clínica psi podem ter co­mo sintoma a fadiga que é considerada um con­ceito suficientemente válido para ser incluído em um critério operacional para depressão maior, distimia e distúrbio de personalidade ciclotími­ca, de acordo com a DSM III-R (American Psychiatric Association, 1987). Fadiga é também incluída na escala de Beck (Beck &cols., 1979) e de Hamilton (1967, Depression Hamilton Sca­les) e no General Health Questionary (GHQ) de Goldberg (1972). Todas estas escalas também incluíam itens concernentes à perda de peso e diminuição do sono, que poderiam secundaria­mente provocar fadiga. Assim, é importante sa­ber se a fadiga na depressão é independente dos outros problemas e sintomas da própria depres­são. Existem relativamente poucos trabalhos que procuram estudar a relação entre a fadiga e estados específicos do humor.

Em certos pacientes com bulimia nervosa, Fairburn & Cooper (1984) descreveram os sin­tomas de cansaço, falta de energia e lentidão, que também podem ser encontrados em pa­cientes com hiperventilação crônica assim co­mo em certos alcoólicos. Estas desordens pro­duzem uma complexa modificação nos íons de potássio, magnésio, cálcio e fosfato, os quais di­retamente prejudicam o músculo e o nervo, afe­tando ambas as atividades elétrica e metabólica (Brashear, 1983; Fonescha & Harvard, 1985; Pearson, 1986). Sabe-se que pacientes com hipocalemia podem apresentar fraqueza muscular, confusão e depressão (Lishman, 1988). Porém, isto é mais comum em pacientes idosos. Deficiência pura de magnésio pode provocar depressão, irritabilidade, vertigem, ataxia e fraqueza muscular (Hanna & cols., 1960).

A síndrome de dispnéia do sono leva à sonolência diurna, fadiga, cefaléia matinal, irritabilidade e impotência, devido às crises de hipóxia que se repetem durante a noite (Orr, 1983; Guilleminault, 1985), A maior parte destes pacientes são obesos, tendo o hábito de ingerir uma grande quantidade de álcool, além de poderem  apresentar uma disfunção de lobo frontal.

No desenvolvimento da fadiga muscular de causa física, uma variedade de modificações metabólicas podem ser apontadas, como o acúmulo de ácido lático, os efeitos da acidose intracelular no uso e no suplemento de ATP e acúmulo de fosfatos inorgânicos. Mas, o capítulo que tem despertado maior atenção entre os estudiosos hoje em dia é aquele das astenias pós-infecciosas. No conjunto das astenias de origem orgânica, as doenças infecciosas foram responsabilizadas por 19% dos casos em um estudo sobre 257 pacientes astênicos dos quais 218 tinham uma patologia orgânica (Leng, B).

Todas as doenças infecciosas são suscetíveis de desencadear uma astenia pós-infecciosa. Po­rém, em geral, esta astenia se deve ao próprio desgaste do organismo e também ao fato de o paciente ter que ficar deitado muito tempo com uma atividade física limitada. Em geral, estes pa­cientes se recuperam no final de algum tempo. Sabe-se que a interleucina 1, produzida em conseqüência de uma severa infecção, pode au­mentar a proteólise muscular e a síntese de prostaglandina E2 a qual por sua vez estimula futu­ras alterações protéicas neste tecido (Clowes & cols., 1983; Bracos & cols., 1983); Embora estes fenô­menos possam não causar fraqueza muscular, eles podem ser responsabilizados por cansaço fácil residual durante a convalescença. Neste conjunto, onde todos os agentes infecciosos podem ter sua parte de responsabilidade (bactérias, vírus, fungos e parasitas) é talvez interessante destacar que são os agentes que se desenvolvem intracelularmente (chamados parasitas intracelulares facultativos) que são os res­ponsáveis, na maior parte dos casos, pelas as­tenias intensas e prolongadas. A observação clí­nica tem confirmado que as grandes fadigas são secundárias a infecções por bacilos como a tu­berculose, a brucela, salmonelas tífica e paratíficas ou secundárias a doenças viróticas como a gripe, a hepatite viral ou a mononucleose infecciosa. De for­ma oposta, as infecções comuns por outros agentes como faringo-amigdalites, infecções urinárias etc. são menos asteniantes.

As doenças infecciosas por agentes intrace­Iulares mais asteniantes parecem ser igualmente aquelas que irão intervir na imunidade celular. Pode ser que o agente infeccioso provoque uma         depressão temporária desta imunidade como no caso de inúmeras viroses. Pode ser ao con­trário, que o agente infeccioso provoque uma hi­perestimulação da imunidade celular, como na brucelose crônica, caracterizada clinicamente por sua grande astenia e confirmada por uma reação cutânea explosiva melitina.

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) na sua maioria apresentam um cortejo sintomático que não há de passar despercebido nem pelo próprio paciente. É o caso da AIDS e todas as suas infecções oportunistas que aparecem. Mas temos de lembrar da Hepatite C, que pode ser silenciosa, cujo portador pode não se dá conta de ser vítima. Se ela estiver em atividade, e dependendo da carga viral, poderá trazer um quadro clínico compatível com a neurastenia.

Outras doenças infecciosas que também mais fa­cilmente causam astenia prolongada são aque­las que também afetam o fí­gado. Sabe-se que só nas afecções hepáticas citolíticas se observam as astenias mais longas, como nas hepatites virais, além da C, já mencionada, na infecção por citomegalovírus ou na infecção por vírus de Epstein-Barr sobre as quais falo mais adian­te. Há um comprometimento hepático constan­te que, podendo não ser clínico, é pelo menos biológico e sempre anatômico. O mesmo acon­tece com certas bruceloses, com a tuberculo­se e com parasitoses de localização hepática, como a amebíase.

A tuberculose reapareceu no mundo da epidemiologia, em virtude dos aidéticos que lhe dão hospedagem. Destaco a sua alta incidência na classe médica pela grande exposição ao bacilo da tuberculose no contato com aidéticos.

Outras infecções podem estar envolvidas na origem da astenia pós-infecciosa, como, por exemplo, aquelas onde existe um grande com­prometimento hematológico com queda do leu­cograma, como nas viroses que cursam com o aparecimento de uma anemia de qualquer tipo, no quadro de uma síndrome inflamatória mui­tas vezes prolongada ou quando há comprome­timento dos glóbulos vermelhos como no de­curso da malária.

Dentre os mecanismos que tentam esclare­cer os fenômenos da astenia nas infecções, te­mos que a agressão celular por um agente in­feccioso, vírus ou bactéria provoca uma altera­ção morfológica e/ou funcional da célula e, por­tanto, do tecido que ela compõe. Resultam per­turbações metabólicas, em particular do meta­bolismo energético. Normalmente as etapas es­senciais do metabolismo, do catabolismo, gli­cólise, ciclo de Krebbs e fosforilação oxidativa conduzem à produção de ATP, o elemento ener­gético principal. Daí resulta o bom funciona­mento dos diferentes metabolismos e a possi­bilidade de desenvolver calor e trabalho (Ro­quier, 1980). De igual forma, a via anexa das pen­toses, por intermédio do ATP constitui uma re­serva energética importante. Ela serve para sín­tese dos ácidos nucleicos e, portanto, das pro­teínas e das enzimas que nos são necessárias. É fácil conceber que quando este funcionamen­to é perturbado, pode-se instalar um estado de desequilíbrio, fonte de astenia, o qual só é repa­rado com a reconstrução celular. A importante astenia pós-hepática encontra aqui sua explica­ção quando se conhece todas as funções me­tabólicas controladas pelo fígado.

Uma outra hipótese é a do hipercatabolismo e a insuficiência dos aportes. O hipercatabolis­mo provocado pela infecção pode ser importan­te, colocando todo o organismo em balanço ne­gativo. O tétano é, sob este aspecto, um exem­plo bem conhecido de uma doença hipercata­bolizante. De igual forma, o consumo de fato­res nutritivos e o bloqueio das absorções de nu­trientes pelos parasitas provocam perda ener­gética. É necessário juntar a isto a anorexia, tão freqüente durante a fase aguda da infecção, a qual diminui os aportes energéticos. Também a febre, que apesar de atuar como fator de de­fesa, aumenta as necessidades energéticas, ao mesmo tempo que queima calorias. O conjun­to destes fenômenos conduz a um balanço ener­gético francamente negativo e uma dívida que deve ser reembolsada mais ou menos rapida­mente.

Um outro aspecto diz respeito às modifica­ções dos mecanismos imunitários. A defesa ce­lular não específica, isto é, dos fenômenos da fagocitose e dos processos que ocorrem na in­flamação, como também a específica, baseada na ativação dos linfócitos T e ativação da sínte­se dos anticorpos pelos linfócitos B, exigem um aumento energético que o organismo deve as­segurar. Em oposição, sabe-se que certos ví­rus deprimem, sobretudo a imunidade celular T-dependente, que pode ser verificada através da negatividade das reações cutâneas de hiper­sensibilidade retardada. Existem modificações das subpopulações linfocitárias no decurso das viroses, perturbando o equilíbrio entre células T amplificadoras, por vezes diminuídas e célu­las T supressoras, citotóxicas, muitas vezes au­mentadas. Finalmente, a fagocitose dos polinu­cleares e dos monócitos macrófagos está dimi­nuída pelo efeito de algum vírus (Vilde & cols., 1984), resultando em um risco de astenia pós-in­fecciosa.

Ao lado destes mecanismos deve ser evoca­do o papel das terapêuticas anti-infecciosas que freqüentemente podem levar a um estado tam­bém de astenia, como é o caso, por exemplo, da ação imunodepressora dos antibióticos.

Nos anos 40 e 50 foi designado de brucelo­se crônica uma síndrome não específica de do­res de cabeça, lassidão e alguns elementos de depressão encontrados em pacientes que ti­nham apresentado infecção por brucela. No es­tudo de pacientes convalescentes de brucelo­se aguda, achados clínicos objetivos e labora­toriais não distinguiam pacientes que se recu­peravam nomalmente daqueles que continua­vam a ter sintomas de brucelose crônica. Isto po­deria estar ligado a fatores emocionais (lmpo­den & cols., 1959).

­Uma virose que tem sido descrita com o no­me de neuromiastenia epidêmica, encefalomie­lítica miálgica benigna, doença de Iceland ou doença do Royal Free Hospital, tem ocorrido de forma esporádica em associação com sintomas não específicos de fadiga crônica, fraqueza, mialgia, perda de memória e depressão (Hen­derson & cols., 1950; Achesond, 1959), Essa doen­ça começa subitamente com mialgias, dor de cabeça e por vezes febre não muito elevada. Os achados laboratoriais, incluindo os resulta­dos dos exames de líquido cérebro-espinhal em geral são normais e a doença costuma ser regis­trada nos meses de verão e mais comumente atingindo mulheres. A doença é também mui­to freqüente no staff de hospitais. Apesar dos estudos virológicos se mostrarem negativos, o quadro clínico sugere uma causa virótica. A re­cuperação demora, meses e por vezes anos, po­dendo haver muitas recaídas. O grau de incapa­cidade física varia grandemente, mas o que do­mina o quadro clínico é uma fadiga muito gran­de. Embora a doença comece subitamente, sem causa aparente, o sintoma que mais freqüente­mente surge no início é um ataque agudo de ver­tigem e história de infecção virótica recente, as­sociada a sintomas do trato respiratório supe­rior e ocasionalmente distúrbio gastrintestinal com náusea e vômito. O quadro de fadiga per­sistente é acompanhado de cefaléia, dores no pescoço, fraqueza muscular, parestesia, micção freqüente, por vezes retenção urinária, visão em­baçada e/ou diplopia (visão dupla). Muitos pacientes relatam a ocorrência de sensação de desmaio, após uma pequena refeição ou mesmo após terem comi­do um biscoito. Exames físicos de rotina e pro­vas laboratoriais usualmente são negativos e os pacientes são freqüentemente encaminhados ao clínico psi em função disto. Embora o fator ou fatores etiológicos ainda não estejam estabele­cidos, tudo leva a crer que seja realmente uma infecção virótica. É reconhecido que vírus como o Herpes simples e Varicela-zoster permanecem no tecido desde o tempo da sua invasão inicial e podem ser isolados no nerve ganglia post-mor­ten. Também os measles virus costumam per­sistir e podem ser responsabilizados por sub-acute esclerosing panencephalits que po­de surgir muitos anos após o ataque inicial. Há hoje em dia, consideráveis opiniões e evidên­cias associando este vírus com a Esclerose Múl­tipla. Não é absurdo de todo considerar a pos­sibilidade de que outros vírus possam também persistir nos tecidos.

Recentemente, em testes de anticorpos de ro­tina, pacientes sofrendo de encefalomielite miál­gica têm mostrado títulos aumentados de cox­sackie group bi-virus. Está estabelecido também que estes vírus são os agentes etiológicos de mialgia epidêmica ou Bornholm Disease e jun­to com os echo vírus eles constituem os mais conhecidos vírus invasores do sistema nervoso central. Isto não significa que o coxsackie vírus é o único agente da encefalomielite miálgica, desde que qualquer infecção virótica generali­zada pode ser seguida por um período de debi­lidade pós-virótica. No entanto, ele pode ser o mais importante agente microbiano invasor. Re­centes trabalhos sugerem que a chave deste problema pode estar relacionada a uma resposta imunológica anormal do organismo do pacien­te. Outras infecções viróticas que são normal­mente autolimitadas podem ter atividade pro­longada em pessoas com sistema imunológico comprometido.

Muita atenção tem sido vol­tada para pacientes com sintomas de fadiga, fa­ringite, disfunções cognitivas que duram mais de um ano e que tenham um aumento na circu­lação de anticorpos do Epstein-Barr. Tem sido então, atribuído ao vírus de Epstein-Barr, isola­do a partir de 1985 no Centro Epidemiológico de Atlanta. Muitas das fadigas severas crônicas com mais de um ano de duração, fraqueza, mal-estar geral, febrícula, inflamação da laringe, adenopatia sensível, alteração da memória, dis­túrbio da atenção, da concentração, estado de­pressivo com ausência de anomalias maiores ao exame clínico assim como laboratoriais, estado febril entre 37,5 e 38,6 graus, fraqueza muscu­lar, mialgias, fadiga prolongada e generalizada após exercícios, cefalalgias, irritabilidade, altera­ções do sono etc.

Através da combinação de um complexo de sintomas não específicos, com alto nível de an­ticorpos para o vírus de Epstein-Barr em grupos sintomáticos comparados aos grupos-controle pode-se chegar à conclusão de que existe uma síndrome virótica crônica de Epstein-Barr. No entanto, é preciso dizer que existiu uma substancial superposição nos níveis de anticor­pos encontrados nestes dois grupos estudados. Além disso, deve-se ressaltar que anticorpos pa­ra antígenos precoces podem persistir, inclusive por muitos anos em alguns pacientes com infecção por mononucleose não-complicada. Acrescenta-se também que não há evidência para a ocorrência do aumen­to da replicação do vírus ou de defeitos na imu­nidade celular na síndrome crônica pelo vírus de Epstein-Barr. Muitos autores concluem que em vista da natureza não-específica dos sintomas, várias dúvidas têm surgido sobre o papel cau­sal do vírus (Strauss & cols., 1985; Holmes & cols., 1988). O fato destas doenças obscuras causa­rem tantos sintomas não-específicos levou à re­comendação de considerar estes quadros co­mo uma Síndrome de Fadiga Crônica [Primária] (Holmes, 1988) que pode ter como base (apesar de como já citado, não existirem evidências concretas) uma replicação ativa do vírus. O que é mais pro­vável é que com o tempo esta síndrome prove ter causas múltiplas somáticas e psicossomá­ticas (Jwartz, M., 1988).

Recentemente muita atenção passou a ser dada à queixa de fadiga entre cuidados primá­rios de saúde. Segundo o The National Ambu­latory Medical Cares Survey,  Summary, a fadiga é um dos sete mais comuns sintomas encontrados em cuidados primários. No entan­to, poucas pesquisas e estudos retrospectivos e controlados têm sido feitos para identificar realmente o que isso significa. Segundo Koren­ke & cols., em amostragens de 1159 adultos entre­vistados em clínicas de cuidados primários, 276 pacientes (24%) apontaram a fadiga como seu maior problema. A fadiga é, na verdade, difícil de ser estudada, tanto pelas suas peculiarida­des, subjetividades e obstáculos para quantifi­cá-Ia, como também, porque muitas vezes é vis­ta com uma queixa menor. No entanto, a fadi­ga crônica incapacita freqüentemente muitos pacientes, além da grande freqüência de absen­teísmo ao trabalho, baixa produção e uma sé­rie de problemas psicológicos, familiares e so­ciais que o sintoma pode gerar nesses pacien­tes.

Segundo vimos, várias doenças podem pro­vocar fadiga crônica, apesar da grande maioria dos pacientes sofrer do que pode ser chamado de fadiga primária, em virtude de nenhuma ou­tra causa ser encontrada que possa ser respon­sabilizada pelos sintomas. São pacientes que apresentam consistentes e poderosos achados em testes psicométricos combinados com au­sência de alterações físicas e laboratoriais; es­tá comprovado que os fatores emocionais de­sempenham um importante papel nestes casos. Os clínicos em geral subestimam as limitações funcionais destes pacientes resultando em um tra­tamento inadequado e uma insatisfação por par­te dos pacientes (41-42 Wartma Artm. A.N. & cols., 1983; Pinholet & cols., 1987).

Pacientes com fadiga são mais sedentários que os grupos-controle. Exercícios podem ser benéficos na depressão e na ansiedade (Taylor & cols., 1985), mas não parecem apresentar gran­des benefícios em casos de fadiga. Vários tes­tes têm sido desenvolvidos para melhor avaliar os déficits cognitivos da fadiga como também para melhor identificar a fadiga entre pacientes vistos em cuidados primários de saúde. Entre pacientes psiquiátricos utiliza-se o Diagnostic Interview Schedule e atualmente outros scree­nings para melhor identificar estes pacientes já estão sendo desenvolvidos por Goldberg & cols., em estudos da Organização Mundial de Saúde.

Excluindo as causas orgânicas citadas, como também as causas psíquicas conhecidas, on­de a fadiga existe, como, por exemplo, depres­são maior (endógena), neurose depressiva (melhor dizendo, depressão neurótica), transtornos distí­micos, ciclotímicos, hipocondria e somatização, existe um grupo significativo de pacientes, cu­jas queixas de fadiga prolongada e fadiga ao me­nor esforço físico e intelectual são acompanha­das de uma série de sintomas, conforme já men­cionamos e que varia de paciente para pacien­te, mas que geralmente são cefaléias, mal-estar geral, mialgias, artralgias, dores na nuca, mal-es­tar gastrintestinal, dores musculares, sensações vertiginosas, distúrbio da atenção com dificul­dade de fixação, memorização e evocação, pen­samento lentificado, morosidade na ação. Este cortejo sintomatológico compromete a perso­nalidade do indivíduo como um todo, que pas­sa a se estruturar ao redor destes sintomas co­mo também afeta a sua vida social, familiar e profissional.

Em busca de uma explicação comum situa­da ao nível do sistema nervoso central, muitos es­tudos passaram a ser desenvolvidos. As primei­ras hipóteses concentraram-se no sistema do­paminérgico pelo fato deste envolver-se em sín­dromes de diversas origens que cursam com de­sinteresse, anedonia e astenia. O estudo de Puech, Simon e Boissier mostrou que certos neurolépticos bloqueadores dopaminérgicos, is­to é, que antagonizam os efeitos dopaminérgi­cos da morfina, poderiam se mostrar desinibi­dores em clínica, sendo capazes de potenciali­zar os efeitos produzidos pela apomorfina so­bre o comportamento animal. No entanto, es­ta potencialização dar-se-ia somente em doses baixas. Surgiu a questão de saber se os efeitos clínicos desinibidores estariam ligados à facili­tação da transmissão dopaminérgica. O interes­se por este assunto é anterior, pois já sabíamos da descrição dos chamados sintomas negativos da esquizofrenia, classicamente descritos na sín­drome de dissociação com pobreza afetiva, as­sim como desinteresse, apatia, anedonia, alte­rações da atenção, da memória, falta de inicia­tiva, lentidão psicomotora, pobreza de discur­so, acinesia e hipertonia. A maior parte dos neu­rolépticos utilizados na prática clínica mostra­ram-se ineficazes sobre estes sintomas negati­vos, porém, nos anos 60, observou-se que al­guns deles tinham ação positiva sobre estes sin­tomas. Esta propriedade já havia sido chamada por Deniker & Ginester de efeito desinibidor. No entanto, os estudos sobre estes efeitos ain­da são raros e o primeiro instrumento de medi­da de sintomas negativos começa a surgir so­mente após os anos 80. Yves Lecrubier diz que o termo antideficitário é proposto para descre­ver esta propriedade terapêutica e que se refe­re não somente a uma categoria nosográfica da­da, pois seria transnosológica. Segundo este au­tor, certos pacientes, os quais ele chama de de­ficitários, parecem apresentar esta síndrome, pois se queixam de uma fadiga permanente, crô­nica com diminuição do dinamismo, lentidão, di­ficuldades da memória, dificuldade da concen­tração, falta de iniciativa, embotamento afetivo: pensa-se que este quadro estaria associado a uma atividade dopaminérgica reduzida. Estes pacientes foram classificados de depressivos neuróticos e pela DSM III como distímicos, mas, no entanto, nunca responderam aos antidepres­sivos tricíclicos apesar de apresentarem resul­tados moderados com os inibidores da monoa­minoxidase, IMAO. Carnoy, Sobrie, Puech & Si­mon procuraram observar estudos com mode­los animais compatíveis com a sintomatologia negativa encontrada nos esquizofrênicos e con­sideraram a possibilidade de uma resposta de­ficitária a um estímulo de recompensa, (rewar­ding estimule) ser a base para alguns dos sin­tomas do quadro da doença.

O termo anedonia tem sido usado para des­crever um estado no qual o valor de recompen­sa de estímulos habitualmente reforçadores está bloqueado. A anedonia é um componente inte­gral dos sintomas negativos na esquizofenia: uma resposta deficiente a estímulos recompen­sadores pode assim ser encarada como expla­nação plausível para alguns aspectos da doen­ça (Crow, 1980; Mackay, 1980; Andreasen & 0l­sen, 1982), Por outro lado, em razão de os neu­rolépticos, em diversos estudos animais, redu­zirem as taxas de operatividade, isto foi impu­tado a um estado de anedonia (Wise, 1982). Is­to pode ter importantes implicações em relação à suposta hiperativa transmissão da dopamina (DA) na esquizofrenia (Lecrubier & cols., 1980; Cart­ton & Manowitz, 1984), da mesma maneira que sugere que sintomas negativos, especialmen­te a anedonia, podem estar associados a uma reduzida atividade dopaminérgica.

Suportes complementares a estas idéias vie­ram da evidência clínica, indicando que sinto­mas negativos e positivos apareciam em extremos opostos de um continuum. A partir disto tentaram desenvolver modelos animais fidedignos para estudar esta hipótese.

"Decidimos investigar se baixas doses de agonistas DA (por exemplo, apomorfina), que se supõe reduzam a transmissão DA através da estimulação de DA auto-receptores (Roth, 1979; Skiboll & cols., 1979), podem também produzir dé­ficits de recompensa em ratos. A apomorfina é conhecida como causando debilitação compor­tamental, inclusive hipocinesia ou sedação (Ki Chiara & cols., 1976; Costall & cols., 1981; Summers & cols., 1981; Misslin & cols., 1984), foram feitas ten­tativas para determinar o envolvimento relativo de efeitos motores versus efeitos do reforço em déficits de recompensa induzidos pela apomor­fina. Finalmente, a propriedade de vários neu­rolépticos de reverter esses déficits de recom­pensa foi avaliada."

Em conclusão, uma resposta deficiente a es­tímulos de recompensa é proposta como um fa­tor subjacente crítico para alguns aspectos (por exemplo, anedonia) da sintomatologia negati­va de esquizofrenia. O presente estudo indica que em ratos, as baixas doses de apomorfina que se pensa reduzirem a transmissão de DA po­dem, como os neurolépticos, induzir a déficits comportamentais que provavelmente envolvem um valor de incentivo diminuído dos estímulos associados com reforço positivo. Embora seja ingênuo esperar uma correlação precisa entre a capacidade da apomorfina (neurolépticos) de modificar o comportamento operativo em roe­dores e a sintomatologia extremamente comple­xa da doença humana, o presente estudo sugere que alguns sintomas negativos da esquizofre­nia, tais como respostas deficientes a estímu­los de recompensa, estejam provavelmente as­sociados à transmissão diminuída de DA. Isto pode se estender ao nível de seus substratos bioquímicos – a relatada oposição entre sinto­matologia negativas e positivas (Mac-Kay, 1989; Andreasen & Olsen, 1982), Além disso, al­guns neurolépticos, eficazes em reverter os dé­ficits de recompensa induzidos pela apomorfi­na, têm sido apontados como capazes de fazer melhorar preferencialmente os sintomas negativos (Petit & cols., 1984; Alfredsson & cols., 1985),

Embora sejam necessários ensaios clínicos adi­cionais para avaliar o grau de relevância de nos­so modelo animal, os resultados aqui relatados levantam a questão de se o bloqueio dos recep­tores DA pós-sinápticos é ou não é um pré-re­quisito para a melhora de esquizofrênicos com sintomas negativos.

Em 1987, Yves Lecrubier em um artigo intitu­lado Multiple Pharmacological Mechanisms and Clinical Targets for Neuroleptics: Should a more operational classification be considered?, afirma que os efeitos desinibidores de alguns neurolépticos, há longo tempo descritos, po­dem melhorar os sintomas negativos, através de modificações hipodopaminérgicas funcionais. Segundo este autor, este efeito "energizante" pode ser observado em pacientes não-esquizo­frênicos, que mostrem sintomas negativos. Pro­põe chamar de psicastênicos pacientes anedô­nicos, mas não propriamente deprimidos, con­siderando-os portadores de uma síndrome hi­podopaminérgica.

Ele realizou um estudo procurando melhor de­finir estes doentes, sua sintomatologia e diag­nóstico. A hipótese dele é que existiria uma sub­população de pacientes classificados na DSM III como distímicos que apresentariam uma sín­drome onde o perfil sintomatológico pudesse ser individualizado de maneira operatória (atra­vés de critérios) que apresentassem uma reati­vidade terapêutica original. Puech, Simon & Boissier já haviam estudado as benzamidas e uma comparação de suas ações usando os efei­tos induzidos pela 6-apomorfina. Alguns neu­rolépticos foram identificados como possuindo em baixas doses, este efeito desinibidor e, por­tanto, sensibilizador da dopamina, entre eles o sulpiride, pimozide e mais recentemente a ami­sulprida. Em estudos controlados com place­bo com amisulprida em pa­cientes que apresentavam o diagnóstico de dis­tímicos, com queixa predominante de fadiga (o provável subgrupo de Lecrubier), encontrou-se uma resposta favorável nos pacientes compatí­veis com o diagnóstico da CID-10, F48.0 (Neu­rastenia), com doses variando de 50mg a 150mg. Em função destes estudos, hipóteses de trabalho foram levantadas. Necessário se faz, portanto, identificar melhor os pacientes que apresentam certa queixa de fatigabilidade crô­nica seguida da sintomatologia já mencionada anteriormente e que parecem não se enquadrar em nenhum dos grupos da DSM III-R a não ser, talvez, um subgrupo do distúrbio distímico, mas que parecem se enquadrar no diagnóstico de neurastenia, de acordo com os critérios da CID-10. Porém, em função das dificuldades de se avaliar e de se determinar com instrumen­tos precisos queixas tão subjetivas, como fadi­ga, necessário se faz a criação destes instrumen­tos para melhor identificar estes pacientes na população geral. Sabemos que a prevalência desses pacientes entre aqueles que procuram os cuidados primários de saúde é elevada (15% a 25%) o que por si, já justifica um estudo mais aprofundado desses quadros clínicos que po­dem aparecer secundariamente a uma série de patologias como esquizofrenias, depressão, Par­kinson, estado pós-virótico e todos aqueles ci­tados anteriormente, mas que podem aparecer também sem que se encontre nenhuma dessas justificativas para o quadro. Constituiria, portan­to, de uma entidade nosológica, assim como uma síndrome que poderia estar presente em várias patologias.

Parece importante também, buscar os corre­latos biológicos, principalmente os do sistema nervoso central, que envolvem uma baixa ativi­dade dopaminérgica, no sentido de abrir pers­pectivas terapêuticas para esses pacientes, in­dependente da causa desta síndrome.

Durante a história da neurastenia, vimos que ela foi abandonada pelo fato desses pacientes, ao buscarem uma explicação para os seus sin­tomas supervalorizarem o funcionamento de seus órgãos e sistemas orgânicos, o que os le­vou a serem identificados em muitos casos co­mo hipocondríacos. Segundo o enfoque que o paciente dava, quer em relação a queixas or­gânicas ou a queixas do plano psíquico, as in­terpretações variavam. Assim também, a aten­ção do próprio clínico privilegiava mais a di­mensão das queixas psíquicas ou orgânicas, chegando a diagnósticos diferentes e propos­tas terapêuticas diversas. Achamos que na ver­dade, todos são sofredores do mesmo tipo de síndrome ou de patologia.

Um outro aspecto que deve ser levado em consideração é o papel da personalidade que moldaria o quadro da patologia do doente (pa­toplastia). Uma sintomatologia que incapacita o indivíduo numa sociedade onde o valor do tra­balho, do ganho da produção é muito importan­te, é evidente que gerará uma construção rea­cional, reativa da personalidade ao redor destes sintomas, aí entrando em jogo os fatores cultu­rais e individuais que influenciam a formação da personalidade. Acreditamos que deve ser feita uma revisão da neurastenia nos tempos de ho­je. Não foi sem razão que a neurastenia empol­gou a medicina do final do século XIX e do iní­cio deste. Sabe-se que estes pacientes existem e em grande quantidade. Sabe-se ainda que eles não estão no consultório dos clínicos psi. Estes pacientes são crônicos, fazem queixas múltiplas e mudam freqüentemente de clínico. Fazem muitos exames, têm um custo caro em termos de saúde pública, alto índice de ab­senteísmo de trabalho, com aposentadorias. Re­presentam baixa resposta a diversas terapêuti­cas até hoje conhecidas e são dificilmente iden­tificados de maneira unitária, sendo pulveriza­dos numa série de diagnósticos, de acordo com os clínicos que os examinam. Faz-se necessá­rio, portanto, a criação desses instrumentos (screenings) para a precisa identificação destes doentes, adequada descrição clínica, identifica­ção deles na população dos pacientes que pro­curam atenção médica e mais tarde na popula­ção geral. Por outro lado, é importante o conhe­cimento da biologia desta síndrome, seja ao ní­vel muscular, da atividade dos íons, da intera­ção músculo-sistema nervoso central e aí do pa­pel dos neurotransmissores centrais. Talvez ha­ja uma explicação do porque tão diferentes pa­cientes apresentam também tanta coisa em co­mum.

A partir daí, poderemos buscar tratamentos adequados e estabelecer programas em níveis de prevenção primária para esta patologia ou síndrome. A nosso ver, com o nome de psicas­tenia, neurastenia, distimia, neurose depressi­va ou timastenia, esses pacientes existem. Pa­rece-nos que o nome que ainda mais se adequa é o de neurastenia, senão por outras razões, por uma razão histórica. Necessário, pois se faz, a re­visão da neurastenia para o benefício de gran­de parcela de pacientes que sofrem desta sín­drome de fadiga crônica, acompanhada de di­versa sintomatologia orgânica.

Valendo-se das pesquisas que eu mencionei ao longo deste artigo o laboratório farmacêutico que sintetizou a amisulprida fez um grande marketing da assim chamada Síndrome da Fadiga Crônica [Primária], que esta, além de virar moda, tornou-se um daqueles diagnósticos, tipo "saco sem fundo", como, o são a Síndrome do Pânico, a Demência de Alzheimer e o DHDA (ou TDAH).

Em função da inconsistência, até agora, deste diagnóstico, e deste fármaco, o oportunismo medicamentoso-laboratorial para com a amisulprida deu em nada. Dificilmente será encontrada hoje nas farmácias. É possível até que o laboratório a tenha parado de fabricar. Este composto químico, evidentemente, não pegou.    

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