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Tabagismo e doença neural podem levar à perda do olfato e do paladar

Sentir cheiro de terra, saborear uma fruta, aspirar o aroma de café recém-coado. São pequenos prazeres que, para o servidor público Renato Maellaro, 42, estão inacessíveis. Não se trata de uma gripe, problema tão comum no inverno e que deixa tudo insípido e inodoro.
Sentir cheiro de terra, saborear uma fruta, aspirar o aroma de café recém-coado. São pequenos prazeres que, para o servidor público Renato Maellaro, 42, estão inacessíveis. Não se trata de uma gripe, problema tão comum no inverno e que deixa tudo insípido e inodoro.

Há 17 anos, ele vive num mundo sem gosto e sem cheiro. Já deixou a válvula do gás do fogão aberta, passou mal ao ingerir alimentos estragados e contraiu gastrite devido à quantidade de pimenta que colocava na comida, para sentir ao menos "a boca arder". Por causa da falta de olfato, não gosta nem de trocar a marca de desodorante -fica incomodado com a idéia de exalar um cheiro que não sabe como é. A perda das capacidades olfativa e gustativa é seqüela de um acidente de carro que Renato sofreu em 1991. O impacto da batida resultou no rompimento dos canais que levavam os estímulos olfativos ao cérebro.'

Mas o problema, que atinge cerca de 2 milhões de pessoas só nos Estados Unidos, pode ter diversas causas: além de traumatismos, o consumo de cigarro e de alguns tipos de remédio, a inalação de substâncias químicas irritantes e mesmo o surgimento de algumas doenças e processos alérgicos podem alterar de forma significativa o olfato e o paladar. Não há dados que estimem a quantidade de pessoas afetadas no Brasil, mas, segundo o otorrinolaringologista Reginaldo Fujita, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), trata-se de uma queixa comum nos consultórios médicos.

Na maioria dos casos, afirma, o problema tem uma causa chamada pelos especialistas de condutiva: devido à presença de pólipos nasais ou a quadros de sinusite, por exemplo, o ar não consegue ser conduzido à parte superior das fossas nasais, onde está localizada a mucosa olfativa. Essa minúscula estrutura, de 1 cm2 em cada narina, congrega de 10 a 20 milhões de receptores olfatórios. Em contato com as moléculas odoríferas que se desprendem de um perfume, por exemplo, esses receptores enviam ao cérebro, por meio do nervo olfatório, estímulos elétricos, que são interpretados pelo córtex olfatório.

Localizado na região subfrontal do cérebro, o córtex olfatório integra o sistema límbico, responsável pela sensação das emoções. É por isso que determinados cheiros podem nos remeter de forma tão rápida e intensa a pessoas, lugares e situações.

Sinusite

Se o problema estiver relacionado à obstrução nasal –como numa gripe ou numa crise de rinite–, basta restabelecer a passagem de ar para recuperar a capacidade olfativa. É o que costuma acontecer com a empresária Elayne Castro Prata, 24. Há cerca de dois anos, ela percebeu, ao tentar sentir a fragrância de um perfume, que havia perdido o olfato. "Logo que descobri o problema, procurei um otorrinolaringologista. Fiz alguns exames, que constataram a sinusite. Tomei antibióticos por um período, e meu olfato voltou. Quando o tratamento terminou, o olfato sumiu novamente. O médico receitou outro antibiótico e aconteceu a mesma coisa", conta ela, que deixou de tomar o remédio devido aos efeitos que eles tinham em seu estômago.

A estudante Michele Salineiro, 19, já se resignou com o problema. "Como a sinusite não tem cura, meu olfato não tem como melhorar", afirma ela. No dia-a-dia, isso afeta principalmente a sua alimentação: como grande parte do sabor da comida depende do cheiro, Michele não consegue ver graça em vários alimentos, como banana e tangerina. A "falta de gosto" costuma ser compensada com adições generosas de açúcar e sal. "Quando eu faço um suco, só eu consigo beber", conta. A capacidade de sentir gostos, como doce, salgado, ácido e amargo, está ligada à ação das papilas gustativas, localizadas na língua. O olfato ajuda a refinar essa informação e a perceber se o doce vem de uma geléia de uva ou de laranja, por exemplo.

O publicitário Fabiano Sassen de Araújo, 30, ficou sem paladar durante um mês e meio, após bater a cabeça numa queda de skate. "Percebi quando fui tomar uma cerveja e parecia água com gás", lembra. O olfato também foi afetado, e o neurologista que o atendeu previu que o problema se resolveria em até um ano. Mas isso não ocorreu. "O paladar voltou, mas muitos gostos mudaram para mim. Mexerica, por exemplo, parece ovo cru [por conta da textura]. Já o suco de laranja continua gostoso", conta.

Devido à anosmia [nome técnico da ausência de olfato], ele já correu alguns riscos, como quando os vizinhos precisaram alertá-lo de que havia um vazamento de gás em seu apartamento, e costuma ser designado para missões nada glamurosas, como limpar a geladeira da casa de praia, dentro da qual estava, havia meses, um pedaço de queijo. Mas ele aprendeu a ver um lado bom na diferença. "Naqueles dias bem quentes, dirijo pela marginal Pinheiros com o vidro do carro aberto, sem o menor problema", brinca Fabiano.

Nervo olfativo

Quando a anosmia tem origem neurossensorial, como a decorrente de traumatismo craniano ou de doenças como mal de Parkinson, os especialistas são unânimes: o problema é praticamente irreversível. No caso de Fabiano, o problema foi o rompimento dos ramos encarregados da transmissão dos estímulos olfativos. Uma vez secionados, eles não se recuperam, explica José Ricardo Testa, otorrinolaringologista do Hospital Nove de Julho.

Doenças que afetam o sistema nervoso central (epilepsia, mal de Alzheimer e Parkinson) também podem levar a alterações no olfato. Considerado um dos sintomas não motores do Parkinson, o comprometimento olfativo afeta a qualidade de vida do paciente, que também pode perder a motivação para se alimentar. Já epilépticos podem vivenciar alucinações de cheiros. Quando o distúrbio elétrico que caracteriza a doença afeta uma região do cérebro ligada a essa capacidade, é comum que as convulsões sejam precedidas pela cacosmia -um odor ruim que só o paciente percebe. "O choque elétrico estimula o nervo olfativo como se fosse um odor. Ele engana o cérebro", explica Testa.

Cigarro e álcool

Apesar de as causas condutivas e neurossensoriais responderem pela maioria dos casos de perda olfativa, quem tem o problema pode ficar atento a outras possibilidades. O consumo de cigarro e de álcool, por exemplo, é extremamente prejudicial tanto para a mucosa olfativa quanto para as papilas gustativas. No caso do tabagismo, o efeito térmico do cigarro sobre essas áreas, assim como o contato com substâncias tóxicas, pode levar a lesões –na maioria das vezes, reversíveis–, explica Ciro Kirchenjn, coordenador do centro de tratamento de tabagismo do hospital Beneficência Portuguesa.

Já o alcoolismo pode prejudicar esses sentidos de três formas, segundo o neurocirurgião Antonio Carlos Montanaro, também do hospital Beneficência Portuguesa. Em primeiro lugar, o consumo excessivo da bebida pode lesionar os neurônios. Além disso, os vapores que se desprendem do álcool podem queimar as terminações nervosas responsáveis pelos estímulos olfativos e gustativos. Em terceiro lugar, há o efeito geral da bebida no organismo. "O paciente fica desnutrido, com deficiência de vitaminas e outros nutrientes", explica.

A falta de vitaminas leva a alterações nas papilas gustativas, e o cálcio é fundamental no processo de "tradução" da reação química causada por moléculas odoríferas em impulsos elétricos. A anosmia também tem sido associada ao consumo de alguns medicamentos, como os quimioterápicos. "Algumas classes de antidepressivos ressecam a mucosa nasal, afetando a olfação", acrescenta Fabio Pinna, médico do grupo de rinologia do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo) e membro da ABORLCCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial). Além disso, ressalta ele, algumas pessoas com hipotireoidismo também podem ter alterações olfativas –"não se sabe o mecanismo específico, mas o déficit hormonal pode levar ao inchaço de algumas células e comprometer a olfação".

Os fatores que influenciam esses sentidos são tantos que, mesmo entre especialistas, trata-se de uma área considerada difícil, segundo Pinna. Após investigar inúmeras hipóteses para sua anosmia, o estudante Vinicius Maciel, 23, descobriu ter agenesia (ausência) de bulbos olfatórios. "Na infância, percebi que não sabia o que era aquilo que as pessoas diziam sentir no nariz. Eu achava que ainda 'não sabia' cheirar, e que iria aprender em breve", conta. Ele nunca sentiu nenhum cheiro.

Para Vinicius, não há uma perspectiva atual de tratamento, mas ele até criou uma comunidade virtual para estimular outras pessoas a recuperarem o olfato. Para Pinna, "poucos profissionais têm experiência com olfação e, por isso, muitos colegas não encaminham os pacientes para tratamento. As perspectivas não são muito grandes, mas alguns casos têm um tratamento viável".

Fonte: Folha Online

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