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II. Psicoterapia Cognitiva – Transtornos de Ansiedade

Resumo

Este artigo é uma seqüência de outro, aqui na RedePsi, onde descrevi as principais características da psicoterapia cognitiva. Neste, como exemplo, examino a aplicação desta abordagem psicoterapêutica na concepção e tratamento dos transtornos de ansiedade, especialmente pânico, agorafobia, fobia social e TOC.

Neste artigo quero demonstrar a aplicação da TC ao cam­po dos transtornos de ansiedade, tendo em vista a alta incidên­cia desta clínica na população (Regier & cols.15) e a eficá­cia do tratamento cognitivo nesta área (Beck, Emery & Green­berg3; Michelson & Ascher11; Barlow2).


O modelo cognitivo dos transtornos de ansiedade

A abordagem cognitiva concebe que as reações emocionais são determinadas pelas avaliações que um indivíduo faz de seu ambiente e de si próprio em relação àquele. Entende que são formadas sucessivas avaliações e reavaliações que preci­sam o grau exato da ameaça que uma determinada situação representa para o indivíduo. Qualquer evento dispara uma ava­liação inicial que fornece uma primeira impressão sobre co­mo ele pode afetar os interesses vitais (domínio, ver artigo an­terior) da pessoa. Uma segunda avaliação se segue, quando então a primeira poderá ser confirmada ou revertida. Na me­dida em que esta avaliação indique uma ameaça profunda ao domínio (ameaça à sobrevivência, individualidade, funciona­mento, ligações interpessoais, saúde, patrimônio, valores etc.) surge uma reação de emergência. A característica principal desta reação é seu aspecto egocêntrico e também se apresen­ta como global, absoluta e arbitrária (Beck, Emery & Green­berg3). Em um quadro de pânico, por exemplo, a avaliação en­volve freqüentemente a idéia de morte iminente que ilustram as características acima descritas.

A avaliação de perigo inclui não apenas estimativas quan­to à ameaça da situação em si como também dos recursos da pessoa para lidar com o perigo. Avaliações que apontam para efeitos extremamente dramáticos de uma situação e/ou um auto-conceito diminuído conduzem a reações intensas de an­siedade. Estas por sua vez podem afetar uma capacidade até bem estabelecida de manejar uma situação pela interferência de reações primitivas de defesa. Muitas vezes a fuga é impos­sível ou inaceitável, como em determinadas situações sociais para um fóbico social, e a interferência cresce até atingir pro­porções paroxísmicas. O modelo de Clark (1989) de um círcu­lo vicioso em espiral representa adequadamente o processo.

O cerne dos transtornos de ansiedade é o conceito de vul­nerabilidade (Beck, Emery & Greenberg3) que pode ser defi­nido como a percepção que uma pessoa tem de si quando sub­metida a perigos internos ou externos sobre os quais seus re­cursos para controlá-los estão faltando ou sendo insuficientes para poder lhe fornecer um senso de segurança. Nas síndro­mes de ansiedade (pânico com ou sem agorafobia, Transtorno de Ansiedade Generalizada, TOC, fobia social, fobia simples, Síndrome de Estresse Pós-Traumática) o senso de vulnerabilidade está grandemente aumentado pela operação de certos proces­sos cognitivos disfuncionais (minimização de recursos pes­soais, abstração seletiva com foco em suas fraquezas, catastro­fização, hipergeneralização, memória ou projeção futura se­letivas etc.).

O conceito de modo se reveste aqui de um significado es­pecial. Uma pessoa possui vários modos de funcionamento: negativista, otimista, de segurança ou vulnerabilidade, agres­sivo, erótico, narcisista etc. Normalmente, as situações se al­ternam com as correspondentes alternâncias nos modos. Nos casos patológicos os modos tendem a funcionar em looping. Assim, se um fóbico social for exposto a uma situação social ameaçadora, seus pensamentos automáticos catastróficos e ru­minativos – que indicam a ativação do modo vulnerabilida­de – disparam, com conseqüente aumento no nível da an­siedade, que, por sua vez, ativam mais o modo e seus pensa­mentos automáticos, e assim por diante. Um doente do pâni­co, que identifica erroneamente um sinal de seu corpo como iminência de ataque cardíaco e morte, exibe também a ativa­ção do modo. O contexto, a falta de habilidades específicas para determinadas situações, a experiência anterior, a interferên­cia da ansiedade no desempenho eficaz, as previsões catas­tróficas contribuirão para a intensificação de suas reações.

Transtorno do pânico e agorafobia

O modelo cognitivo do pânico se apóia na idéia de espiral. Supõe que um estímulo qualquer pode disparar uma avaliação ameaçadora inicial que produz, em conseqüência, ansiedade; uma segunda avaliação é realizada sobre a própria reação de ansiedade de modo distorcido e catastrófico, que conduz a uma intensificação das reações que compõem a an­siedade (taquicardia, sudorese, vertigem, tonteira, tremores e por aí vai) que, por sua vez, conduz a interpretações ainda mais ca­tastróficas, e assim por diante. A ocorrência de hiperventila­ção tem sido admitida como um fator preponderante nesta in­tensificação (Garssen & cols., 1983). O quadro se manifesta nos três níveis de resposta (Lang9): cognitivo (idéias de morte imi­nente, desmaio, loucura, perda do controle), autonômico (si­nais acima descritos), e comportamentais (fuga, evitação, busca de amparo). A experiência é tão assustadora que pode desenvolver-se um medo do medo, que poderá precipitar o de­senvolvimento de um quadro de agorafobia. Uma espécie de radar fica ativado para monitorar qualquer variação em seu ambiente interno ou externo tornando o indivíduo altamen­te sensibilizado a estas variações. Se uma ocorrer, uma nova crise poderá se apresentar em decorrência de eventuais no­vas interpretações catastróficas.

Em muitos indivíduos, as situações que representam um obstáculo para a sua mobilidade em busca de fuga ou ampa­ro passam a ser evitadas (agorafobia). Nem sempre, entretan­to, a agorafobia se desenvolve a partir de uma crise de pânico. Isto estabelece a questão de quais fatores, além das crises de angústia pânica, podem contribuir para o desenvolvimento deste qua­dro. Há evidências de histórias de ansiedade de separação da­tando desde a infância (Gittelman6), conflitos em torno das idéias de dependência, autonomia e controle (Beck & cols.4; Guidano & Liotti7), ênfase em autodeterminação e hipersensibilidade a controle e interferência (Beck, 1983), hi­persensibilidade a determinadas configurações espaciais (es­paços muito apertados ou muito expandidos) ou de relações pessoais (medo de estar próximo demais ou distante demais de um outro significativo (Beck & cols.3).

Fobia social

Nos estados de ansiedade relacionados à avaliação, as si­tuações sociais são percebidas como ameaçadoras porque re­presentam possibilidades de "desmascaramento" do indivíduo pois ele tende a, ou se ver de uma maneira muito negativa, ou a estabelecer níveis de desempenho extremamente elevados, o que facilita sentir-se sempre na iminência de que seja des­coberto em suas deficiências. Tende a ver os outros como pro­curando por suas fraquezas, deficiências etc., especialmente quando eles estão em posição de superioridade na hierarquia social. Como se vê vulnerável, a sua tendência natural é de autoproteção e retração. Isto alivia sua ansiedade o que refor­ça seu movimento defensivo, mas impede que constate desem­penhos efetivos que pudessem modificar sua auto-imagem. A tendência – já que nestas fobias não há possibilidade de evitação permanente dos objetos fóbicos, ao contrário das ou­tras – é ele desenvolver padrões rígidos de atuação como "ga­rantia" contra erros, mas que, na verdade, apenas contribuem para aumentar sua ansiedade. Suas distorções cognitivas cos­tumam girar em torno de fantasias de incapacidade, extrema auto-exigência e perfeccionismo, conseqüências catastróficas para seus erros, intolerância com qualquer sinal de possível desvio quanto a normas imaginadas de desempenho etc. As situações sociais que possam representar oportunidades de evidenciar suas falhas produzirão sinais de ansiedade progressi­vamente crescentes conforme se aproximem no tempo.


Transtorno Obsessivo-Compulsivo

Recentemente descreveu-se relações funcionais en­tre obsessões e compulsões. Mostrou que a intrusividade das obsessões e a premência das compulsões são função de amea­ça imaginada e que as ameaças antecipadas são função da his­tória de reforçamento das respostas de evitação estabelecidas. Estas exigem o aparecimento de cognições catastróficas para orientarem sua emissão, na ausência de estimulação discri­minativa adequada. O TOC é um tipo de psicopatologia que, hoje em dia, após o advento da abordagem cognitivo-comportamental, responde muito satis­fatoriamente a intervenções psicoterapêuticas uma vez que se presta muito adequadamente a "testes da realidade". As cog­nições catastróficas são verificadas em sua validade através de exposição gradual e prevenção de respostas, o que permite a constatação de sua inadequação.

As limitações de espaço não me permitem uma discussão de­talhada de cada um dos tipos de desordens da ansiedade. Os exemplos acima citados servem, entretanto, para uma noção da conceituação destes problemas e uma exposição mais de­talhada pode ser encontrada em Beck & cols.3

Tratamento cognitivo-comportamental dos transtornos de ansiedade

O processo terapêutico envolve:

a) estabelecimento de uma forte relação de aliança terapêu­tica. Se esta aliança é fundamental para qualquer tratamen­to, psicoterápico ou não, nos quadros ansiosos ela se torna ainda mais necessária, haja vista a idéia de ameaça sem­pre presente nestes quadros, o autoconceito diminuído nes­tes pacientes e suas características de dependência (aliás, cuidados devem ser tomados quanto a esse aspecto de for­ma a que a aliança não trabalhe a favor da dependência). A aliança se estabelece a partir de sinais do terapeuta de aceitação, empatia, interesse genuíno, calor humano e com­preensão da problemática.

b) informação detalhada do modelo cognitivo­-comportamental sobre o problema do paciente de forma a ajudá-lo a compreender mais realisticamente suas difi­culdades, desmistificar suas interpretações catastróficas e obter uma sensação de mais domínio e controle sobre o pro­blema. Apenas esta explicação já pode produzir um consi­derável alívio no paciente e induzir seu envolvimento coo­perativo, fundamental para o processo terapêutico. A ex­plicação também pode envolver alguns exercícios (hiper­ventilação provocada, ideações catastrofizantes, idealmente acompanhadas por um monitor de biofeedback para veri­ficação das relações entre eventos, cognições e ansiedade), de maneira que o paciente possa comprovar a veracidade do que lhe está sendo informado. Deixa-se claro que o tra­tamento envolverá intervenções nos três níveis de respos­ta: cognitivo (através de métodos cognitivos); autonômico (através de técnicas respiratórias e de relaxamento muscular progressivo); e comportamental (através de exposição gra­dual e prevenção de respostas de fuga/evitação). Discute­-se também a eventualidade do uso de medicação.

c) detecção de pensamentos automáticos catastróficos e seu questionamento para determinar evidências que os sustentem ou não, descobrir outras alternativas e decatastrofizar suas projeções futuras. A aquisição da capacidade de de­tecção dos pensamentos automáticos permite a introdução dos registros desses pensamentos fora das sessões para pos­terior análise em sessões futuras.

d) treino de relaxamento muscular progressivo (Jacobson8) e de técnicas de respiração diafragmática que são procedi­mentos inibidores da ansiedade (Wolpe17).

e) solicitação de preenchimento dos Registros Diários de Pen­samentos Disfuncionais (RDPD). Esses registros são extre­mamente importantes, pois será sobre ele que o processo de reestruturação cognitiva se dará pelo exame dos pensa­mentos registrados quanto a sua veracidade e adequação. Progressivamente o paciente vai adquirindo a capacidade de, sozinho e independentemente, questionar ele mesmo seus pensamentos como mecanismo de reestruturação cog­nitiva de forma a poder prescindir da intervenção de um terapeuta.

f) quando o paciente estiver dominando satisfatoriamente seus novos recursos para enfrentar situações ansiogênicas, inicia-se a fase de exposição voluntária e gradual, na reali­dade, com ou sem a presença do terapeuta. Estes testes são importantes porque permitem a detecção dos pensamen­tos automáticos no instante de sua ocorrência, o que faci­lita muito a sua contestação. Permitem também que o pa­ciente possa verificar sua capacidade de enfrentar vitorio­samente a situação, o que tende a fazê-Io inverter o balan­ço entre o grau das ameaças e seus recursos pessoais para enfrentá-Ias, fortalecendo assim sua auto-eficácia (Bandu­ra1), sua autoconfiança e auto-estima. Aos poucos, estes ensaios permitem retirar o paciente dos modos negativis­tas e de vulnerabilidade, promovendo uma alternância mais equilibrada entre os diversos modos.

g) uso de estratégia A.C.A.L.M.E.-S.E. (Beck, Emery & Greenberg3) como um instru­mento de manejo da ansiedade (recuso-me a transcrever; mais parece literatura de auto-ajuda; isto me parece coisa para norte-americano, só).

h) grande importância é dada à análise da situação existen­cial do paciente já que é nela que se encontra a fonte dos conflitos, que subjazem suas dificuldades. Crises de pâni­co, por exemplo, costumam consistir em punições terríveis, mas mesmo assim mais brandas que aquelas imaginadas pelo paciente que ocorreriam se sua liberdade não estivesse sendo assim restringida. Em vários transtornos de ansiedade é quase certa a presença de estados depressivos (Maser & CIoninger10) o que exige a utilização de métodos antidepressivos que, com seus efeitos, também contribuem para a superação do qua­dro ansioso.

Estratégias e técnicas para reestruturações cognitivas

A meta fundamental é tornar o paciente mais consciente de seus processos de pensamento para permitir a correlação de erros lógicos ou de conteúdo através de perguntas que o conduzam a ele mesmo constatar seus erros. Um estilo per­suasivo deve ser firmemente evitado pelo terapeuta. A inqui­rição, basicamente, resume-se a três grandes perguntas:

a) Qual é a evidência? Respostas a esta pergunta implicarão em (1) uma análise da lógica deficiente; (2) uso da técnica das três colunas (registro de dados de situações, interpre­tações do paciente e avaliação do tipo de erro cognitivo en­volvido nas interpretações); (3) fornecimento de informa­ções e (4) testes de hipóteses na realidade através de exer­cícios e ensaios programados antecipadamente nas sessões.

b) Há outras possibilidades de se olhar para o problema? Res­postas a esta pergunta implicarão em (1) gerar interpretações alternativas; (2) descentramento / distanciamento do paciente em relação a si próprio e ao problema; (3) aumento da pers­pectiva de se encarar uma determinada situação e (4) rea­tribuição de relações de causalidade.

c) E se acontecer o pior que você imagina? Respostas a esta pergunta implicarão em (1) decatastrofização das conse­qüências imaginadas pela descoberta de que os efeitos ima­ginados raramente conduzem a algo mais do que nada; (2) estabelecimento de planos de adaptação para situações que envolvem algum tipo de perigo potencial.

Torna-se necessário lidar também com representa­ções icônicas dos pacientes já que estas podem ser uma das principais fontes de sua ansiedade. Isto pode ser alcançado através de (1) repetição da imagem para produção de habitua­ção; (2) desligamento ou distração, pelo envolvimento em ou­tra atividade; (3) projeção no tempo, visando decatastrofiza­ção; (4) intenção paradoxal, como uma alternativa à anterior; (5) indução de mudanças na imagem, como se o paciente fos­se um cineasta que cria e varia suas imagens; uso de metáfo­ras e outros procedimentos.

Estratégias técnicas para lidar com o componente afetivo

O passo mais fundamental é o de aceitação dos sentimen­tos. Disso depende, é claro, uma reestruturação cognitiva no sentido de desmistificar as fantasias do paciente quanto às si­tuações temidas. O exercício em sessões através da produção de cognições ansiogênicas ou de hiperventilação é um meio muito produtivo nesta direção. Isto ajuda também a reduzir a ansiedade da própria ansiedade. Reestruturações também precisam ser dirigidas a reduzir a vergonha quanto à ansieda­de. lmportante é uma compreensão mais precisa da natureza e função da ansiedade em nossa vida. Algumas estratégias úteis para ajudar ao paciente a superar sua ansiedade incluem ajudá-Io a conseguir a agir tão normalmente quanto possível. Técnicas respiratórias e de relaxamento são muito eficientes e são recomendadas. A busca de evidências de que são seus pensamentos, e não as coisas propriamente ditas, que produ­zem sua ansiedade, deve ser incessantemente perseguida atra­vés da demonstração de erros de processamento tais como ra­ciocínio seqüencial, correlacional, emocional ou analógico.


Estratégias e técnicas para lidar com o componente comportamental

Um dos aspectos mais importantes é conseguir a adesão do paciente ao tratamento e motivá-Io para os testes de reali­dade que precisará fazer para que suas cognições possam modificar-se. Isto é necessário para que o paciente abandone seus mecanismos de autoproteção tais como evitação de de­terminadas situações e busca de amparo. A aproximação gra­dual é uma condição fundamental para o sucesso e, para isso, é necessário a construção de hierarquias de situações ansio­gênicas que orientem a auto-exposição. Os passos serão rea­lizados pelo paciente fora das sessões (com ou sem a ajuda de outros significativos, inclusive, o próprio terapeuta, no início do processo) como trabalho de casa. O contrato sobre o traba­lho de casa precisa ser feito com muita ênfase e comprometi­mento de modo a destacar a sua importância. Ensaios com­portamentais devem ser realizados nas sessões para prepara­rem adequadamente o paciente para a auto-exposição e co­mo forma de dessensibilização. É importante detalhar os pen­samentos que costumam interferir negativamente com o de­sempenho de tarefas necessárias ao paciente e ao processo da terapia para que possam ser modificados, senão a probabili­dade de evitação aumentará na ocasião do desempenho. Um bom auxílio é a técnica "como se" que consiste em ajudar ao paciente a se comportar como se não sentisse nenhuma an­siedade através da descrição antecipada e precisa de cada passo do que terá que fazer, de forma a torná-Io mais ligado na tarefa do que em si mesmo. Técnicas de desenvolvimento de sua assertivi­dade também são desejáveis.


Exemplos clínicos

Caso C. Bancária, 38 anos, 12 anos em psicanálise para tra­tamento de quadro agorafóbico centrado no medo de atraves­sar, por balsa, a distância Guarujá-Santos, túneis, andar em elevadores. Co-morbidade com estado depressivo: desâni­mo quanto à possibilidade de mudanças em sua vida (supe­ração de seu problema, reestruturação de sua vida profissio­nal, estruturação de relacionamento afetivo). Apesar de bonita e inteligente, sente-se feia, desinteressante, pouco capaz de sair de seu trabalho atual e desempenhar sua profissão de for­mação e vocação e de conquistar um namorado que lhe satis­faça. Sente-se responsável pelo pai doente, apesar dele ter uma companheira, e pela mãe, solitária após a separação de seu marido. Seus pânicos ao atravessar o mar com a balsa parecem relacio­nar-se com o desejo de afastar-se de sua vida atual e construir uma nova vida para si, no que, se sente culpada e prisioneira de sua vida atual. Afastar-se lhe dá medo, ficar lhe deprime. Seus pânicos são disparados por pensamentos automáticos re­lacionados à morte ou loucura. Questionamentos nas sessões revelaram sua falta de sustentação e conduziram a testes na realidade: exposição progressiva às situações ameaçadoras. Ini­cialmente, o terapeuta acompanhou-a para as primei­ras aproximações em relação à travessia de balsa e pôde aju­dá-Ia a detectar esses pensamentos e a decatastrofizá-Ios.

Depois, C. começou a desempenhar sozinha as travessias e, ela mesma, a examinar a validade e a credibilidade de seus pensamentos. Depois de cinco ensaios, já atravessa com a balsa com relativa tranqüilidade (cerca de um mês de tratamento). Atualmente o trabalho dirige-se para a modificação de suas crenças negativistas que fundamentam seu quadro depressi­vo.

Caso S. Jornalista, 36 anos. Crises de pânico iniciadas jun­to com progressivas dificuldades de desempenhar sua profis­são (situação econômica do país, conciliação com suas tare­fas do lar etc.). S. é uma mulher inteligente, bonita, realizado­ra para quem não havia barreiras para seus objetivos. Mãe de duas filhas, separada, conseguiu com independência e deter­minação, estabelecer-se profissionalmente. Sua independên­cia, na verdade, é mais uma contra-dependência em função de sua história familiar: pai separado e ausente e mãe competi­dora. Desafia-se a conseguir tudo o que almeja: não consegui-Io passou a ser visto por ela como fracasso e ameaça, já que acre­ditava não poder contar com ninguém. A freqüência e inten­sidade de seus pânicos a decidiram complementar sua psico­terapia com medicação. Aprendeu a detectar seus pensamen­tos catastróficos (morte por ataque cardíaco, por exemplo) e a manejá-Ios. Utilizando-se da estratégia ACALME-SE (!), apren­deu a manejar sua ansiedade, conseguindo ficar so­zinha em casa. Passou então a expor-se gradualmente a situa­ções externas, sozinha, detectando e questionando seus pen­samentos até reestruturá-Ios. Hoje está assintomática em fase de suspensão da medicação. Examinamos na psicoterapia suas tendências à onipotência e sua contra-dependência.

Referências bibliográficas

1. BANDURA A – Self-efficacy: toward a unifying theory of behaviour change. Psychological Review, 84: 191-215.1977.

2. BARLOW DH – Anxiety and its Disord­ers. Nova Iorque: Guilford, 1989.

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6. GlTTELMAN R – The Rela­tionship between Childhood Separation Anxiety Disorder and Adult Agoraphobia. Tra­balho Apresentado na Conferencia do Nova Iorque State Psychiatric Institute de Setembro de 1983.

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9. LANG P – The Application of Psychophysio­logical Methods to the Study of Psychotherapy and Behaviour Modification. Em: AE Bergin & SL Garfield (eds.) – Handbook of Psychotherapy and Behaviour Change. Nova Iorque: Wiley, 1971.

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11. MlCHELSON L & ASCHER LM – Anxiety and Stress Disorders. Nova Iorque: Guilford, 1987.

12. KRAMER M, ROBINS LM, GEORGE LK, KERNO M & LOCKE BZ – One month prevalence of Mental Disorders in the United Slates. Arch Gen Psychiatry. 45: 977-986, 1984.

13. WOLPE J – Psychotherapy by Reciprocal lnhibition. Stanford: Stanlord University Press, 1958.

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