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Psicodrama com crianças: uma psicoterapia em desenvolvimento

O Psicodrama é uma metodologia interessante e eficiente para a psicoterapia de crianças e pais. Trata-se de proposta singular de tratamento do psiquismo, dos sentimentos, do comportamento e da relação humana. Utiliza técnicas simples, de profundo significado.
Sabemos que, ainda hoje, a grande maioria de psicoterapeutas, psicólogos e psiquiatras de crianças, realizaram suas formações através de forte influência das teorias e técnicas psicanalíticas, afinal, historicamente, é na psicanálise que se encontra o início de todas as psicoterapias, inclusive a de crianças. Só há alguns anos é que temos tido a oportunidade de observar a inclusão do Psicodrama como matéria, bem como orientação de núcleos e estágios nas faculdades de psicologia e medicina, ainda assim, muito pouco voltados para a área de atendimento de crianças.

Categorizada academicamente como especialização, a formação em psicodrama, mantém, com predominância, a abordagem de conceitos e técnicas com enfoque para atendimento de adultos. Há mais de duas décadas, o Departamento de Psicodrama do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo), no qual sou supervisora, oferece aos psicoterapeutas, por dois anos no decorrer do curso de Especialização em Psicodrama, a supervisão de atendimentos de crianças e pais. Apesar de haver Escolas de Formação em Psicodrama em todo o Brasil, incentivadas pela Federação Brasileira de Psicodrama, ainda são poucas as que se dedicam ao Psicodrama com crianças. Desta forma, levando em conta o grande número de psicodramatistas brasileiros, poucos tem se dedicado especialmente à infância e ao aprofundamento de estudos nesta área. Poucos formadores, poucos formados, escassez de publicações, lento caminhar. Assim, considero o Psicodrama com crianças no Brasil uma psicoterapia em desenvolvimento. Apesar disto, “é proposta singular de tratamento do psiquismo, dos sentimentos, do comportamento e da relaçãoPara os pioneiros, não tem sido uma tarefa simples “criar” o psicodrama para o público infantil, levando em conta que o modelo original de contactos com crianças deixados por J. L. Moreno, o criador do Psicodrama, é proveniente dos resumidos relatos de seus encontros com elas nos Jardins de Viena ― Godplaying = Jogando o papel de deus (Moreno, 1997), das experiências realizadas em família, Moreno, Zerka e o filho aos 4 anos de idade, Jonathan (Moreno, 1974, 1983) (Zerka Moreno, 1975), do Adestramento da Espontaneidade (Moreno, 1975), dos Testes e Diagramas de Papéis (Moreno, 1975) e de um protocolo do atendimento de Karl, “O Tratamento Psicodramático do Comportamento Neurótico Infantil – O método do psicodrama simbólico, Viena 1922” (Moreno, 1974, 1975). Para a causa clínica estes são materiais inéditos e muito interessantes, pois inspiram, oferecem novos olhares, caminhos e procedimentos.

A primeira publicação brasileira que sistematiza o psicodrama com crianças é o artigo de Ferrari e Leão (1984), “Psicodrama infantil: teoria e prática” (apresentado no III Congresso Brasileiro de Psicodrama, em 1982). Nesta ocasião, as autoras sintetizam dez anos em coterapia no atendimento de crianças mostrando a viabilidade do método psicodramático para crianças tanto em atendimentos individuais como grupais. Apesar das dúvidas que as autoras disseram manter na ocasião, considero ainda hoje, que conseguiram propor um atendimento clínico muito fiel aos princípios socionômicos de Moreno adaptando as técnicas ao público infantil segundo as possibilidades de cada faixa etária e o amadurecimento socioafetivo e cognitivo das crianças. Não me pareceu que tivessem grandes conflitos na prática apesar de terem tido formações, também, de base psicanalítica. Tudo fluía de forma surpreendente.A primeira vez que tive contato com o Psicodrama de crianças foi através da cadeira de Psicodramas Especiais no decorrer do curso de especialização em Psicodrama no Instituto Sedes Sapientiae, em 1978. Neste ano, eu concluía outra fascinante especialização, a de Psicoterapia Psicodinâmica com crianças. Eu atendia crianças em clínica privada e também trabalhava como psicóloga na área de educação infantil. Fiquei encantada com a proposta psicodramática aplicada às crianças e, sem qualquer titubeio, quis aprender e aplicar.

As escassas publicações disponíveis no decorrer dos anos 1980 se referiam ao psicodrama analítico desenvolvido pelos franceses tais como Anzieu (1981), Widlöcher (1970), Kestemberg e Jeammet (1989), e o argentino Pavlovsky (1975, 1981). O livro de Zerka Toeman Moreno intitulado “Psicodrama de Crianças” (Zerka Moreno, 1975), pouco acrescentou em relação aos escritos originais de J.L. Moreno. Aos poucos fui ampliando a minha visão e os recursos psicoterápicos nesta área. No III Congresso Brasileiro de Psicodrama realizado em Caiobá, 1982, apresentei meu primeiro trabalho em psicodrama (publicado em 1984): “Abordagem psicodramática de uma criança e seus pais”. Nele exemplifiquei através de um caso clínico, como o psicoterapeuta pode assumir o papel de “ego-auxiliar” de uma relação triangular: pai, mãe, criança. “Ego-auxiliar” de cada membro desta relação, sendo, inicialmente, uma extensão de cada um, podendo identificar-se com ele e representá-lo diante dos outros. Este foi meu começo, uma tímida exposição. No congresso seguinte apresentei um trabalho um pouco mais ousado, “A postura psicodramática em um processo infantil e seu valor terapêutico familiar” (Petrilli, 1985). Depois, sempre estive produzindo: escritos, cursos, workshops, atividades em congressos, sempre abordando o psicodrama com crianças. Ao longo de muitos anos oscilei entre acreditar na necessidade de “purificação” do método moreniano quando aplicado em crianças e a necessidade de integrá-lo aos conceitos e práticas da psicodinâmica para preencher, o que eu considerava como lacunas do psicodrama, procurando sempre compreender o “como” fazer, da melhor maneira possível. Eu não estava sozinha.

Algumas publicações da década de 80 até meados dos anos 90 revelam esta busca entre os psicodramatistas brasileiros. Uma que merece destaque é de autoria de nossa colega Vannuzia Peres (1985), “Psicodiagnóstico infantil― a utilização dos modelos: psicanalítico e psicodramático. Em 1991, no I Encontro de Psicodrama da Infância e Adolescência, em 1991, apresentei meus estudos sobre psicoterapia individual com crianças propondo uma psicoterapia através da relação que articula conhecimentos de psicodrama e de psicodinâmica, uma síntese de minhas formações (publicado em 2000, com revisões). Em 1992 apresentei um artigo sobre o psicodiagnóstico de crianças na prática psicodramática onde a partir de um levantamento realizado na obra de Moreno, procurei demonstrar que ele não aboliu, nem condenou, efetivamente, a prática diagnóstica como afirmavam algumas publicações brasileiras. “Psicodrama com crianças: uma psicoterapia possível”, livro organizado por Camila Salles Gonçalves (psicodramatista e psicanalista) e publicado em 1988, legitimou a prática psicodramática com crianças em nosso meio. Camila nos representou: “O psicodrama auxilia as crianças na superação de obstáculos ao seu desenvolvimento emocional, através daquilo que ninguém lhes pode tirar ― sua imaginação.

É através de jogos, brincadeiras e histórias, espontaneamente criados, que as crianças procuram lidar com o mundo que proporcionamos a elas. Tentam assimilá-lo, entendê-lo e transformá-lo. As psicoterapias com crianças são sempre ludoterapias, situações em que o terapeuta presencia seu ‘brincar’ indispensável ou colabora para que este ocorra. A terapia psicodramática conta com uma forma específica de brincadeira ― o teatro de faz-de-conta. Na representação dramática, agindo ‘como se’ ou ‘fazendo de conta que’, a criança expressa o que atinge sua sensibilidade, o que lhe dá prazer ou desprazer e vontade ou medo de aprender. Revela o sentido que o mundo tem para ela, ou o revê, através de papéis imaginários que é capaz de reconhecer, imitar, interpretar”. Em seguida, outra excelente e bem-vinda contribuição ao psicodrama com crianças (publicações em 1997 e 1999) foram os estudos realizados por Mariângela Wechsler (dissertação de mestrado e Tese de doutorado), que a partir de leitura psicopedagógica, teceu desdobramentos e atualizações do conceito de “matriz de identidade” numa perspectiva construtivista. Com muita competência e desenvoltura, apresentou a correlação entre a Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Jean Piaget e a Teoria Psicodramática de J. L. Moreno, culminando com proposta de articulação, tratando-os como um processo de construção da identidade sócio-afetiva-cognitiva do indivíduo. A concepção moreniana de homem é a de um ser espontâneo e social.

As fantásticas teorias da Socionomia de Moreno articulam-se à proposta de uma “Revolução Criadora”, isto é, a de recuperar a espontaneidade e criatividade (inatas no Homem), que são dificultadas ou perdidas no decorrer do desenvolvimento pelas pressões do meio ambiente ― o grupo humano mais próximo, como a família (Matriz de identidade e Átomo Social) e da rede social em que a família se insere (Rede sociométrica e social). As Teorias do Momento (instante, aqui e agora), Ação, Papéis, Encontro e Espontaneidade-Criatividade, norteiam, com muita propriedade, o psicodramatista na clínica com crianças. Da mesma forma, podemos considerar os conceitos da Sociodinâmica inerentes às relações interpessoais, preciosamente detectados e descritos por Moreno tais como “Role playing”, “Role taking” e “Role creating”, Fator “e”, Fator “tele”, Tele, “Status nascendi”, “Lócus nascendi”, Co-inconsciente, Co-consciente. Também são importantes os conceitos de “Acting out”, Catarse de Integração e os que se referem à Sociometria e à Psicoterapia de grupo. Porém, não tem sido fácil obter uma unanimidade na interpretação dos conceitos e princípios socionômicos. Tomando como exemplo a obra psicanalítica de Freud, que a despeito de ter sido apresentada na literatura de uma maneira bem mais sistematizada que a obra de Moreno, ainda assim provocou uma multiplicidade de interpretações.

Não é novidade para os simpatizantes do psicodrama que Moreno teve uma forma pouco sistemática de transmitir sua criação socionômica, abrindo brecha para que cada um de nós entendesse a teoria e prática psicodramática à sua maneira e conveniência. É possível observar pela literatura nacional, que cada escritor faz uma compreensão diferente dos textos de Moreno, cada um escolhe o eixo principal da teoria socionômica, uns a teoria dos papéis, outros a matriz de identidade, outros o teatro espontâneo, e assim por diante. Embora existam convergências, temos uma multiplicidade de saberes psicodramáticos. O que há de positivo nisto? Enquanto são demonstradas essas interpretações plurais, praticamos mais e mais, a cada dia, exercícios reflexivos. O que me parece comum nos autores é que todos entendem o psicodrama, metodologia socionômica, como uma aquisição preciosa e libertadora. Assim é, para mim, a prática da psicoterapia psicodramática com crianças (e pais), preciosa e libertadora.

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