RedePsi - Psicologia

A Análise do Comportamento como uma organização

O artigo  procura discorrer sobre possibilidades de promoção e desenvolvimento da Análise do Comportamento no Brasil comparando-a com uma organização voltada para a oferta de um produto agregado: uma tecnologia de modificação do comportamento.  O método utilizado para a construção do artigo foi a revisão bibliográfica e o referencial teórico utilizado foi o Behaviorismo Radical. O texto é dividido em cinco partes: uma introdução onde se apresenta os objetivos e a justificativa do texto; um tópico em que se disserta sobre a Análise do Comportamento caracterizando-a e demonstrando que a mesma é uma ciência capaz de nos ajudar a compreender os processos de produção e disseminação do conhecimento e de modos de organização dos grupos; um tópico voltada para a reflexão a respeito da necessidade dos Analistas do Comportamento trabalharem de modo organizado e unificado para a promoção e desenvolvimento da Análise do Comportamento no Brasil; uma parte voltada para a apresentação de uma modelo de descrição/explicação do comportamento organizacional e que pode facilmente ser usado para uma estruturação da Análise do Comportamento no Brasil e finalmente algumas propostas operacionalizáveis para a promoção e desenvolvimento da Análise do Comportamento no nosso país.

 

Palavras-Chaves: Análise do Comportamento, organização, ciência, metacontingências, práticas culturais.

1- Introdução

Discorrer sobre as possibilidades de organização de qualquer grupo pode ser considerado uma tentativa ousada. Lançar propostas de modos de agrupamento sempre foi um ato muito sedutor, algo que levou líderes a se engajarem em grandes conflitos ou guerras, a causarem a extinção ou desagregação de pessoas ou instituição, a provocar situações inesperadas, crises sociais, econômicas e grande sofrimento. A história está repleta de exemplos de homens, mulheres e grupos que munidos (ou não) de poder lançaram suas propostas de mudança e foram (ou não) aceitas pelos seus pares, colegas, subordinados, amigos, eleitores ou sócios. Muitas vezes essa aceitação não se deu de forma democrática, mas por imposição e em situações que se utilizou de força para atingirem-se os objetivos desejados. Mas esses “atrevimentos” não devem e não podem ser, de forma alguma, encarados como uma ofensa, como um ato de prepotência ou arrogância e muito menos como sinônimo de fanatismo ou radicalismo. Quando alguém se sente pertencente a um grupo geralmente ela trabalha, mesmo que de forma indireta, para a manutenção do mesmo, do seu poder, dos seus privilégios e capacidade de influência até por que se o grupo em que essa pessoa está inserida cresce e ganha poder ela também crescerá e ganhará poder.Quando uma “organização” que é objeto da análise se refere a um grupo de diferentes pessoas que vivem espalhadas em um imenso território essa ousadia pode ser tomada como algo mais atrevido ainda: pessoas com gostos e interesses diferentes, que se emocionam em momentos diferentes e por motivos diferentes, pessoas casadas, solteiras, brancas ou negras, jovens ou idosas, mulheres ou homens, crentes ou agnósticas, profissionais adultos ou estudantes adolescentes, que trabalham com educação ou com saúde, que se empregam em instituições ou abrem seu próprio negócio, especialistas, mestres ou doutores que ensinam e pesquisam.A proposição e aceitação de formas de organização social também pode ser base para o aumento da variabilidade e dos modos de sobrevivência de um grupo, logo isso é mais um motivo para que o estímulo à proposição de formas de organização social seja uma postura permanente dentro de qualquer grupo. Sobrevivência, adaptação, desenvolvimento e sustentabilidade são conceitos que estão intimamente ligados á variabilidade de comportamentos individuais e de padrões de comportamento grupal. Sobreviver é variar, alterar, modificar e diversificar e não permanecer ou cristalizar. A diferença de boas propostas para propostas ruim de organização é que as primeiras geralmente passam pelo crivo das pessoas de que são alvo e as outras geralmente não.

 

O importante não é se preocupar com as propostas que vêem á tona, mas com as propostas que vêem á tona e não são analisadas pelo grupo-alvo. Para alguns esse processo se chama democracia (ou gestão) participativa. Para outros é somente a forma mais fácil, prática e rápida de se dificultar decisões e medidas ditatoriais, sem fundamento, descontextualizadas, que não resolvem o que se propõe a resolver e ainda por cima privilegiam poucos.  Por mais complicada e trabalhosa que possa ser esse tipo de democracia ela impede muita coisa além de geralmente fazer com que os “controlados” e “contracontrolados” se envolvam com os interesses grupais mais do que com interesses pessoais nos momento em que isso deve ocorrer.Um último aspecto a ser tratado antes de iniciar o desenvolvimento desse texto é considerar que a proposição de formas de organização social para um grupo não é pressuposto para se afirmar que esse grupo esteja desorganizado. Um grupo que tenha como meta final a sobrevivência deve variar, mudar, modificar permanentemente o contexto para que ele seja modificado por esse contexto e as mudanças não devem ser encaradas necessariamente como sinal de enfraquecimento, de falecimento, de extinção de desagregação, mas como a base para a sustentação e para o desenvolvimento.

2- A análise do comportamento

O grupo social sobre o qual se discorrerá contém membros que são denominados ou se denominam Behavioristas Radicas e/ou Analistas do Comportamento. No Brasil eles são majoritariamente registrados em Conselhos Profissionais de Psicologia e/ou cursam graduações e pós-graduações de Psicologia. “Filósofos e Psicólogos geralmente dividem o conhecimento em operacional e declarativo: ’saber como’ e ‘saber sobre’.” (BAUM, 1999, p.114). Por isso antes de iniciar a discussão sobre o que é conhecimento seria interessante distinguirmos os tipos. “Saber ‘sobre’ difere de saber ‘como’ apenas por envolver controle de estímulo” (BAUM, 1999, p.116). Isso quer dizer que quando se diz que alguém sabe falar sobre “algo” então está se dizendo que aquela pessoa pode, por exemplo, responder a uma série de perguntas e respeito desse “algo” que podem ser feitas por outras pessoas, ou até por ela mesma, ou seja, as respostas derivadas das perguntas são a base para se dizer que alguém conhece algo, afinal só se sabe que alguém sabe sobre “algo” se ela expressa esse saber de alguma forma , caso contrário nunca ter-se-ia essa certeza, além disso pode-se dizer que essa expressão assume várias formas.

 

Quando se afirma que alguém sabe fazer “algo” está sendo revelada uma ligação desse fato com o seu contexto de ocorrência. Está se dizendo que essa pessoa sabe fazer uma, duas, três, quatro, uma série de ações que estão ligadas intrinsecamente ao saber como fazer “algo”. Ela pode fazer esse “algo” á tarde, á noite, quando outra pessoa pede para ela fazer, quando ela presencia um outro fato e se lembra de fazer esse “algo”, enfim pode-se arrolar uma série de situações que poderiam resultar em dizer que alguém sabe como fazer “algo”. Assim falar que alguém sabe como fazer “algo” é relatar ou expressar fatos relacionados a esse fazer.“O conhecimento operacional, ou o ‘saber como’, significa que algum comportamento ou categoria de comportamento particular foi observado. […] O conhecimento declarativo ou o ‘saber sobre’, significa que o comportamento referido está sob controle de um estímulo […] O ‘saber sobre’ refere-se à discriminação. No caso especial de ‘saber sobre’ em que o comportamento sob o controle de estímulo é um comportamento verbal, diz-se que uma pessoa sabe sobre um assunto se ela fez asserções que foram reforçadas (que são “corretas”) sob controle de estímulos discriminativos do ambiente […], particularmente estímulos providos por outras pessoas como perguntas” (BAUM, 1999, p123).Poder-se-ia dizer então que o conhecimento é uma forma – na verdade um conjunto vasto de formas, ou classes, ou tipos – de comportamento. Conhecer é falar, escrever, pensar, agir, sentir, apontar, conversar. O conhecimento não é algo metafísico, abstrato, não paira sobre as nossas cabeças ou está dentro dela.

 

O conhecimento é fato, é físico e está presente em todas as dimensões dos comportamentos aos quais temos acesso. Até por que conhecer é algo inerente à condição humana e faz parte de nossas vidas desde que nascemos. Existem diferentes formas de se conhecer, ou pelo menos de se saber que alguém conhece “algo”, e uma delas é o comportamento verbal. As palavras fazem parte das nossas vidas e assim como todos os outros comportamentos estão relacionadas e existem dentro de um contexto. Falar é conhecer. E as palavras assumem diferentes ”significados” em diferentes situações. Outras formas de expressão também podem assumir “significados”, como gestos ou sons”O ‘significado’ do comportamento verbal está em seu uso, suas conseqüências dentro de um contexto […] O ‘significado’ de um nome é o contexto e as conseqüências de sua ocorrência […] Perguntar qual o ‘significado ‘ de um termo é perguntar qual o contexto e quais as conseqüências de sua ocorrência” (BAUM, 1999, p.144).Assim quando, por exemplo, alguém pergunta o conceito de “algo” está perguntando o “significado” do mesmo. Em outros termos podemos dizer que os conceitos e sua explanação acima de tudo revelam o contexto de sua ocorrência. ”Dizer que o uso ou o significado de um operante verbal está nas suas conseqüências dentro de um contexto, é dizer que sua ocorrência depende de uma história de tais conseqüências em tais contextos” (BAUM, 1999, p.144).Baum (1999 p. 144) diz que “os operantes verbais que podem ser considerados informativos não especificam um determinado reforçador; ao invés, ocorrem na presença de determinados estímulos discriminativos”. Assim quando alguém faz alguma pergunta a outra, esse alguém está emitindo um estímulo discriminativo (ou vários dependendo das especificações das unidades de comportamento), ou seja, um “lembrete” que vai ocasionar, “induzir” a resposta sobre o assunto. Inquirir então é simplesmente criar ocasiões para a emissão de alguns comportamentos verbais. Quando se pergunta sobre o conceito ou significado de algum objeto estamos, na verdade, definindo uma situação em termos de outra. Isso significa dizer que aquela resposta já foi emitida em outras situações semelhantes e foi reforçada.

 

O sujeito que emite a resposta já teve algum contato com ela mesmo que indiretamente, já leu a respeito, ouviu, assistiu a algum programa de TV ou rádio que contemplasse essas palavras, conversou com alguém, enfim, já faz parte de sua vida. Se a ocasião, na qual uma palavra foi reforçada, re-ocorre essencialmente inalterada, o comportamento não precisa de uma outra explicação.  O reforçamento teve seu efeito usual. Enquanto membro de uma cultura, o indivíduo se comporta da maneira que foi ensinado, isto é, de acordo com as contingências de reforçamento mantidas pelo grupo. ”Um termo é sempre definido em termo de outros. Ás vezes, um conjunto de termos inter-relacionados são igualmente conhecidos (ou desconhecidos), mas ainda assim são todos definidos em termos um do outro” (BAUM, 1999, p.146).Um “conceito”, ou seja, um termo sempre está ligado a outros. Palavras dependem de outras palavras para existirem, por isso quando se pergunta a alguém o conceito de “algo” se faz referência naturalmente a outras palavras, a outras categorias de “significado”. Assim pode-se facilmente (na verdade é isso que ocorre) definir uma palavra em termos de outras, ou seja, criar parâmetros, para efeito de comparação e análise.Pode-se dizer então que as pessoas “manifestam” os conceitos, elas não os têm guardados em algum lugar fictício, que não pode ser localizado no tempo e no espaço.

 

Os conceitos são “manifestados” pelas pessoas, grupos, sociedades, culturas, até por que são formados a partir da e com a ajuda destes numa relação bidirecional organismo-ambiente ou indivíduo-sociedade. Um conceito necessário de ser trabalhado nesse texto é o conceito de Análise do Comportamento.A Análise do Comportamento é uma Ciência Natural que se divide em três partes “O seu braço teórico, filosófico, histórico, seria chamado de Behaviorismo Radical. O braço empírico seria classificado como Análise Experimental do Comportamento. O braço ligado à criação e administração de recursos de intervenção social seria chamado de Análise Aplicada do Comportamento”. (TOURINHO, 1999 apud CARVALHO NETO, 2002 p.2) Seu objeto de estudo de acordo com Carvalho Neto (2002 p.4) é o comportamento e o mesmo poderia ser conceituado como “a interação entre um organismo, fisiologicamente constituído como um equipamento anatomo-fisiológico, e o seu mundo, histórico e imediato”. Para a Análise do Comportamento “Uma ciência é um conjunto de declarações verbais sobre o mundo sob o controle de contingências bem discriminadas, que constituem assim um método, uma forma específica de falar sobre o mundo. Uma ciência natural é um discurso sobre o mundo que descreve relações entre eventos naturais. Um evento natural é um fenômeno que tem dimensões temporais e/ou espaciais discerníveis pelos órgãos sensoriais de um ser humano comum; distingue-se de eventos supranaturais ou imateriais, que não manifestam essas dimensões” (STARLING, 2001 p.1). Starling (2001 p.1) acrescenta que teorias São conjuntos discriminados de palavras: sons, modulados de uma certa maneira. Se forem somente pensadas, nem sons são. Assim sendo, teorias não podem, por si mesmas, alterar o mundo físico. Teorias são declarações sobre o mundo que controlam o comportamento da pessoa que as pronuncia, aumentando a probabilidade de que ela responda aos estímulos do ambiente dessa maneira, e não daquela. São essas respostas assim diferenciadas que podem mudar o mundo, por introduzir nele estímulos que antes não estavam presentes. Assim, nesta proposição epistemológica, ou seja, da Análise do Comportamento.

 

A característica básica necessária e suficiente para uma ciência natural é que as relações que ela declara ocorram entre eventos naturais e que essa declaração inclua a descrição dos meios também necessariamente naturais através dos quais essas relações possam ser estabelecidas (STARLING, 2001 p.4). Baum (1999 p. 146) afirma que Dado que o cientista é um organismo que se comporta, devemos esperar que os conceitos da análise comportamental possam ser aplicados ao comportamento dos cientistas da mesma forma que são aplicados ao comportamento de qualquer pessoa. Isso significa que o Analista do Comportamento é um organismo que em determinado lugares e momentos, mais do que as outras pessoas: fala do “mundo” a seu redor usando os conceitos do Behaviorismo Radical, estuda Análise do Comportamento, pesquisa usando a Análise Experimental do Comportamento como método, usa a Análise Funcional para trabalhar como Analista Aplicado do Comportamento, lê livros, pesquisas, dissertações, teses e artigos escritos por outros Analistas do Comportamento, participa de associações e sociedades científicas formadas e fundadas por Analistas do Comportamento, assiste a palestras ou participa de eventos científicos ministrados e/ou organizados por Analistas do Comportamento, se declara um Analista do Comportamento quando o perguntam o que ele é ou faz dentro da Medicina ou Psicologia, fica triste ou enfurecido quando ouve críticas sem embasamento a respeito da Análise do Comportamento, se sente feliz quando um novo conceito é criado pelos colegas Analistas do Comportamento ou novos princípios são “descobertos” por Analistas Experimentais do Comportamento… Poderíamos listar uma série de classes de comportamento além dos tratados, mas considera-se suficiente o conjunto citado acima. Ele no faz perceber um detalhe que não pode passar despercebido: tudo isso é comportamento e pode ser estudado pelos próprios Analistas do Comportamento.  

 

As maneiras como os Analistas do Comportamento adquirem e mantêm esse repertório é objeto de estudo deles mesmos. Dittrich (2005 p. 28) afirma que “ao estudar o comportamento científico, ela volta-se sobre a sua própria atividade”.  Como e por que os Analistas do Comportamento mantêm esse repertório? Como eles explicam isso? “O conhecimento científico […] é um tipo de conhecimento declarativo, ou “saber sobre”. Diz-se que um cientista “sabe sobre” algo quando é capaz de falar (e principalmente responder a perguntas) corretamente, dentro de um contexto. […] Colocando em termos de análise comportamental, o comportamento verbal do cientista serve como estímulo discriminativo para que os outros afirmem que ele conhece determinado assunto. Se um número suficiente-mente grande de cientistas começa a afirmar isso, a descoberta se torna parte do conhecimento comum – parte do comportamento verbal – desse grupo de cientistas. Conhecimento científico é comportamento verbal de cientistas em contextos científicos”. (BAUM 1999 p.147) O importante a destacar na fala de Baum é o caráter grupal que ele dá ao conhecimento científico, ou seja, ciência se faz com algum nível de concordância entre os seus pares.

 

A comunidade aqui é equiparada a um grupo de pessoas que possui elementos em seus padrões de comportamento que são comuns. É como se essa fala delimitasse as fronteiras de um tipo de cultura ou sub-cultura dentro da nossa sociedade: a cultura científica. “Cultura é o comportamento aprendido de um grupo” (BAUM 1999 p. 245) Baum(1999 p. 147/148)  continua sua explanação da seguinte forma O ponto principal da questão, aqui, é que os cientistas são organismos que se comportam e que a ciência é um tipo de comportamento operante que, como os outros comportamentos operantes, é controlado pelo contexto e pelas conseqüências. Talvez devêssemos incluir os textos escritos por cientistas como parte de seu conhecimento. Como escrever artigos e livros pode não ser chamado de comportamento verbal, talvez tenhamos de dizer “falar e escrever”. Mas a questão não mudaria: falar, escrever, conduzir experimentos, fazer mensurações – tudo isso são comportamentos operantes controlados por contexto e conseqüência. [Isso gera] a concepção de que os cientistas são organismos que se comportam, que a ciência é comportamento operante, e que o conhecimento científico consiste no comportamento verbal dos cientistas. Para Análise do Comportamento a verdade de uma teoria científica reside na sua utilidade, ou seja, ”a probabilidade do comportamento verbal depende de seu reforço”. (BAUM 1999 p.148) Tão importante quanto saber como e porque os Analistas do Comportamento mantêm seu repertório que o caracterizam como tais é saber a utilidade desse repertório. Para que ele serve? Starling (2005 p.3) nos ajuda a entender por que a Análise do Comportamento assim como as demais Ciências Naturais é considerada útil pelos que a fazem.

 

É importante para o bem-estar e, muitas vezes, para a própria sobrevivência de organismos, espécies e culturas obter soluções aceitáveis para eventuais problemas práticos, sejam eles de natureza física ou social. Membros individuais especialmente felizes e constantes em obter tais soluções foram chamados de sábios em outras épocas e, na nossa, costumam ser chamados de cientistas. Modos de organizar o mundo através de declarações verbais sobre os fenômenos e/ou práticas de intervenção direta nos fenômenos que regularmente obtêm tais soluções são chamados de sabedoria ou ciência. Exatamente que tipo de situação seria considerada um “problema prático” para as diversas comunidades humanas é também algo que se subordina a lugar e tempo. Confiamos naquilo que é constante, nas regularidades e invariâncias. Como os “sábios” regularmente produzem soluções satisfatórias para os problemas, tendemos a confiar nos seus discursos e nas suas práticas. Dessa maneira, “sábios” – modernamente os “cientistas” – passam a serem vistos como detentores de recursos importantes para uma dada comunidade e, com isso, adquirem poder: Admite-se que por suas ações ou omissões podem atuar na resolução ou na permanência dos problemas presentes na comunidade. Assim, requerer para um dado discurso ou prática o qualificativo moderno de “científico” costuma ter por efeito o incremento da confiabilidade e do valor reforçador presumido daquele discurso ou prática e um correspondente incremento no poder atribuído ao seu detentor ou detentores. Dittrich (2004 p. 50) afirma que A atividade científica surgiu e se desenvolveu em razão de suas conseqüências práticas, e não por que o “Homem Pensante” decidiu de antemão que certas regras metodológicas e/ou certos pressupostos metafísicos apontaria a melhor maneira de se chegar à “verdade” sobre o mundo. Logo, algumas pessoas continuam falando do comportamento através de termos criados pela Análise do Comportamento por que esses termos possibilitam a aquisição de novos conhecimentos, o desenvolvimento de novas teorias e a resolução de alguns problemas práticos.

 

A melhor forma de entender como e por que um conhecimento científico se perpetua (ou não) em uma sociedade é através do processo da seleção de práticas culturais. Se a prática de cientistas é uma prática cultural – pois é comum a um grupo – ela está sujeita aos mesmos processos de seleção das outras práticas culturais. Se ela é selecionada é por que tem alguma utilidade para algum (ns) grupo (s), ou seja, tem efeito reforçador. O ideal é que essa prática tivesse utilidade para o maior número possível de pessoas, que beneficiasse o maior número delas, mas sabemos que isso nem sempre é possível por que a Ciência não é neutra. Ele se liga aos interesses de quem a faz e de quem a usa e nem sempre esses interesses são coletivos e se são podem não estar ligados á necessidade que alguns têm de construir um mundo mais repleto de reforçadores e preparar as gerações futuras para a luta pela sobrevivência. Contudo a(s) comunidade(s) científica(s) sempre procura(m) formas de disseminação dessas práticas por que se a perpetuam, se a disseminam é por que são reforçadoras para os seus membros e dentro de repertório da maioria dos cientistas está a crença (na verdade regra se formos traduzir para termos analítico-comportamentais) que esses práticas têm a capacidade de resolver uma série de problemas humanos como foi citado por Starling.

 

O que os cientistas fazem para disseminar seu conjunto de práticas culturais, seu repertório verbal? Os cientistas escrevem artigos e os lançam em revistas para leigos e para outros cientistas, redigem e publicam livros, constroem fundações e centros de pesquisa, se organizam em associações, sociedades, academias e ligas científicas, publicam textos em sites, palestram, ministram cursos e aulas, publicam relatórios de produção científica, inventam produtos e serviços – tecnologias – para serem oferecidos e ofertados pelo governo e pelo mercado sucessivamente, lutam por verbas públicas e patrocínios da iniciativa privada, fundam museus de ciência e tecnologia, se engajam em projetos sociais e comunitários, organizam feiras, congressos, encontros, simpósios, colóquios, jornadas, abrem e coordenam cursos de graduação, pós-graduação, formação, capacitação e especialização, fazem convênios com faculdades, universidades, escolas, academias, com o poder público e o privado para a obtenção de apoio financeiro, dão entrevistas em revistas, rádios, jornais e telejornais, etc. Tudo isso integra o repertório comum desse conjunto de pessoas que são chamadas de cientistas e não poderia ser diferente com os Analistas do Comportamento que também se auto-intitulam cientistas naturais. Pode-se dizer que a organização e a promoção de uma ciência (como a Análise do Comportamento, por exemplo) podem ser feitas de várias formas. Algumas formas são mais eficazes que outras…

 

 

3. Uma comparação…

 

Algo interessante ocorre nos laboratórios de Psicologia Experimental no nosso país. Nesses locais alunos recém ingressos nos cursos de Psicologia são orientado através de protocolos de pesquisa a colocarem ratos brancos em caixas de metal e esperar que eles apertem uma barra para logo após a caixa liberar pelotas de ração. Após vários experimentos semelhantes os estudantes são convencidos a construírem relatórios em que descrevem essas experiências, os quais vão ser requisito essencial para a sua aprovação nessa disciplina. O que garante que esses ratos apertarão a barra? Quem garante que eles irão apertar a barra continuamente como os protocolos pedem? Várias coisas se poderia dizer: a dimensão pequena da caixa que o “obrigaria” um dia a topar com a barra e apertá-la sem ele “querer” para a partir daí a pelota de ração ser liberada; o “instinto” do rato que o “estimularia” a explorar o ambiente e casualmente apertar a barra; o tempo que se deixa o rato na caixa para aumentar a probabilidade do mesmo tocar a barra…Ou ainda: o processo de modelagem que o estudante iria conduzir.  Por que se modela uma classe de comportamento de um rato? Para garantir que ela seja aprendida. Para garantir que ela seja aprendida com rapidez. Para garantir que ela não se perca devido a outras variáveis intervenientes. Por que não se deixa o rato na caixa esperando ele tocar a barra? Não sabemos que se o reforço for liberado contingencialmente ao toque e outras variáveis (nível de privação, qualidade da comida…) contribuírem, ele não aprenderá a responder de acordo com os interesses do estudante? Provavelmente ele responderá do mesmo modo sendo modelado pelo estudante ou por outras variáveis… Mas, afinal, surge uma pergunta: quem tem tempo para esperar que o rato aprenda a bater na barra sem se recorrer ao processo de modelagem? Pergunta semelhante pode e deve ser feita a respeito do desenvolvimento e promoção da Análise do Comportamento: por que esperar que ela ocorra ao acaso se podemos interferir nesse processo?Se podemos facilitá-lo?

4- Um modelo de organização

No nosso contexto sócio-verbal corriqueiramente associamos a palavra “organização” a empresas públicas ou privadas, ou seja, entidades de direito público ou privado que têm como objetivo a administração do Estado e implementação de políticas públicas ou o lucro. Mas de acordo com Mallot e Glenn (2005, p.102) “organizações consistem da interação dinâmica entre os comportamentos de seres humanos e seus produtos”. O conceito acima é essencial para entendermos que a palavra “organização” tem sentido bem mais amplo do que o usual, afinal um número bem maior de entidades culturais agrega comportamentos de seres humanos que estão em interação constante com os seus produtos. Podemos citar como exemplos o governo, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações da sociedade civil, as fundações de direito privado, as cooperativas e outras. Poderíamos incluir no grupo acima as associações, academias, sociedade, ligas e até mesmo comunidades científicas? Objetivamente que sim, afinal de contas todas essas entidades culturais são formadas por seres humanos que se comportam e que em decorrência das contingências entrelaçadas geram produtos agregados.  Quais seriam esses produtos?Esses produtos são as teorias científicas e tecnologias.   

 

Mallot e Glenn (2005, p.101) afirmam que “organizações são entidades complexas em constante mudança” e […] “todas as organizações são entidades culturais”. Basicamente uma organização funciona assim:  “Algumas vezes o comportamento de uma pessoa A, ou o produto desse comportamento, é a ocasião para a pessoa B fazer algo. O comportamento de B, ou seu produto, pode por sua vez estabelecer a ocasião para a pessoa C fazer algo. As contingências comportamentais de A, B e C são interligadas. O mesmo evento ou objeto (e.g., o produto de A) é uma conseqüência do comportamento de A e estabelece a ocasião para o comportamento de B[…] O comportamento de cada pessoa torna-se parte do ambiente passando a integrar contingências comportamentais para outras pessoas. Chamamos esses tipos de relações entre os comportamentos de duas ou mais pessoas de contingências comportamentais entrelaçadas. Elas são os fundamentos da complexidade cultural” (MALLOT e GLENN, 2005, p. 103) Mallot e Glenn (2005, p.102) continuam sua explicação afirmando que O comportamento de A, B e C pode ser parte de um conjunto maior de contingências comportamentais entrelaçadas que, juntas, resultam em um produto agregado […] As contingências entrelaçaras determinam as características dos produtos; e as características dos produtos determinam a aceitação do produto pelo consumidor. A aceitação do produto pelo consumidor é o ambiente externo contingente ao produto das contingências comportamentais entrelaçadas. Assim, “Em organizações estamos interessados nos produtos do comportamento entrelaçado de múltiplos indivíduos; portanto, o comportamento de indivíduos permanece sendo o componente fundamental das organizações.

 

A evolução de uma organização como um todo depende não somente dos comportamentos individuais, mas também, do modo como esses comportamentos se combinam e formam unidades de seleção que evoluem. Dada a complexidade inerente às organizações, o comportamento de qualquer indivíduo raramente pode ser isolado e administrado sem se levar em conta suas interações com o comportamento de outros indivíduos” (MALLOT e GLENN, 2005, p. 103 e 104) O modelo exposto acima pode ser facilmente utilizado para se explicar como uma teoria científica gera novas tecnologias e é aceita pela sociedade. Quando algum pesquisador cria uma nova teoria (produto da pessoa A) geralmente o mesmo procura expô-la para que o máximo possível de pessoas possa conhecê-la, dentre estas pessoas pode surgir algum pesquisador que se interesse em replicar os experimentos do primeiro para verificar se estes geram as mesmas conclusões (produto A ocasiona o comportamento de B). Chegadas ás mesmas conclusões o segundo pesquisador que também é professor procura utilizar a nova teoria em suas explanações durante as aulas para explicar um conjunto de fenômenos da natureza que antes não tinha explicação. As seguidas explanações desse professor-pesquisador convencem um dos seus alunos que durante a sua formação acompanha o mestre na replicação e desenvolvimento de novos estudos (comportamento de B estabelece ocasião para que C faça algo).

 

O estudante se forma e procura utilizar a nova teoria durante a sua atuação profissional e descobre que ainda não existem tecnologias viáveis decorrentes dessa nova teoria. O profissional então vai fazer pós-graduação procurando desenvolver novos maneiras de modificar seu meio sócio-cultural baseando-se na teoria que foi apresentada pelo seu professor. Aquele então consegue desenvolver uma nova tecnologia (produto agregado) que então vai ser utilizada por ele e por outros para resolver um conjunto de problemas humanos que antes não tinha resolução (aceitação do produto agregado pelo consumidor). Obviamente o processo descrito acima é uma simplificação do que ocorre na realidade, porém simplificações não invalidam o fenômeno, somente o torna mais inteligível para um número maior de pessoas. Temos que ter a noção de que “em seu sentido mais amplo uma organização é constituída por um grupo que desempenha tarefas que resultam em um produto em particular. Uma organização é definida pelo que produz” (MALLOT e GLENN, 2005, p.104) “As organizações freqüentemente compreendem diversos sistemas que contribuem para que elas atinjam seus objetivos.

 

O termo sistema é usado para uma variedade de relações entre muitos tipos de elementos isolados, combinados em um todo para alcançar um resultado” (MALLOT e GLENN, 2005, p. 104) Como poderia então ser definido um grupo de pessoas que ensinam, pesquisam, e estudam uma Ciência Natural voltada para o estudo do comportamento dos organismos íntegros e vivos e para a modificação do mesmo? Esse grupo poderia ser comparado a uma organização, uma entidade cultural, uma comunidade composta de professores, estudantes, pesquisadores e trabalhadores que se comportam e se voltam basicamente para a construção, disseminação e utilização de tecnologias voltadas para a modificação do comportamento de indivíduos e grupos.Partindo do pressuposto que esse grupo – na verdade estamos nos referindo ao grupo composto por Analistas do Comportamento – existe e de que o produto agregado resultante do trabalho do mesmo tem utilidade um das primeiras perguntas que podem surgir é se esse grupo, no caso essa organização, está conseguindo atingir seu objetivo maior: disseminar a utilização de tecnologias comportamentais.

 

A resposta para essa pergunta não está nesse texto, mas o entendimento de que a Análise do Comportamento pode ser considerada uma organização no sentido em que Mallot e Glenn tentam passar no seu texto nos ajudaria a encontrar a resposta e caso ela não fosse satisfatória provocar uma mudança. Mallot e Glenn (2005, p.105) explicam que Organizações são como ecossistemas, formados por inúmeras interdependências. A ecologia comportamental oferece uma visão ordenada da natureza que simplifica o estudo das relações entre organismos e seus ambientes físicos, incluindo outros organismos. […] Pensamos ser útil considerara três tipos de complexidade organizacional: ambiental, de componentes e hierárquica. “O número de variáveis externas à organização que afetam seu desempenho determina a complexidade ambiental” (MALLOT e GLENN, 2005, p. 106). Assim, poder-se-ia enumerar as seguintes variáveis externas à Análise do Comportamento que afetam seu desempenho: flutuações na economia do país que determinam o grau de acesso aos serviços oferecidos por Analistas do Comportamento, desenvolvimento de tecnologias analítico-comportamentais, regulamentações legais que afetam a prática do Analista do Comportamento, criação ou falência de empresas que oferecem serviços baseados em tecnologias analítico-comportamentais e a concorrência gerada pela atuação de profissionais que prestam serviços semelhantes. Já “o número de elementos que compõe uma organização determina a complexidade dos componentes”, (MALLOT e GLENN, 2005, p. 107/108), os elementos são as fazes de elaboração do produto agregado. Mas cabe advertir que “Sem um esforço sistemático, as organizações tendem a crescer em complexidade de componentes e se tornam redundantes e ineficientes. Uma complexidade de componentes desnecessária pode ser contraprudentes para os objetivos últimos da organização” (MALLOT e GLENN, 2005, p. 108).

 

De maneira sintética a seguinte interação entre os componentes pode ser observada na Análise do Comportamento, de acordo com Lattal (2005, p.15) As interações mais comuns e influentes na ciência da análise do comportamento envolvem ciência básica para ciência básica e ciência aplicada para ciência aplicada. A análise do comportamento foi caracterizada como uma ciência histórica, visto que práticas atuais e descobertas são construídas a partir de observações e de experimentações prévias. […] o conhecimento atual sobre processos e fenômenos comportamentais é o resultado do acúmulo de experimentação em que novos experimentos são fundamentados em experimentos anteriores. As fontes mais fortes de controle sobre práticas científicas atuais em ciência básica e em ciência aplicada são os experimentos que as precederam em, na maioria das vezes, uma área similar ou relacionada. Pode ser só um leve exagero dizer que muitos, se não a maioria dos cientistas básicos lêem principalmente o que outros cientistas básicos escrevem. Quer dizer, eles lêem pouco sobre ciência aplicada ou áreas tecnológicas de sua disciplina. O mesmo pode ser dito de cientistas aplicados com respeito a literatura aplicada. O trecho acima não expõe claramente a realidade da Análise Aplicada do Comportamento, mas a respeito dele podemos fazer algumas ponderações. A Análise Aplicada do Comportamento teria duas funções vitais:  “(1) manter o contato com o mundo real e alimentar os pesquisadores na área com problemas comportamentais do mundo natural e (2) mostrar a relevância social de tais pesquisas e justificar sua manutenção e ampliação da área como um todo. Como uma ciência baconiana, não contemplativa, a Análise do Comportamento tem compromissos de melhoria da vida humana e o seu braço aplicado pode funcionar como um eficiente aferidor das conseqüências práticas prometidas”. (CARVALHO NETO, 2002). Canaan-Oliveira (2003 p.1) afirma que  O adjetivo “aplicado (a)” se refere a algo que foi sobreposto, posto em prática ou empregado […]o uso da palavra “aplicada” na linguagem cotidiana parece implicar numa separação entre dois mundos: um mundo que produz  conhecimento e um mundo onde o conhecimento é aplicado na prática. Muitos Analistas do Comportamento utilizam a palavra “aplicada” no sentido de prestação de serviço, concebendo o trabalho aplicado como intimamente ligado à psicologia profissional. (Azrin, 1977; Johnston, 1996; Luna, 1997; Oliveira, 2003 p. 1).

 

De acordo com esses pesquisadores nas atividades de prestação de serviços os Analistas Aplicados do Comportamento se deparam com indivíduos ou grupos de indivíduos que têm algum problema de natureza prática explícito ou não para que esse profissional solucione-os. O uso da palavra “aplicada” enquanto prestação de serviço encontra-se bem estabelecido na literatura comportamental. Mas problemas decorrentes do emprego da palavra “aplicada” enquanto sinônimo de “prestação de serviços” vão além de onde se possa imaginar. Deitz (1978 apud Oliveira 2003 p. 3), por exemplo, argumenta que  O campo da Análise Comportamental Aplicada está se tornando cada vez menos científico e cada vez mais tecnológico, havendo menos interesse em questões conceituais. Ou seja, a ênfase mudou da análise experimental precisa das relações funcionais entre variáveis independentes e dependentes para a efetuação de modificações em variáveis dependentes per se que possam contribuir para a melhora do comportamento. Bennett (1987 apud Oliveira 2003 p.4) afirma o que tem sido visto como “uma mudança do foco na pesquisa aplicada daquele de analisar comportamentos socialmente importantes para aquele de estabelecer procedimentos tecnológicos que podem ser usados para promover satisfação do consumidor”.

 

Canaan-Oliveira (2003 p.4) afirma que  O que ocorre na maioria dos estudos publicados é que a demonstração da capacidade para resolver um problema prático específico acaba comprometendo os objetivos ditos ‘científicos’ tais como aprender sobre etiologia e manutenção do comportamento, elucidar fontes de controle ou compreender a contribuição de múltiplas variáveis para o fenômeno sob estudo A Análise Aplicada do Comportamento acaba sendo, portanto, alvo de críticas de muitos Analistas do Comportamento que se perguntam se a mesma não estaria excessivamente tecnológica. Até que ponto o Analista do Comportamento não seria um mero reprodutor de tecnologia comportamental? Essa é uma pergunta que grandes Analistas do Comportamento como Holland, Geller e Hayes se fizeram.

 

Respostas interessantes e conclusivas foram dadas a essa pergunta. Baer (1991 apud Abdelnur e Queiroz, 2006 p. 40) defendeu que Na ciência – a tecnologia nunca seria excessiva, ela poderia ser incompleta, no sentido de um controle deficiente do seu objeto de estudo, mas tal deficiência não seria suprida por uma maior teorização, mas sim através do desenvolvimento de procedimentos geradores de melhor controle. Ao fazê-lo, tais procedimentos se transformam em tecnologia. Iwata (1991 apud Abdelnur e Queiroz, 2006 p. 42) endossou o posicionamento de Baer ao definir a Análise do Comportamento Aplicada como uma ciência e como necessariamente tecnológica que não se oporia a, mas, antes, enriqueceria a teoria que a respalda. Johnston (1991 apud Abdelnur e Queiroz, 2006 p.41) respondeu à questão analisando o termo “tecnológico” e seus contextos, e terminou por enfatizar a tecnologia como um dos pilares da análise do comportamento e como propulsora de uma ciência cujas “capacidades tecnológicas são tão impressionantes quanto aquelas oferecidas pelas ciências físicas e biológicas”.

 

Os trechos acima remontam a uma questão inerente a qualquer prática profissional. Como a aplicação da Análise do Comportamento é o produto final dessa organização pode-se inferir que a utilização dessa tecnologia gera conseqüências evidentes nessa comunidade assim como o produto de qualquer organização. Essas conseqüências podem ser julgadas, avaliadas, ponderadas pelos indivíduos e outras organizações que consomem a tecnologia analítico-comportamental Dittrich (2004, p.391) faz os seguintes comentários a respeito disso “Se a análise do comportamento possui certos objetivos éticos e se o analista do comportamento, busca concretizá-los, então o analista do comportamento é um agente político. Na verdade o analista do comportamento é um agente político pelo simples fato de produzir mudanças sociais com conseqüências éticas. Assim como uma metafísica, uma ética não é, necessariamente, um conjunto de regras que escolhemos antes de agir. A ética, como vimos, trata primordialmente das conseqüências do comportamento. Assim, a ética está intrinsecamente presente na atuação profissional, como controla esta atuação. Para o analista do comportamento, não se trata, portanto, de escolher entre ser ou não um agente político no simples ato de aplicar a ciência.” Assim de acordo com a fala de Dittrich todos que agem baseados em uma ética provocam mudanças no nosso mundo. Como seria impossível viver num mundo sem um controle ético repassado de geração a geração é de se supor que todos nós agimos politicamente perante o nosso ambiente, nosso mundo. Por exemplo, não gostar de discutir política é gostar de alguma coisa. A delimitação da ação de cada pessoa se dá por si só. O cético tem somente mais uma postura assim como o crente em Deus.

 

O ateu e o agnóstico também. Mesmo o Analista do Comportamento que se diz “neutro” produz conseqüências que influenciam as práticas culturais durante a sua intervenção. Claro que o fato de nossas ações provocarem mudanças no mundo do ponto de vista político e ético não significa dizer que todas essas ações têm qualidade. Que todas essas ações promovam o desenvolvimento ou sobrevivência da cultura, do grupo, do repertório verbal. “Ação política é sempre uma questão de manipular contingências de reforçamento” (SKINNER, 1969 apud DITTRICH p. 392). Todos manipulam contingências de reforçamento, até mesmo aqueles que nossa cultura considera “alienados”, ou seja, as pessoas que não têm a capacidade, como alguns membros de nossa cultura, de falar deles mesmos, de discriminar uma parte das contingências que os controlam. Dittrich (2004 p.393) afirma que o aspecto importante da definição do conceito de política, refere-se obviamente, ao fato de esta ser qualificada como um conjunto de ações com certas conseqüências, assim “o behaviorismos radical é necessariamente uma filosofia política, e o analista do comportamento, um agente político”. (DITTRICH, 2004 p.393) Skinner (1971, apud Dittrch, 2004 p. 395) afirma que talvez nós não possamos agora, planejar uma cultura bem sucedida como um todo, mas nós podemos planejar práticas melhores de maneira gradual. Em suma ”podemos lidar com práticas culturais como um todo, tal como no pensamento ‘utópico’, gradualmente, modificando uma técnica de contracontrole de cada vez”. A posição de Skinner em 1971 é muito mais factível do que o comprometimento pessoal de Analistas do Comportamento e outras pessoas com projetos utópicos. Mas mesmo que o Analista do Comportamento ainda esteja descomprometido com projetos utópicos ele é um agente político. “Uma opção produtiva para o analista do comportamento eticamente comprometido […] é assumir vigorosamente se papel enquanto agente político” (DITTRICH, 2004 p.405). A respeito da complexidade organizacional Mallot e Glenn (2005, p.109) afirmam que  Organizações são feitas de sistemas que contêm subsistemas que, por sua vez, podem conter mais subsistemas, e assim por diante. A complexidade hierárquica é determinada pelo número de níveis de sistemas existentes na organização, ou o número de relações parte-todo que constituem uma organização. Os níveis de direção em uma organização são, geralmente, um bom índice de complexidade hierárquica.

 

A complexidade hierárquica na Análise do Comportamento é difícil de ser visualizada e talvez isso seja um exemplo da necessidade de se buscar mais eficiência nos processos dentro da Análise do Comportamento. Essa dificuldade de visualização não impossibilita a sua existência, pois a hierarquização ocorre de forma fragmentada e existe nas associações, sociedades, ligas, grupos de estudo e pós-graduações de Análise do Comportamento, ela existe também nas instituições que prestam serviço utilizando tecnologia analítico-comportamental. A hierarquia é uma dimensão essencial na administração de qualquer organização e não pode ser desvalorizada, cabe lembrar, porém que  Uma conseqüência importante da complexidade hierárquica é que, à medida que os níveis de gerenciamento aumentam, o comportamento daqueles nos níveis mais elevados se tornam cada vez mais desconhecidos a componentes essenciais das contingências entrelaçadas dos níveis mais baixos. Infelizmente, á medida que os níveis de gerenciamento crescem em uma organização, essas rupturas entre níveis ameaçam o sucesso organizacional (MALLOT E GLENN, 2005 p. 110) Um quarto aspecto merece ser tratado quanto falamos da existência das organizações: a propaganda. Martone e Todorov (2005, p.124) afirmam de forma brilhante que Um aspecto crucial que poderia contribuir ainda mais para a compreensão dos mecanismos envolvidos na sobrevivência de uma organização é a propaganda. Glenn & Mallot reconhecem a importância do sistema publicitário de uma organização quando discutem Complexidades dos Componentes. No entanto, a função da publicidade na avaliação final do consumidor sobre o produto produzido pela organização poderia ser um pouco mais explorada. […] A informação, por intermédio de uma tecnologia que gera meios de comunicação cada vez mais rápidos e eficientes, é disseminada introduzindo estímulos que muitas vezes podem estabelecer condições que resultam no consumo de bens materiais específicos e que podem adquirir propriedades reforçadoras.  A fala de Mantone e Todorov gera uma conclusão e uma reflexão a respeito da propaganda que existe (ou poderia existir) em torno da Análise do Comportamento.

 

É evidente que deve haver algum tipo de propaganda da Análise do Comportamento, mas não seria perigoso se propagar a utilidade e os benefícios da mesma e criar uma demanda na comunidade? Claro que sim! Por isso deve-se atentar sempre para os objetivos éticos do grupo que se denomina Analista do Comportamento, discutindo-os e os expondo claramente e de forma contínua. Uma possível saída para esse problema e uma justificativa plausível para a própria existência da Análise do Comportamento nos é dada por Dittrich (2004 p. 432/433) quando o mesmo afirma que O sistema ético skinneriano é composto por uma ciência dos valores e por uma filosofia moral. Apoiado no modelo de seleção por conseqüências, esse sistema apresenta tanto sentenças descritivas, ou tactos – através das quais aponta as variáveis seletivas que controlam o comportamento ético – quanto sentenças prescritivas, ou mandos – através das quais destaca e promove a sobrevivência das culturas enquanto objetivo ético fundamental. Por ser inspirada – mas não justificada – pelo modelo de seleção por conseqüências, a sobrevivência das culturas não constitui um valor naturalmente “verdadeiro”. Esse valor pode, portanto, ser legitimamente questionado e debatido, mesmo pelos próprios behavioristas radicais – ainda que haja bons argumentos para defendê-lo.

Dada a presença de sentenças prescritivas (mandos), no sistema ético de Skinner, uma tecnologia do comportamento orientada pela filosofia deste autor deve buscar cumprir certos objetivos éticos. Há que se considerar, porém, que aqueles que são alvo da intervenção tecnológica do analista apresentam éticas particulares, potencialmente opostas à do sistema ético skinneriano. Assim, a fim de evitar o surgimento de contracontrole, o analista deve harmonizar suas próprias exigências éticas àquelas das comunidades com as quais interage, através de práticas colaborativas. Os valores secundários – apontados no texto skinneriano por sua suposta capacidade de contribuir para a sobrevivência das culturas – podem ser utilizados para nortear a consecução desse objetivo, pois coadunam-se com valores freqüentemente defendidos por tais comunidades. Mesmo a especificação dos valores secundários, porém, não exime o sistema ético skinneriano de certa generalidade, pois há diversas formas plausíveis de traduzir estes valores em práticas que contribuam para a sobrevivência das culturas. Essa mesma característica, porém, confere flexibilidade ao processo de harmonização entre os valores do analista e os valores daqueles sobre os quais incide sua intervenção. O discurso ético dos analistas do comportamento exibe, provavelmente, estas mesmas qualidades: generalidade e flexibilidade. Ainda que a segunda característica confira a esse discurso uma desejável variabilidade, a primeira cria dificuldades para que os analistas do comportamento apresentem um mínimo de coesão ética diante de temas específicos. Essa coesão poderia, contudo, potencializar a união de esforços em torno de objetivos éticos comuns e a mobilização política em prol destes objetivos.

5- Algumas propostas concretas de organização e promoção da análise do comportamento no Brasil

As propostas citadas abaixo de organização e promoção da Análise do Comportamento no Brasil são apenas orientadoras:

 

1.      Trabalho em conjunto de professores, grupos de estudo, ligas e associações da Análise do Comportamento para que as pesquisas e estudos sobre metacontingências e modificação de práticas culturais seja mais valorizado pelos Analistas do Comportamento, possibilitando aos mesmos a observação, descrição, análise funcional, planejamento, intervenção e avaliação do comportamento de grupos e comunidades;

 

2.      Criação de revista de cunho jornalístico sobre o comportamento, voltada para Psicólogos, Cientistas Sociais, Biólogos, Economistas, Administradores e Educadores e público leigo em geral, contendo textos elaborados por Analistas do Comportamento e de fácil compreensão. (Exemplos de revistas semelhantes: Galileu, Superinteressante, Scientific America Brasil, Viver Psicologia…);

 

3.      Alteração do nome da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental para Associação Brasileira de Análise do Comportamento;

 

4.      Alteração do nome da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva para Revista Brasileira de Terapia Analítico-Comportamental;

 

5.      Oferta de cursos durante os encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental voltados para a capacitação de Analistas do Comportamento sendo eles estudantes, professores, pesquisadores e profissionais sobre modos de organização e promoção da Análise do Comportamento nos seus respectivos contextos;

 

6.      Oferta de cursos durante os encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental voltados para a capacitação de Analistas do Comportamento sendo eles estudantes, professores, pesquisadores e profissionais sobre modos de inserção no mercado de trabalho;

 

7.      Reestruturação do site da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental visando torná-lo uma base de dados contendo todas as informações a respeito de Analistas do Comportamento do Brasil e do exterior, grupos de pesquisa, promoção e organização de Analistas do Comportamento no Brasil e do exterior, das instituições que ofertam serviços de Análise Aplicada do Comportamento no Brasil e do exterior, das associações e sociedade científicas voltadas para a organização, promoção e produção de Análise do Comportamento no Brasil e no exterior e todos os links de textos e livros que passam interessar aos usuários do site e que estejam relacionados á Análise do Comportamento;

 

8.      Construção das diretrizes de formação do Analista do Comportamento (habilidades e competências gerais) que se adaptem ao máximo á realidade brasileira e ás exigências do mercado de trabalho atual; (essas diretrizes podem ser construídas durante um encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental);

 

9.      Divulgação das diretrizes de formação de Analistas do Comportamento em grupos de estudos, associação, ligas, cursos de formação, capacitação, espacialização, mestrado e doutorado;

 

10.  Afiliação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental á entidades que possam contribuir com a divulgação e desenvolvimento da Análise do Comportamento;

11.  Divulgação da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental e de suas atividades através de folders e cartazes nos cursos, congressos, simpósios, jornadas e encontros de Psicologia;12.  Realização de cursos e/ou encontros entre os Analistas do Comportamento que ministram disciplinas relacionadas á Análise do Comportamento seja em graduações ou pós-graduações de Psicologia ou em quaisquer outros cursos para que os mesmos possam construir e divulgar formas mais eficazes de ensino de Análise do Comportamento (esses cursos ou encontros podem ser realizados durante os encontros da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental);13.  Criação de parâmetros de definição para que uma pessoa possa ser reconhecida pela Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental e pela sociedade em geral como Analista do Comportamento. 


Referências Bibliográficas 

ABDELNUR, Aline de Carvalho; QUEIROZ, Anna Beatriz Müller Queiroz. Análise do comportamento aplicada: tecnologia x teoria? Behaviors, 2006, vol. 10, p.39-42.

BAUM, Willian M. Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto Alegre: Editora Artes médicas Sul, 1999.

 

CANAAN-OLIVEIRA, Silvia. Dimensão Aplicada na Análise do Comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(2), pp. 349-354.

 

CARVALHO NETO, Marcos Bentes. Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em Psicologia, 2002, 6(1), p. 13-18.

DITTRICH, Alexandre. Behaviorismo radical, ética e política: aspectos teóricos do compromisso social. São Carlos, 2004. 480 p. Tese (Doutorado em Filosofia). Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos.

 

_____; ABIB, José Antônio Damásio. O Sistema Ético Skinneriano e Conseqüências para a Prática dos Analistas do Comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2004, 17(3), pp.427-433.

GLENN, Sigrid S.; MALOTT, Maria E. Complexidade e seleção: implicações para a mudança organizacional. In: TODOROV, João Cláudio; MARTONE, Ricardo Corrêa; MOREIRA, Márcio Borges. Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André SP: ESETec Editores Associados, 2005, p.1001-119.

 

LATTAL, Kennon A. Ciência, Tecnologia e Análise do Comportamento. In: ABREU-RODRIGUES, josele; RIBEIRO, Michela Rodrigues. Análise do Comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. Porto Alegre.

 

STARLING, Roosevelt Riston. Breves considerações sobre Ciência, teoria e fenômenos: falamos porque é verdade, é verdade porque falamos ou simplesmente falamos? Boletim informativo da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, n. 23, abr. 2001.

_____. Produção de Conhecimento e ciência natural – tudo que é sólido pode se desmanchar no ar. In: Brandão, M. Z. & col. (org.) Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 14. Santo André: ESETec Editores Associados, 2004, p. 84-119.

 

TODOROV, João Cláudio; MARTONE, Ricardo Corrêa. Comentários sobre ‘Complexidade e seleção: implicações para a mudança organizacional’. In: TODOROV, João Cláudio; MARTONE, Ricardo Corrêa; MOREIRA, Márcio Borges. Metacontingências: comportamento, cultura e sociedade. Santo André SP: ESETec Editores Associados, 2005, p.1001-119.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter