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Entrevistas – Recebendo o paciente

Nesse novo texto trataremos do tema: recebendo o paciente; não somente nos aspectos das primeiras entrevistas, mas também a considerações sobre pontos do que cerca a procura do paciente até sua chegada ao contrato terapêutico e estabelecimento do enquadre formando assim o “setting” analítico que deverá possibilitar o aparecimento dos fatos da clínica, alguns deles, já tratados aqui nessa coluna.
Devemos entender sempre, que há toda uma vida pregressa em relação às fantasias, que se constroem em torno da análise e que alimentará a chegada do paciente até sentar-se frente ao seu candidato a analista. Há pacientes que gostam tanto dessa dinâmica que, muitas vezes, seguem presos a ela, marcando entrevistas com vários analistas ao longo de suas buscas e muitas vezes por longuíssimos períodos de tempo.

“Aquele que desperta, como eu faço, os piores demônios incompletamente domados no fundo da alma humana, a fim de combatê-los, deve estar preparado para não ser poupado nessa luta” (1).

Essa será uma recomendação feita por Freud, que implica em pensar o que se busca nas entrevistas iniciais para compor o setting analítico. Ao pensar aquele sujeito psíquico que chega trazendo suas queixas para o espaço onde se comprometerá a pensar em si, e nas questões levantadas a partir da relação de transferência, da qual quase sempre terá, apenas uma vaga perspectiva. O psicanalista escuta o que está dito, e mais ainda, o que não está dito, toda sua estratégia será alicerçada por algo que está ali e não está ao mesmo tempo.

“Cada paciente descreve sua enfermidade através de sua própria experiência, e o psiquiatra (psicanalista), por meio dessa informação, constrói uma determinada hipótese sobre a patogenia (…) Mas, na medida em que o psiquiatra não tenha métodos de verificação e confrontação que configurem a estrutura de uma investigação científica, ficará sempre dando voltas em torno das mesmas coisas” (2).

Há nesses primeiros contatos uma construção de imagem interna do psicanalista para aquele analisando, imagem essa que o acompanhará dentro e fora de suas sessões e muito possivelmente naquilo que se costuma chamar de “after-análise” que se dá depois que já se encerrou o contrato com o psicanalista o que não significará o término do trabalho analítico, segundo Pichon-Rivière.

“Quer dizer que quando o paciente está colocado na situação analítica, não sai mais dela” (2).

Mas, retornemos ao assunto dessa investigação aqui, o início do tratamento. O que levará a que esse sujeito se inscreva na situação de análise.

“Quando um paciente quer se analisar em sua hora de sessão faz um trabalho analítico antes da hora da análise, mantendo a imagem interna do analista, com quem estabelece um tipo particular de relação…” (2).

Isso se dá até muito antes do paciente se encontrar frente ao analista pela primeira vez. Ao decidir entrar em análise algo do Inconsciente já estará estabelecido, como no caso da paixão que sempre ocorrerá antes de encontrar seu objeto. Esse psicanalista será encontrado por fatores que, talvez um dia possam ser elucidados, mas que na maioria das vezes, permanecerão intocados ou não totalmente desvendados. O fato é que o “acaso” não será o fator que se encontrará com freqüência nessa relação. A escuta dessa procura fundamentará também o aparecimento da neurose de transferência tão fundamental na condução da análise de maneira realmente eficiente. Por outro lado, ao receber esse paciente (analisando ou cliente) o psicanalista também se verá frente à tarefa de compreender suas possibilidades de disponibilizar-se para aquele atendimento, fato que nem sempre se dará. Para isso estarão colocadas essas primeiras entrevistas, onde dois sujeitos tentarão estabelecer um campo de comunicação, da situação analítica, onde o discurso privilegiado será o que parte do desconhecido, daquilo de que não se tem consciência e que movimenta forças de imensa magnitude e efeitos na vida daquele que procura pelo divã.

Nessa dinâmica inicial há presente sempre um certo desconforto, isso será sentido por ambas as partes, já na dupla mão da transferência, essa sensação tende a minimizar-se com o avanço do material associativo e quando o psicanalista consegue estabelecer um “setting continente”, ou seja, que acolhe as vivências transferenciais de seu paciente, sendo aquilo que já nomeamos em outra oportunidade, como um psicanalista “suficientemente bom”, seguindo os parâmetros winnicottianos que definem a mãe “suficientemente boa”.

Segundo a teoria do vínculo de Pichon-Rivière temos dois campos psicológicos do vínculo: um interno e outro externo e é ele um tipo particular de relação de objeto.

“Quer dizer que quando o paciente está colocado na situação analítica, não sai mais dela. Nesse sentido mantém-se permanentemente nessa situação, seja fora ou dentro”.(2)
E:

“O analista não é um observador imparcial, nem está fora da situação, mas sempre é um observador comprometido, de antemão, com a situação do paciente” (2).

Podemos então supor, ou mesmo afirmar, que a situação analítica se estabelecerá, na contra-transferência, a partir do momento no qual esse psicanalista sentir-se implicado naquele processo, esse é um sentimento que dificilmente poderá ser confundido com outra coisa.

“O analista deve ajudar seu paciente a superar a dificuldade para se abandonar, fazer uma regressão e repetir na transferência uma pauta de conduta anterior, reviver uma determinada situação histórica, retificá-la no contexto da situação psicanalítica atual e aprender novamente, como se fizesse um reaprendizado daquilo que vive”.(2)

Essa será sempre a pauta de atuação do psicanalista recebendo aquele candidato a paciente, possibilitar o estabelecimento daquele lugar de análise dos conteúdos do inconsciente e de certa maneira daquilo que conhecemos como “acting/in” na revivência da transferência.

“Compreender o conteúdo do inconsciente do paciente pelas suas verbalizações é, relativamente, a parte mais simples da tarefa analítica. A mais difícil é a manipulação da transferência” (3).

Nas primeiras entrevistas há um reconhecimento de ambas as partes que identificará um lugar possível de análise ou não, diremos que um psicanalista competente não será aquele que sempre conseguirá estabelecer esse lugar, mas sim aquele que ao não estabelecê-lo, consiga reconhecer, lidar com essa frustração e encaminhar seu paciente para outro profissional, para uma outra tentativa.

“Não é fácil enfrentar os inúmeros e variados afetos com que os pacientes bombardeiam o analista sem reagir com contra-afetos, quer conscientes, quer inconscientes” (3).

Então, por mais competente e experiente que seja um profissional, poderá em algum momento deparar-se com um paciente com o qual não se sentirá apto a atender.

A consideração sobre os critérios de analisabilidade também deverá ser levada em conta, embora alguns sejam absolutamente de escolha do psicanalista, não havendo consenso sobre o tema. Se antes, por exemplo, os casos de neurose narcísicas (psicoses) não eram analisáveis, hoje sabemos que isso já não se constitui um critério para avaliar a possibilidade de análise ou não, apenas será em termos de se perceber se outras medidas se farão necessário para ter um ego capaz de uma organização para análise.

Encontraremos em Fenichel (3) os seguintes pontos como contra-indicações para a psicanálise:

“Nenhum dos fatores que se seguem constitui contra-indicação absoluta; mas, contra-indicações relativas que são, devem ser sempre consideradas de decidir pelo uso ou não da psicanálise.

1. Idade– ideal entre 15 e 40 anos;

2. Debilidade Mental – será sempre necessário diferenciar de uma debilidade ‘psicogênica’ onde o psicanalista modificará a técnica para um primeiro contato;

3. Situações desfavoráveis de vida – ‘há vezes em que se tem a impressão de que uma análise bem sucedida faria a pessoa mais infeliz do que é na sua neurose’;

4. A trivialidade de certa neurose;

5. A urgência de um sintoma neurótico – ‘casos onde a eliminação do sintoma deva ser imediato’ – ‘Talvez seja possível aplicar, primeiro, outras medidas terapêuticas até que cesse o estado de emergência; depois, mudar-se-á para a psicanálise’;

6. Transtornos severos de fala;

7. Ausência de um ego razoável e cooperativo – ‘É o ponto que tem a maior importância prática e que é o mais difícil de avaliar’. Exemplos como: vindos por indicação de outros (sem demanda), aqueles que por teimosia se recusam a colaborar’ e ainda segundo o autor: transtornos caractereológicos que ele designa como: ‘geralmente frígido’ e o ‘pseudo-emocional’, o primeiro se recusa a entender a ‘lógica das emoções’ e o segundo a necessária formação de juízos concernentes às suas emoções;

8. Alguns ganhos secundários – ‘Há pacientes que parecem viver de suas neuroses’;

9. Personalidade esquizóides – ‘Certo que existem personalidades esquizóides nas quais a análise é capaz de desencadear um processo psicótico, mas outras existem que podem ser salvas de uma psicose futura, pela análise’;

10. Contra-indicações da análise com um determinado analista –‘Há casos em que um analista sente que determinado paciente trabalhará melhor com outro analista (…); de outras vezes, é o paciente que tem sentimentos correspondentes’.” (3)

Existirão ainda na prática da clínica, inúmeras situações onde o analista se defrontará com a pergunta se deve ou não atender aquele paciente, que poderá ser amigo ou parente de um outro paciente ou ex-paciente, poderá ser amigo ou parente de algum amigo pessoal do analista, colegas de trabalho, alunos etc. Na verdade embora algumas correntes em psicanálise anunciem categoricamente algumas regras, elas na verdade não existem, basta retornar um pouco à história do próprio desenvolvimento da psicanálise, as boas e produtivas análises feitas por Freud na Berggasse, 19 -; muitas delas com grandes amigos e discípulos do velho mestre.

Há na decisão do psicanalista algo que poderíamos pensar como uma certa “maturidade” analítica, algo que o assegura que terá o processo administrado dentro dos parâmetros transferenciais necessários, talvez nos casos onde não haja consenso quanto à regra, seja recomendável manter em supervisão, mas isso será apenas dito a título de sugestão.

Há, porém uma consideração bastante sublinhada por Freud e aceita por todo corpo psicanalítico, diz essa respeito à abstinência em relação ao paciente, seja essa anterior, durante o processo ou mesmo posterior a esse. Essa proibição se sustentará naquilo que na verdade é o que possibilita a psicanálise, ou seja, todo processo da relação de transferência.

“Ele (o(a) psicanalista) deve reconhecer que o enamoramento da paciente é induzido pela situação analítica e não deve ser atribuído aos encantos de sua própria pessoa; de maneira que não tem nenhum motivo de orgulhar-se de tal ‘conquista’, como seria chamada fora da análise” (6).

Todos esses critérios deverão estar sendo avaliado pelo psicanalista desde o primeiro contato, quase sempre telefônico, que o paciente fará, ali já se inicia o trabalho, e já estará se estabelecendo uma transferência, que podemos até pensar como anterior a esse contato. Como ouvir já a “queixa” que se apresenta nesse contato, como diferenciar da “demanda”, para não se aliar já ali, antes mesmo do contato presencial, a uma possível atuação da resistência? São questões obrigatoriamente presentes para o psicanalista ao se propor a receber um novo paciente.

O espaço terapêutico que é preenchido desde a primeira entrevista até a formulação do contrato é de fundamental importância para o êxito daquela análise no que diz respeito ao trabalho eficiente do psicanalista. A “escuta” desse período é fundamental para que eleja de certa forma sua estratégia e avalie sua técnica.

“Existem também razões diagnósticas para começar o tratamento por um período de experiência deste tipo, a durar uma ou duas semanas”. (5)

Vale lembrar também, que a forma esperançosa e crédula com a qual o paciente entra para análise, em muito pouco influirá em seu êxito.

“É verdade que a confiança alegre do paciente torna nosso primeiro relacionamento com ele muito agradável; ficamos-lhe gratos por isso, mas advertimo-lo que sua impressão favorável será destruída pela primeira dificuldade que surgir na análise. Ao cético, dizemos que análise não exige fé, que ele pode ser tão crítico e desconfiado quanto queira …” (5)

Essas considerações feitas no presente artigo constituem apenas uma parte muito pequena de muitas que podem ser feitas para esse tema. Tiveram o intuito de abordar as mais básicas da técnica psicanalítica para os primeiros atendimentos, ou as assim chamadas “primeiras entrevistas”.

O caminho de uma análise é longo. Decidir iniciá-lo deverá ser tanto para o analisando quanto para o psicanalista, um ato previamente bem avaliado e pensado. É preciso saber que ao iniciá-lo não haverá caminho de volta, mesmo que se resolva interromper o processo em determinado ponto. A psicanálise é uma aquisição do sujeito, que uma vez posta em ação se fará sentir para sempre em suas vivências.

“O Mínimo que se pode exigir das entrevistas preliminares é que elas permitam ao sujeito, que vem ao encontro de um analista, romper a cadeia de seu discurso habitual, para que venham à luz os significantes de sua divisão: o sujeito barrado, o dividido”. (7)

Bibliografia:

1 -Fragmento da análise de um caso de histeria – S. Freud – Obras Completas vol VII

2 – Teoria do Vínculo – Enrique Pichon-Rivière

3 – Teoria Psicanalítica das Neuroses – Otto Fenichel

4 – A Primeira Entrevista em Psicanálise – Maud Mannoni

5 – Sobre o Início do Tratamento (Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise I) – S. Freud – Obras Completas vol XII

6 – Observações Sobre o Amor Transferencial(Novas Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise III) – S. Freud – Obras Completas XII

7 – O umbigo do Sonho –por uma prática da psicanálise – Laurence Bataille

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