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Mesada: suas falhas e formas de superá-las

Neste artigo darei um parecer sobre a prática da “mesada”. Isto é, o costume de alguns responsáveis de dar dinheiro a crianças e adolescentes esperando com isso que aprendam algo sobre finanças pessoais. Num primeiro momento vou criticar as fórmulas tradicionais de mesada para em seguida oferecer alternativas.
As Fórmulas Tradicionais de “Mesada”

Confiar dinheiro a um aprendiz para que ele tenha experiências financeiras controladas para seu aprendizado é mesmo fundamental para a educação financeira doméstica de crianças e adolescentes. Mas esse tópico é tratado de forma pouco eficaz pela maioria das famílias onde é praticado, gerando muitas vezes resultados dúbios. Diversos pais já me perguntaram como dar mesada aos filhos, ao mesmo tempo que já observei famílias que tinham esse costume e ele parecia ter efeitos opostos do desejado. Isto é, os pais estavam ensinando comportamentos financeiros nocivos aos filhos através da mesada!

Os livros de auto-ajuda financeira de um modo geral concordam bastante a respeito da prática da mesada. Isso ocorre porque esses livros sintetizam o senso comum sobre o assunto. Robert Kyiosaki (“Pai Rico Pai Pobre”), Victoria Felton-Collins (“Casais e Dinheiro”) e, nacionalmente, Gustavo Cerbasi (“Casais Inteligentes Enriquecem Juntos”) são alguns exemplos desses autores que dão fórmulas parecidas de como dar mesada.

Em suma, a auto-ajuda apenas coletou o senso comum sobre o tema e o sintetizou em três princípios fundamentais:

1)Para crianças pequenas não dê mesada, mas “semanada” (uma quantia simbólica por semana). Isso porque ainda não são bastante inteligentes para gerir dinheiro ao longo de um mês inteiro.

2)Quando seus filhos entrarem na adolescência (10-12 anos) passe a dar mesada. Vá subindo o valor dela a cada ano pois quanto mais idade eles têm mais dinheiro eles precisam.

3)Quando seu filho iniciar a juventude troque a mesada por remuneração por serviços domésticos, como cortar a grama ou lavar o carro da família. Isso até que ele consiga uma fonte de renda própria.

As Falhas da Mesada Tradicional

As falhas nesse sistema são diversas, começando pela delimitação temporal das fases: “Quando é mais apropriado trocar a semanada pela mesada?”, “Com que idade a mesada deve ser suspensa?”, “ Quando devo aumentar o valor da mesada? E quanto?”. E por aí vai.

Outra falha comum da mesada é ensinar a criança ou adolescente que não importa o que ele faça: receberá o dinheiro no prazo combinado. Assim o responsável corre o risco de estar ensinando que o dinheiro é um direito natural, ou uma forma de expressão de amor ou a tradução do valor pessoal da criança em uma cifra monetária. (“Vou te dar dinheiro porque eu te amo”, “Você recebe esse dinheiro porque é alguém especial”, “Vou te dar dinheiro porque você tira notas boas na escola”).

Uma terceira falha é o fato da certeza da mesada vir sempre no dia esperado obstruir o aprendizado da persistência e também a capacidade de tolerar frustrações. Afinal, na vida adulta nem sempre o dinheiro esperado cai na sua conta bancária, não é mesmo? A educação sentimental da criança deve abarcar a capacidade de lidar com frustrações, e a educação financeira é uma excelente oportunidade para isso.

E, finalmente, como falha mais grave da mesada tradicional está o fato dessa prática não tratar diretamente de dois estados comuns da vida financeira: a privação e a saciação.

A mesada, por definição, é algo que evita a privação total do aprendiz uma vez que uma pequena quantia de dinheiro lhe é dado regularmente. Porém um objetivo central da mesada é exatamente o oposto: expor o aprendiz a uma experiência controlada de privação para que ele aprenda a lidar com sentimentos de frustração e ambição. Quando o aprendiz gasta todo seu dinheiro e se sente privado de algo que deseja, entra em cena o dilema dos responsáveis: “Dar mais dinheiro ou ensiná-lo que há um ponto em que ele deve se dar por saciado e satisfeito?”

Alternativas a Mesada Tradicional

Tomemos a primeira falha citada. (A da delimitação de idades e prazos da mesada). Antes de mais nada, a tendência mundial em termos de remuneração de adultos no mundo do trabalho aponta para quantias semanais, em detrimento de salários mensais. Portanto a “semanada” seria uma tática mais apropriada para todas as idades. Uma vantagem da mesma é que ela torna quatro vez mais provável a incidência de uma conversa com o aprendiz a respeito do que ele anda fazendo com o dinheiro que recebe.

Ainda sobre a primeira falha, não vejo muito sentido em delimitar regras rígidas quanto a idade do aprendiz. Uma criança de 9 anos pode ter muito mais responsabilidade que um adolescente de 15 (cada caso é um caso). Ao invés dos responsáveis se guiarem pela idade dos aprendizes sou muito mais simpático a idéia de tomarem como guia o repertório de comportamentos dos mesmos. Isto é, se alguém me pergunta “Devo dar semanada para meu filho de 6 anos?” eu poderia responder com “Que sinais ele já demonstrou que tem interesse e capacidade para fazer uso do dinheiro?”. E ainda “Devo aumentar a semanada do meu filho, agora que ele completou 16 anos?” poderia ser respondido com “Que novos comportamentos ele apresenta agora para que você julgue oportuno fazer isso?”. Em síntese: comportamentos contam mais que a idade para delimitação de valores da semanada.

Quanto a segunda falha apontada (a certeza do recebimento independentemente da forma como o aprendiz se comportar) tenho um parecer um pouco radical a respeito. Não sou a favor de dar dinheiro para o aprendiz sem ele ter feito algo para merecê-lo. A educação financeira doméstica deve ensinar que o dinheiro é uma forma de recompensa própria do mundo do trabalho, e não que ele é uma expressão de amor ou do valor de alguém. Portanto uma lista de deveres e afazeres cumpridos semanalmente parece ser a condição correta para que o aprendiz receba sua semanada. Nessa lista não devem constar tarefas para benefício próprio do aprendiz (como tirar boas notas na escola ou arrumar o próprio quarto), mas sim trabalhos realizados para terceiros. Essas tarefas devem variar de lar para lar, de forma criativa. Mas citarei um exemplo para ilustrar: “Filho, você precisa aprender a economizar energia elétrica. Todo mês que a conta vier a baixo de R$100 vou deduzir que você cumpriu seu dever e lhe darei R$ 3,50 por semana no mês seguinte”. As tarefas do aprendiz devem ser contabilizadas de forma cumulativa, para que ele aprenda um conceito fundamental para sua vida adulta: o cumprimento de planos de metas.

A terceira falha diz respeito à previsibilidade do recebimento do dinheiro. Como você já sabe, sou favorável a uma semanada de valor variável mediante os méritos do aprendiz. Mas para que ele aprenda a persistência (algo indispensável para sua vida adulta) penso que um bônus mensal recebido por algum mérito especial pode ser uma boa saída. Caso o bônus não seja merecido no mês em questão sempre poderá o ser no mês seguinte. (É precisamente aí que está o treino da persistência e da tolerância a frustração). Assim, por exemplo, “Este mês você ajudou a fazer o jantar e lavar a louça apenas cinco vezes. O combinado era quinze. Não vou lhe dar aqueles R$ 40 especiais por causa disso. Aqui está sua semanada de R$ 35 que você fez por merecer. Faça por merecer que mês que vem você recebe R$ 75”.

A quarta falha, como é a mais grave, pede uma solução ainda mais radical. Defendo que a privação de bens é uma experiência salutar de aprendizagem financeira, por isso sou terminantemente contra adiantamentos e empréstimos para o aprendiz, que deve aprender que se gastar mais do que pode ficará sem e que não pode gastar mais do que tem. Tarefas extras para que o aprendiz receba mais dinheiro para anular sua privação também devem ser concedidas com comedimento. Afinal, não desejamos treinar um “workaholic”, não é mesmo?

Ao mesmo tempo, a saciação deve ser discutida com o aprendiz. Afinal, quando ele deve se dar por satisfeito com o dinheiro e bens que possui? Quanto é o bastante por semana? Quando é melhor dar preferência ao tempo livre e ao lazer ao invés do dinheiro e do trabalho? Tais questões são cruciais na educação financeira de crianças e adolescentes. Os responsáveis têm o papel de negociar regras a respeito da saciação dos aprendizes.

Programa de Remuneração do Aprendiz Doméstico

Concluindo, defendo a substituição do paradigma tradicional de mesada (valor fixo mensal conferido independentemente do contexto do mês) por um programa de remuneração do aprendiz doméstico. Esse nome pomposo é a síntese de algumas regras, tais como:

– remuneração semanal, e não mensal, para tornar freqüente a discussão doméstica sobre finanças, e portanto as orientações dos responsáveis;
– de valor variável, mediante cumprimento de um plano de tarefas com metas;
– com bônus eventuais no final do mês para méritos especiais, para treino da persistência;
– sem adiantamentos, empréstimos ou “presentinhos especiais”, para a compreensão do valor do dinheiro por meio da privação deste;
– conversas francas sobre saciação sempre que necessárias, isto é, sobre o papel e importância do dinheiro na busca da felicidade e realização pessoal.
– prosseguir esse procesoo até que o aprendiz seja independente financeiramente.

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