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Treinamento das Habilidades Sociais na Esquizofrenia

O treinamento de habilidades sociais (THS) teve início na Inglaterra nos anos 70, tendo contribuições do treinamento assertivo, em andamento na mesma época nos EUA e impulsionado por publicações de Wolpe. O Treinamento de Habilidades Sociais (THS) é caracterizado como uma tentativa direta e sistemática de ensinar estratégias e habilidades interpessoais aos indivíduos clínicos e não clínicos. Seu objetivo é o desenvolvimento da dimensão pessoal, comportamental e situacional do indivíduo o que pode proporcionar, segundo Scazufca (2000) e Bahls (2004), um melhor enfrentamento de situações que geram estresse, aperfeiçoar a resolução de problemas e orientar o aprendizado de comportamentos que conduzem a relacionamentos mais saudáveis.

Este trabalho foi realizado no intuito de dar ênfase ao papel do Treinamento de Habilidades Sociais na reinserção do paciente  com esquizofrenia na família e comunidade, redução de novas recaídas e internações e melhoria da qualidade de vida.

Para isso foi desenvolvida uma busca em bancos de dados LILACS, PUBMED e SCIELO, utilizando-se palavras-chave como “Treinamento de Habilidades Sociais”, “Habilidades sociais”, “esquizofrenia” e “psicossocial” em que foram lidos artigos científicos sobre o tema, publicados em revistas de grande credibilidade no meio acadêmico.

Percebeu-se que o treinamento em habilidades sociais é uma escolha eficaz para aqueles pacientes com diagnóstico recente de esquizofrenia e que não apresentaram déficit cognitivo significativo no momento da abordagem.

Revisão de literatura

Segundo Linehan (1994, p 153, apud, Caballo, 2003), Habilidades Sociais define-se como:

“a capacidade complexa para emitir comportamentos ou padrões de resposta que otimizem a influência interpessoal e a resistência à influência social não desejada (eficácia nos objetivo), enquanto ao mesmo tempo, otimizem os ganhos e minimizem as perdas na relação com o outro (eficácia na relação) mantenham a própria integridade e sensação de domínio”

Percebe-se portanto, a necessidade de se buscar alternativas de condutas para pacientes esquizofrênicos, tendo em vista a importância do impacto do transtorno na sociedade com seus obstáculos culturais e econômicos.

O paciente com a esquizofrenia já instalada apresenta dificuldade de relacionamento interpessoal em virtude principalmente da apresentação de quadros tais como pobreza do discurso, embotamento, retraimento social, entre outros sintomas negativos.  Consiste num desafio ao profissional que busca reinseri-lo na sociedade. Porém percebe-se que em fases precoces da doença o treinamento em habilidades sociais pode ser muito útil no desenvolvimento de comportamentos adaptativos tendo em vista que o paciente está geralmente exposto a um ambiente hostil. Segundo Scazufca (2000), importantes estudos evidenciaram que “o clima afetivo familiar crítico, hostil e de alto envolvimento emocional pode afetar negativamente o curso da doença”.

Curran, (1985) apud Caballo (2003), afirma que o treinamento em habilidades sociais tem como premissas:

“ 1.  As relações interpessoais são importantes para o desenvolvimento e o funcionamento psicológicos.

2. A falta de harmonia interpessoal pode contribuir ou conduzir a disfunções e perturbações psicológicas.

3. Certos estilos e estratégias interpessoais são mais  adaptativas que outros para tipos específicos de encontros sociais.

4. Esses estilos e estratégias interpessoais podem ser especificados e ensinados.

5. Uma vez aprendidos, esses estilos e estratégias melhorarão a competência em situações especificas.

6. A melhoria na competência interpessoal pode contribuir ou conduzir à melhoria no funcionamento psicológico.”

Concretamente, empregam-se no treinamento em habilidades sociais procedimentos como as instruções, modelação, ensaio de comportamento, a retroalimentação e o reforço que viabilizariam ao paciente aprender novos repertórios de resposta ao ambiente.

Segundo Caballo (2003), o “ensaio de comportamento é o procedimento mais frequente empregado no THS. Por meio de tal procedimento, representam-se maneiras apropriadas e efetivas de enfrentar as situações da vida real que são problemáticas para o paciente." O ensaio de comportamento consiste em identificar e modificar comportamentos não adaptativos por comportamentos que se adeqüem à realidade do paciente no lócus familiar ou na comunidade como um todo. Leva-se, ao setting terapêutico, cenas vivenciadas ou situações passíveis de se tornarem concretas num futuro próximo.

Assim o paciente aprende meios de minimizar os danos causados pelo seu ambiente familiar, reduzir as recaídas, auxiliar nas resoluções de problemas cotidianos minimizando o impacto de um dos principais fatores de indução de crises: o estresse.

Hojai(1996) relata que as características da esquizofrenia devem ser compreendidas a partir das relações pertencentes ao conjunto particular das vivências do paciente. E Caballo(2003) pontua que “o trabalho em treinamento das habilidades sociais realizados com pacientes com esquizofrenia deve ser considerado dentro do contexto particular do paciente, pois uma resposta competente é, normalmente, aquela que as pessoas consideram apropriada para um indivíduo em situação específica”.

Devido a isso, o transtorno pode ser caracterizado como uma doença ampla, que além da psicopatologia, é responsável pelo comprometimento da vida relacional do paciente. Com isso, as técnicas a serem utilizadas nesse tipo de paciente devem objetivar uma melhora dos sintomas positivos e negativos; prevenir as recaídas e evitar a institucionalização do sujeito. E a descrição do programa a ser trabalhado deve incluir, segundo Reger(2003), recreação, habilidades em conversação, exercícios de trabalhos fundamentais e a presença de um círculo de amizades com relações afetivas desenvolvidas, cujo objetivo é desenvolver a autonomia do paciente.

Shirakawa(2000), descreve ainda que a psicoterapia deve auxiliar o paciente a interromper a perda da capacidade mental, preservando o contato com a realidade; restaurando a capacidade de cuidar de si e de administrar sua vida, e mantendo o máximo de autonomia para promover o melhor ajustamento pessoal, psicológico e social possível.

Além disso, a terapia deve proporcionar ao paciente uma diminuição do isolamento; reconhecer e reduzir a natureza ameaçadora dos eventos de sua vida, para os quais existe uma sensibilidade particular e trabalhar de acordo com seus recursos e limitações. Aumentar suas defesas diante de situações estressantes e desenvolver fontes alternativas para a solução de seus problemas, questões estas, que caracterizam o treinamento de habilidades sociais.

Zanini (2000) também relata que um dos objetivos da psicoterapia em pacientes com esquizofrenia seja desenvolver instrumentos para o paciente lidar com os eventos estressores do seu meio. Ressaltando ainda que os fatores causadores de estresse estão relacionados com as recaídas e com o prognóstico da doença.

No entanto, o mais indicado é que o (THS) na esquizofrenia, seja utilizado associado a outras técnicas terapêuticas como por exemplo, a farmacoterapia  (efeito predominante nos sintomas positivos) e terapia familiar (que auxilia na aquisição de comportamentos  para a diminuição do estresse).

Souza(2006) pontua que a esquizofrenia determina impacto não somente sobre os pacientes em si, mas também sobre as perspectivas familiares e da sociedade em geral. Por esse motivo Scazufca(2000) ressalta em sua pesquisa, o papel da família no tratamento da esquizofrenia, no sentido de realizar-se com elas, explicações sobre o diagnóstico e prognóstico, principais sintomas e comportamentos, a importância da diminuição do estresse, perspectivas de duração do tratamento farmacológico e a sua associação com outras terapias.

E com relação a esta última, Hogarty(1986) apud Cavalcanti(1991), encontrou em pesquisa desenvolvida, as taxas de recaídas de pacientes com esquizofrenia num intervalo de um ano, como mostra a tabela abaixo:

 
Tratamento                                                          Taxa de recaídas

Tratamento familiar + medicação                                    19%

THS + medicação                                                          20%

Tratamento familiar + THS+ medicação                             0%

Medicação                                                                    41%

Fonte: Cavalcanti(1991).

Evidenciando que a combinação de diferentes intervenções nesses tipos de paciente tem maior resolutividade e que sua utilização se configura como uma importante modalidade de inclusão social, independência e prevenção de recaídas, assim como relata Moriana(2006).

 
Discussão

A utilização do treinamento de habilidades sociais na esquizofrenia é ainda um campo novo em desenvolvimento,  mas já é possível observar resultados positivos na sua administração, principalmente ao que se refere à diminuição de recaídas, reinserção social e diminuição de fatores estressores, assim como descreve as pesquisas realizadas por Reger(2003) e Moriana(2006).

Por outro lado,  a utilização do THS na esquizofrenia em nível de Brasil ainda é muito pequena e o desenvolvimento desse campo ainda se encontra no início.

No entanto, vale ressaltar que os estudos desenvolvidos nesse sentido têm despertado o interesse no processo de um melhor prognóstico dos transtornos mentais,  proporcionando aos pacientes e familiares um maior controle sobre os eventos externos do ambiente, acarretando uma melhor adaptação ao meio social ao qual está inserido.

 
Comentários finais

Diante dos dados obtidos, conclui-se que o treinamento de habilidades sociais tem sua eficácia no auxílio do tratamento da esquizofrenia, principalmente no que se refere á aprendizagem de comportamentos que possibilitem uma maior adaptação ao meio, através da diminuição do estresse e um maior enfretamento de situações estressoras. Auxiliando também em uma melhor qualidade de vida, pois este desenvolve habilidades que favorecem o contato social, a assertividade, diminuindo também o número de internações, favorecendo a interrupção da perda cognitiva adquirida em cada nova crise.

Vale ressaltar ainda que essa técnica tem uma maior resolutividade quando associada à farmacoterapia e a terapia familiar, mostrando a importância dos familiares nesse processo, relacionada principalmente ao conhecimento da doença e os fatores que podem desencadear uma nova crise, pois o THS aplicada ao paciente que vive num ambiente de mudanças constantes diminui a possibilidade de um resultado significativo, já que esse tipo de ambiente dificulta ao paciente aplicar o que foi treinado em setting terapêutico.

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