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Por que o mundo é como é?

Introdução

Uma vez Einstein observou que o que mais lhe interessava era saber se Deus tivera escolha ao criar o mundo como ele é. Einstein não era religioso no sentido tradicional, mas gostava de usar Deus como metá­fora das questões profundas da exis­tência. Essa pergunta particular in­trigou gerações de cientistas, filó­sofos e teólogos.

Será que o mundo tem de ser como é, ou poderia ter sido diferente? E, se pudesseter sido diferente, como deveríamos procurar explicar o fato de que seja assim?

Ao referir-se à pergunta sobre a liberdade de Deus em criar um mundo à sua escolha, Einstein aludia a Benedictus de Spinoza, filósofo do século XVII. Spinoza era panteísta, encarava os objetos do universo físico como atributos, e não como criação de Deus. Ao identificar Deus e natureza, Spinoza rejeitou a idéia cristã de uma Divindade transcen­dente que criara o universo num ato livre. Além disso, Spinoza não era ateu: acreditava dispor de uma prova lógica de que Deus tem de existir. Dado que identificava Deus e o universo físico, esta identificação cons­tituía uma prova de que nosso universo particular também tem de exis­tir. Para Spinoza, Deus não teve escolha nesse ponto: "As coisas não poderiam ter sido geradas por Deus de qualquer outra maneira ou em qualquer ordem diferente da que de fato obteve", escreveu ele.

Este tipo de pensamento – de que as coisas são como são em decorrência de uma espécie de necessidade ou de inevitabilidade lógica – é bastante comum entre os cientistas dos dias de hoje. No entanto, a maioria prefere deixar Deus totalmente fora da questão. Se estiverem certos, o mundo forma um sistema de explicação fechado e completo, no qual tudo tem sua razão e não resta mistério algum. Também signifi­ca que, em princípio, não precisamos observar o mundo para conseguir achar sua forma e conteúdo: como tudo decorre de necessidade lógica, a natureza do universo seria dedutível da mera razão. "Considero que é verdade", escreveu Einstein quando andava flertando com essa idéia, "que o pensamento puro pode apreender a realidade, como sonhavam os antigos… Por meio de construções puramente matemáticas, podemos descobrir os conceitos e as leis que os articulam uns aos outros, estando aqui a chave para a compreensão dos fenômenos naturais." Claro que podemos não ter inteligência suficiente para realmente chegar aos con­ceitos e às leis corretas apenas pela dedução matemática, mas não é disto que se trata. Se este esquema explicativo fechado fosse sequer possível, nosso pensamento sobre o universo, e o nosso lugar dentro dele, sofreriam profunda alteração. Mas será que essa pretensão à completeza e à unidade tem algum fundamento, ou não passa de uma vaga esperança?


Um universo inteligível

Subjacente a todas essas perguntas, há um pressuposto crucial – o de o mundo ser tão racional como inteligível -, muitas vezes expresso como "princípio da razão suficiente", segundo o qual tudo no mundo aqui está por alguma razão. Por que o céu é azul? Por que as maçãs caem? Por que o sistema solar tem nove planetas? Não costumamos ficar satisfeitos com a resposta: "Porque sim." Acreditamos que deve haver alguma outra razão. Se no mundo houver fatos que têm simples­mente de ser aceitos sem razão (os chamados fatos brutos), a racionali­dade sucumbirá, e o mundo será absurdo.

A maioria das pessoas aceita sem questionamentos o princípio da razão suficiente. Todo o edifício da ciência, por exemplo, ergue-se sobre a hipótese da racionalidade da natureza. A maioria dos teólogos também adere ao princípio porque acredita num Deus racional. Mas será que podemos ter certeza absoluta da infalibilidade deste princípio? Haverá razão suficiente para acreditar no Princípio da Razão Suficiente? Sem dúvida, ele costuma operar bem: as maçãs caem por causa da gravidade, o céu é azul porque a luz com pequeno comprimento de onda é dispersada pelas moléculas do ar, e por aí vai. Mas isto não garante que sempre operará. Claro, se o princípio for falso, serão inúteis todas as indagações sobre as questões últimas. Seja como for, infalível ou não, vale a pena aceitar esse princípio como hipótese de trabalho para ver aonde nos leva.

Ao enfrentar as questões profundas da existência, temos de levar em conta dois tipos diferentes de possibilidades.

Primeiro, há fatos sobre o universo físico, como o número de plane­tas do sistema solar. É um fato que os planetas são nove, mas parece irracional supor que têm de ser nove. Não é difícil imaginá-Ios em número de oito, ou dez. Uma explicação típica da razão de serem nove deve basear-se na maneira da formação do sistema solar a partir de uma nuvem de gás, da abundância relativa dos elementos no gás etc. Diz-se que as características do sistema solar são contingentes, pois para expli­cá-Ias é preciso recorrer a algo diferente delas. Algo é contingente se puder ser distinto do que é, de forma que a razão de ser como é depende de outra coisa, de algo que está além de si mesmo.

O segundo tipo engloba os fatos, objetos ou eventos que não são contingentes – são chamados necessários. Algo é necessário se for como é de maneira totalmente independente de outra coisa. O necessá­rio contém em si mesmo sua própria razão de ser como é e não mudaria em nada se tudo mais fosse diferente.

É difícil convencer-se da existência de coisas necessárias na nature­za. Por certo, todos os objetos físicos que encontramos no mundo, e tudo que lhes acontece, dependem de algum modo do resto do mundo e, assim, devem ser considerados contingentes. Além disto, se algo é necessariamente como é, deve sempre ter sido como é: não pode mudar. Uma coisa necessária não pode fazer referência ao tempo. Mas o estado do mundo muda continuamente com o tempo, de forma que todas as coisas físicas que participam desta mudança devem ser contingentes.

E o universo como um todo, se incluirmos o próprio tempo na definição de universo? Pode ser necessário? Foi o que afirmaram Spinoza e seus seguidores. A primeira vista, é difícil aceitar que possam estar certos. É fácil imaginar o universo diferente do que ele é. Claro que o simples fato de conseguir imaginar não garante que o imaginado seja possível, nem sequer logicamente possível. Mas creio que há excelen­tes razões por que o universo possa ser diferente.

O que dizer das leis da física? São necessárias ou contingentes? Aqui a situação é menos clara. Normalmente, essas leis são considera­das intemporais e eternas, e, portanto, talvez seja possível defender a idéia de serem necessárias. Além disso, a experiência mostra que, com o progresso da física, leis que pensávamos serem independentes reve­lam-se interligadas umas às outras. Um bom exemplo é a recente desco­berta de a força nuclear fraca e a força eletromagnética serem, na verda­de, dois aspectos de uma única força elétrica fraca descrita por um sistema de equações comum a ambas. Assim, as forças, consideradas isoladamente, mostram-se contingentes em relação a outras forças. Mas será possível que exista uma superforça, ou mesmo uma superlei total­mente unificadora, que seja necessária? Muitos físicos acham que sim. Alguns cientistas contemporâneos, como Peter Atkins, químico de Oxford, recorrem a essa convergência da física fundamental em direção a uma superlei unificadora como prova de o mundo físico não ser contingente: que necessariamente é como é. Sustentam que é ocioso procurar mais explicações na metafísica. Esses cientistas esperam ansio­samente o dia em que todas as leis da física serão combinadas numa única concepção matemática, e afirmam que não será possível haver outro esquema com coerência lógica.

Outros, porém, debruçaram-se sobre essa mesma unificação pro­gressiva e tiraram a conclusão oposta. O papa João Paulo II – que eu cito por ter sido um homem inteligente, culto, temente a Deus, por liderar uma numerosa igreja, mas não por aceitarmos que ele tenha sido um sucessor do apóstolo Pedro, menos ainda pelo dogma de sua infalibilidade -, por exem­plo, ficou profundamente impressionado com o progresso espetacular no campo da interligação das diversas partículas elementares da maté­ria às quatro forças fundamentais da natureza, e achou conveniente dirigir-se a uma conferência científica falando sobre suas am­plas implicações:

"Os físicos possuem um conhecimento detalhado, embora incomple­to e provisório, das partículas elementares e das forças fundamen­tais por meio das quais estas interagem com energias baixas e inter­mediárias. Agora dispõem de uma teoria aceitável que unifica as forças eletromagnéticas e nuclear fraca, juntamente com grandiosas teorias do campo unificado, muito menos adequadas, mas mesmo assim promissoras, que tentam incorporar também a interação nu­clear forte. Avançando nesta mesma linha, já há numerosas suges­tões detalhadas sobre o estágio final, a superunificação, ou seja, a unificação das quatro forças fundamentais, inclusive a gravidade. Não é importante para nós notar que, num mundo onde impera uma especialização tão minuciosa como o da física contemporânea, exis­te esse impulso em direção à convergência?"

O aspecto essencial dessa convergência é a maneira como vai pro­gressivamente confinando as leis aceitáveis da física. Cada novo enca­deamento formulado exige interdependência e compatibilidade entre as leis que regem partes até então independentes. A exigência de que todas as teorias sejam compatíveis com a mecânica quântica e a teoria da relatividade, por exemplo, já impõe fortes restrições à forma matemáti­ca que as leis podem assumir. Tal fato suscita a especulação de que um dia, talvez em breve, a convergência se complete, chegando-se então a uma explicação totalmente unificada de todas as leis da natureza. É a idéia da chamada teoria unificada universal.

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