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Complexo de Anti-Cristo – Perspectiva Psicodinâmica

A história de Jesus Cristo é bem conhecida. No final da sua vida "terrena", ele foi crucificado pelas autoridades Romanas, com a ajuda dos Hebreus, segundo reza a história. Para além da intervenção de Judas, que o terá traído – a pedido de Jesus ou não, isso é, actualmente, assunto de debate, particularmente, depois da descoberta dos pergaminhos no Mar Morto, apontando noutro sentido do que a história habitual relatada na Bíblia.

Ora, interessa-nos, sobremaneira, o facto de Jesus Cristo ter sido crucificado, para, segundo reza a tradição cristã, expiar os pecados da humanidade, e o facto de muita da população comtemporânea a Jesus, naquele local, e segundo dita a história, ter tido o sentimento de o querer ver crucificado.

Aquilo que venho descrever aqui é, noutro sentido, o Complexo de Anti-Cristo. Considerando, sobretudo, as sociedades comtemporâneas.

O Complexo de Anti-Cristo refere-se à necessidade, na mulher, particularmente e mais frequentemente, mas também no homem, para as suas interrelações quotidianas com outras mulheres, e também com homens, de um bode expiatório, particularmente, de um alegado esquizofrénico, onde elas possam projectar maciçamente os seus medos, a saber, um grande medo quanto à  existência de patologia mental nela, e permanecerem naquilo a que elas pensam ser a sanidade mental, normal.

Há aqui uma relação esquizofrenizante, em uma relação tóxica com os outros, projectando toxicamente os seus maus objectos. Isto, com um comportamento feminino típico que é o comportamento-morcego, em que como o morcego lança vibrações para baterem nos objectos para poder captar o retorno das vibrações posteriormente, ela lança verbalizações precisas, suspiros, gritos, risos, depreciações, etc., para poder vir depois a captar a informação que lhe é devolvida. Isto é importante, pela sua intensidade, densidade e frequência de ocorrência.

Ora, este estilo de relação esquizofrenizante predomina, particularmente, num sistema capitalista e é de linha psicótica ( Deleuze & Guattari, 2004 ). Mas, precisamente, segundo o tipo de funcionamento da maior parte das mulheres, em que recalcam o que lhes é indesejável, desagradável, num funcionamento tipo histérico, que é mais característico no sistema capitalista, e em que verbalizam agressivamente, a nível fálico ( agressividade fálica ) ( Laplanche & Pontalis, 1990 ), o que sentem interiormente, mas em relação a alguém exterior: outra mulher, homem… Será histérico mas tem as características, referidas, de projecção maciça, que é algo mais psicótico. Neste sentido, aponta-se mais para um quadro borderline, com sentimentos neuróticos histéricos e sintomas psicóticos. Dada a caracterização feita anteriormente acerca da relação tóxica estabelecida, particularmente esquizofrenizante, é útil lembrar o que Bergeret ( 1997, 1998 ) refere quanto a cerca de 50% da população europeia, e digo eu, já que interessa neste caso, onde predomina o sistema capitalista, não poder ser considerada normal, devido a ter uma caracterização borderline, de se constituir enquanto aestruturação, ou seja, de não ter uma verdadeira estrutura psicológica.

Especificamente no Complexo de Anti-Cristo, há uma necessidade de querer "crucificar" alguém nas relações externas, para expiar os sentimentos negativos tidos e não admitidos como seus, e isto a maior parte das vezes, já que poderá suceder os mesmos sentimentos serem conscientes, não podendo os mesmos serem mantidos internamente, ou seja, terem que ser "evacuados". Isto parece ser bastante comum, pelo menos num sistema capitalista, e, claro está, pelo que se me afigura.

Este Complexo está retratado, exemplarmente, numa canção dos anos 80 do século XX, que tinha como refrão: " I have to crucify somebody today " ( infelizmente não me recordo do autor ou grupo musical ).

Há, para mais, ou houve, pelo menos, um fenómeno curioso, que ocorreu na Televisão Portuguesa. Tratavam-se de anúncios esporádicos, com a chancela da Polícia Judiciária, acerca de um homem ter desaparecido, e, importantemente, como tendo problemas mentais. Isto levará, inconscientemente, particularmente com as características referidas anteriormente, quanto ao medo relativamente à existência de patologia mental na mulher ( mais frequentemente ), à identificação de que o pai ( figura masculina ) foi embora, com problemas mentais. Em termos de mecanismos mentais, transfere a culpabilidade sexualizada, quanto ao desaparecimento, para a doença mental. Este afecto permanece, assim, exteriorizado, o que permitirá ao indivíduo lidar melhor com ele.

Será o fenómeno do "louco" da aldeia. É curioso que se fale, actualmente, em "aldeia global".

Não nos esqueçamos, portanto, de que quando se está a falar em Anti-Cristo, deveremos estar a falar neste Complexo de Anti-Cristo, que inverte a cultura habitual e nos referencia um fenómeno muito vivo.


Referências bibliográficas:

Bergeret, J. ( 1997 ). A personalidade normal e patológica ( Tradução portuguesa ). Climepsi Editores. Lisboa

Bergeret, J. ( 1998 ). Psicologia patológica – Teórica e clínica ( Tradução portuguesa ). Climepsi Editores. Lisboa

Deleuze, G. & Guattari, F. ( 2004 ). O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia ( Tradução portuguesa ). Assírio & Alvim. Lisboa

Laplanche, J. & Pontalis, J. B. ( 1990 ). Vocabulário da Psicanálise ( Tradução portuguesa ). Editorial Presença. Lisboa

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