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Problemas com a violência nas escolas

O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) é um pólo de pesquisa e diagnósticos sobre direitos humanos e democracia. Os pesquisadores que compõem as equipes do NEV debruçam-se sobre as variadas manifestações sociais que de alguma maneira revelam a distância existente entre as comunidades e seus diversos atores e a vivência plena do Estado de direito. Nesse grande pacote de situações, sempre são discutidas as diferentes formas de violência, a segurança pública, a ausência de aparatos do Estado que garantam a organização da vida, a falta de educação, emprego e renda, dentre tantos outros temas relevantes.
O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) é um pólo de pesquisa e diagnósticos sobre direitos humanos e democracia. Os pesquisadores que compõem as equipes do NEV debruçam-se sobre as variadas manifestações sociais que de alguma maneira revelam a distância existente entre as comunidades e seus diversos atores e a vivência plena do Estado de direito. Nesse grande pacote de situações, sempre são discutidas as diferentes formas de violência, a segurança pública, a ausência de aparatos do Estado que garantam a organização da vida, a falta de educação, emprego e renda, dentre tantos outros temas relevantes.

Caren Ruotti, Renato Alves e Viviane de Oliveira Cubas são pesquisadores do NEV e nos últimos dois anos dedicaram-se a um estudo que resultou no livro Violência na escola – Um guia para pais e professores (Imprensa Oficial, R$ 15,00). O trabalho deles começou com uma experiência prática. “Apareceu a oportunidade de cuidarmos de um programa de mediação de conflitos numa escola do Jardim Ângela, na periferia mais violenta de São Paulo”, conta Alves. “E a partir dali iniciamos uma pesquisa em outras escolas para entender o papel e as possibilidades de cada ator na superação das violências”, continua o autor.

A primeira percepção da equipe foi a de que a escola é a peça chave na mediação e na superação dos conflitos. Em primeiro lugar, porque a instituição é, por natureza, um lugar de conflitos. “Porque é um espaço de convivência entre os diferentes. Ali estão representadas e postas em contato variadas etnias, classes, culturas, idades, sexos e nessas condições o conflito sempre aparece”, pontua Alves. Mas aqui cabe ressaltar que, segundo a visão do Núcleo de Estudos da Violência, conflito não é sinônimo de violência. Conflito é um embate, quase natural, entre dois seres humanos e pode se manifestar no plano das idéias, dos valores. Violência é o que acontece quando o conflito não é superado. É a continuação, o prolongamento e o aprofundamento daquele embate inicial. Em outras palavras, “quando o conflito é mediado e superado, não vira violência”, explica o autor.

Conflitos variados

Ao saírem a campo para conhecer a realidade das escolas paulistanas, o que os autores encontraram foi exatamente essa situação de conflitos variados, mas não a preparação, a disposição e a atitude para fazer dessa situação um aprendizado em direção à cultura de paz. Em termos concretos, vê-se diariamente nas escolas embates entre alunos da mesma idade, alunos de idades diferentes, alunos e professores, alunos e os outros adultos que compõem a equipe da escola. E, no mais das vezes, os pesquisadores não encontraram nem a mediação desses conflitos, nem a superação deles.

“A maioria das escolas e dos professores entendem que as agressões verbais e uma certa provocação entre os alunos e até com os adultos é normal, é coisa de criança, coisa de estudante”, afirma Alves, ao explicar a falta de atitude das escolas. Mas isso não é mesmo natural entre os alunos? “É natural entre os seres humanos, claro. Temos uma agressividade natural, mas precisamos lidar com isso, precisamos ser educados para aprender que existem maneiras pacíficas e respeitosas de resolver os problemas”, responde.

Bullying

Quando perguntado sobre que mal pode causar um xingamento, ou uma provocação verbal – afinal, quem nunca passou por isso? –, Alves explica que uma ofensa pode parecer coisa pequena, inofensiva, mas quando ela não é observada, não é levada em conta, quando os adultos ignoram essa atitude entre duas crianças, está se abrindo caminho, aí sim, para a violência propriamente dita. Os autores explicam detalhadamente em Violência na escola – Um guia para pais e professores a trajetória de uma ofensa até ela se configurar em violência e causar problemas mais graves para todos os atores envolvidos. E aqui entra o tão comentado bullying. A expressão vem do inglês bully, que pode ser traduzido como “valentão”, e ficou mundialmente famosa depois do massacre na escola Columbine, em 1999, nos Estados Unidos. Bullying são provocações, apelidos humilhantes, xingamentos e agressões movidas por estereótipos e preconceitos, sempre em ambiente escolar. Embora pareça uma atitude comum entre estudantes, essa violência causa danos bastante sérios. O caso da escola Columbine – dois alunos, depois de passarem por humilhações durante anos, compram armas, invadem a escola, matam vários colegas e professores e depois se suicidam – é atípico pela ferocidade, mas retrata a que ponto esses conflitos podem chegar.

Uma das grandes questões encontradas por Caren Ruotti, Renato Alves e Viviane de Oliveira Cubas é que, quando se pensa em violência nas escolas, o que vem à cabeça são as imagens como as de Columbine, ou homicídio de alunos, ou brigas de gangs. “Isso existe, claro, diariamente vemos notícias sobre isso, mas é uma porcentagem bem pequena, essas manifestações chocantes são o final da linha. Antes de chegar lá há um sem número de violências menores”, afirma Alves. E a grande sacada do livro deles é justamente fazer pais e professores atentarem primeiro para o conflito, depois para as pequenas violências e agir conscientemente nas duas manifestações para que elas não virem algo mais sério. Nenhum ser humano nasce já sabendo solucionar conflitos, e a agressão é a maneira mais rudimentar de resolver a situação. O que os autores defendem, linha após linha, é que as pessoas precisam desde cedo ser educadas para a socialização e para serem capazes de conviver em harmonia. E o livro propõe uma série de medidas que podem ser tomadas por alunos, professores e direção para promover a tal cultura de paz.

O papel da família

Mas os autores alertam que neste ponto a figura central é a instituição escolar, que tem a legitimidade para implantar uma nova visão em relação aos problemas. A família, a comunidade, os alunos e os professores também são protagonistas, mas os pesquisadores defendem que a instituição tem um peso simbólico diferente, porque é a depositária da confiança da sociedade na educação das crianças e dos jovens. Por isso, a escola precisa decidir como vai cuidar dos conflitos dos seus alunos. Decidida por uma cultura de tolerância e respeito das diferenças, pode-se somar as forças dos outros atores e começar a agir.

No livro, a primeira medida proposta é encarar que os conflitos existem e que, embora naturais, podem e devem ser trabalhados, cuidados e mediados para que não avancem. As pessoas devem ter o direito de expor seus pontos de vista, mas sem que isso fira quem se coloca de maneira diversa. A escola deve garantir, portanto, esse direito à expressão das contrariedades e, se eventualmente, os alunos não forem capazes de resolver pacificamente sozinhos, deve entrar em ação o que os autores chamam de instância mediadora. “Pode ser um professor respeitado por todos, pode ser um coordenador, ou a própria direção”, propõe Alves. Ele acredita ainda que se as instâncias internas não forem suficientes, há organizações não governamentais e até órgãos do governo que podem exercer esse papel. O importante é que as partes se sintam respeitadas no direito de se expor e que, diante da decisão ou da proposta do mediador, todos sintam que foi feita justiça.

Solução de conflitos

A sensação da Justiça é talvez a questão mais delicada nessa rede toda relacionada à violência. Se os atores não legitimam as regras, o mediador e as sanções, também não vão se sentir respeitados pelo processo todo. “A saída é a escola propor um programa de solução de conflitos, que começa com o trabalho diuturno em cima de cada conflito – por menor que seja – para fazer dele uma ponte para o aprendizado”, comenta Alves, em relação ao que a escola pode fazer efetivamente.

No livro, os autores relatam casos de escolas que promoveram essa espécie de pacto geral. Juntos, alunos, professores e direção vão pontuando os limites, o que pode e o que não pode. Juntos também propõem as sanções para quem descumpre os combinados. E, por atravessarem esse projeto juntos, fortalecem-se mutuamente como comunidade. Alves aponta que nas escolas com problemas de violência que passaram por uma experiência assim, os alunos, os professores e o corpo diretivo sentem que verdadeiramente a justiça está presente.

Mas não é só isso. Para os autores, passar por essa vivência de controle social é, por si só, um grande aprendizado. “Quando o aluno entende que há limites para a convivência, que esses limites devem ser cumpridos e que se não forem, há uma punição com a qual todos concordam, isso se amplia para fora dos muros da escola”, explica o autor. Esse aluno vai passar a ter um olhar diferenciado em relação às regras sociais e vai perceber que elas existem e que estão aí para serem cumpridas. Quem não cumpre está ferindo uma espécie de pacto. “É ainda uma caminhada longa, mas quem tem o direito de adquirir esse olhar, vota mais conscientemente, cobra seus parlamentares, não suborna”, almeja o pesquisador.

Ensinar a conviver em sociedade

A isso tudo, essa soma de valores com consciência e com atitude frente aos problemas, os especialistas chamam de educação. Segundo eles, as escolas brasileiras, nas últimas décadas, empenharam-se em ser boas passadoras de conteúdos, mas esqueceram-se da função de educadoras. “Ensinar a conviver em sociedade é função também das escolas e elas esqueceram isso. Basta ver que no vestibular, passa quem retém mais conteúdo e não necessariamente quem vive melhor nos grupos sociais”, queixa-se Alves. Some-se a essa desatenção a sociabilidade, o estímulo à competição, o não compromisso com a resolução de conflitos e, por fim, as condições muito ruins de trabalho dos professores – baixos salários, excesso de alunos. Temos uma situação muito adequada para que a violência brote e se imponha. “Imagine uma turma de escola pública ou particular com 30 ou 40 crianças de sete anos e apenas uma professora. Que poder de contenção ela teria no caso de uma confusão lá no fundão da classe?”, provoca o autor.

Os pesquisadores do NEV lembram que nas escolas públicas, a todas essas questões ainda se adiciona a proximidade com o crime desorganizado. “É verdade, filhos e parentes de traficantes estudam ali, e é uma população exposta a violências sociais graves e à negação dos direitos mais básicos, como saneamento básico, moradia e saúde. Evidentemente isso tudo se reflete na escola”. De um lado, a proximidade com a sociedade excluída e marginalizada; do outro, um excesso de mercantilização que desvirtua a relação professor-aluno e ensino-aprendizagem. Nas escolas particulares, o aluno vem sendo tratado como cliente – e cliente se mantém a qualquer custo. A escola aceita passivamente o discurso do “eu pago então eu mando”, e uma criança de oito ou nove anos passa a enxergar naquele que deveria ser seu mestre, seu educador, um serviçal. “E isso é muito grave. Que valor uma sociedade assim dá a educação? O que se pode esperar de uma elite que entende que ir ao supermercado ou à escola são atividades correlatas?”, pergunta indignado Alves.

Relação professor-aluno

Não é de se estranhar, portanto, que nesse redemoinho de desvalorizações, um professor acabe sendo ofendido, ameaçado e até agredido por um aluno. “Educadores também são vítimas de violência verbal, moral e até física mesmo. Não é extremamente comum, mas encontramos vários casos”. E nesses casos não é só a pessoa do professor quem fica humilhado e vulnerável, é a figura simbólica do professor, o que resulta, lá na frente, numa descrença geral nisso que os autores chamam de educação. Do outro lado da moeda, eles também encontraram professores que agridem seus alunos. Humilham, colocam de castigo e chegam a dar uma reguada, ou um beliscão. “Também são eventos raros, mas sim, existem”, lamenta o pesquisador.

É o fim do caminho quando isso acontece, quando aluno e professor chegam às vias de fato? Alves garante que sim, que é a sinalização mais aguda de um processo de descrença – de parte a parte – na educação. “A conclusão mais importante a que a gente chega é que a violência é, sem nenhuma dúvida, a maior prova da falência da educação, dessa educação que soma conteúdo e sociabilidade, que aponta para uma cultura de respeito às diferenças”. E os autores vão além. Alertam que num ambiente de violência é impossível promover a educação das pessoas. Por isso a procura pela paz – a começar pela paz nas escolas – deve andar de mãos dadas com o esforço por uma educação mais global, que valorize os papéis sociais, as responsabilidades pessoais frente aos grupos e que não deixe esmorecer a certeza “de que a violência, por princípio, é algo que pode sim ser evitado”, conclui o autor.

Fonte: Sinpro-SP

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