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Um tributo a Franz Kafka

Entendemos que todos aqueles que se ocupam das ciências ligadas ao estudo da mente humana, não podem se furtar a leitura da obra de Franz Kafka, o qual segundo alguns biógrafos, seria o mestre sobre a "autoridade paterna". Baseamo-nos , principalmente, naquela que nos parece ser a sua prncipal obra que é "A Carta ao Pai".

Nada mais pretendemos com a publicação deste artigo, do que prestar uma homenagem ao grande Franz Kafka, autor que, no mínimo, faz refletir aquelas mentes, que procuram sempre por um conhecimento maior sobre si mesmas. Considero, particularmente, Kafka um autor que não pode deixar de ser lido por profissionais que pretendam uma aproximação da alma humana.

Num dizer do próprio Freud, encontramos algo como uma recomendação para aqueles que vão se ocupar da alma humana, no sentido de que não esperem dela extrair fadas, anjos, flores, ou mesmo toques de violino, mas sim, que estejam preparados para se defrontar com fantasmas, monstros, vampiros, etc.

Segundo Elias Canetti, referindo-se à "Carta ao Pai", pergunta: "Por que tu te envergonhas quando lês Kafka? Tu te envergonhas de tua força…".

Sabemos que em 1919 a carreira literária de Kafka estagnara de vez. Já tinha suas obras escritas mais conhecidas, como "A Metamorfose" e "O Processo". Em "O Processo", existe um trecho da "Carta" em que Kafka diz: "Minha atividade de escritor tratava de ti (do pai), sendo que nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito".

Um dos grandes temas de sua obra, senão o maior, é sem dúvida a autoridade paterna. Segundo Walter Benjamim, para Kafka a autoridade paterna é o símbolo das outras autoridades. "O pai é o punidor". A "Carta" foi escrita em 1919, quando, alguns meses antes, conhecera Julie Wohryzek, a qual viria a ser a sua noiva e que desempenhou um papel fundamental na escrita da "Carta" por Kafka. Segundo historiadores, Kafka pensava em poder melhorar a sua relação com o pai através da "Carta" e Max Brod, chega a testemunhar que ela foi entregue à mãe. Esta se recusou a encaminhá-la ao marido e a devolveu a Franz, ciente de que o marido não a leria.

Conta-se que Hermann pouco se interessava pelos problemas do seu filho. Já em 1914, Kafka enviara uma carta aos pais, a qual o pai teria entregado à mãe sem mesmo abri-la e nem tomar conhecimento de seu conteúdo.

Nunca se soube o porquê Kafka nunca chegou a entregar a "Carta" ao pai de fato. As hipóteses levantadas são de que ele suspeitava que o pai não ligasse para seu conteúdo, ou se passou a duvidar do valor documental do manuscrito. Sabemos que muitos dos comentadores da obra de Kafka, deram-lhe valor pelo seu lado literário, não atentando para o fato, muito mais importante, que se tratava de um trabalho autobiográfico. O pai, lembrando Chaplin em "O Grande Ditador", com a sua presença avassaladora é que fez o filho proclamar: "Da tua poltrona, tu regias o mundo" e a chamá-lo de tirano, de regente, de rei e de Deus.

Se a "Carta ao Pai" alcançou o valor de documentário literário com altíssimo valor estético, foi porque Kafka tinha o que dizer, e, mais uma vez, citamos Benjamim: "Todos os seus livros são narrativas grávidas de uma  moral que jamais dão à luz", uma vez que entre todos os escritores Kafka foi, segundo Canetti: "O maior especialista do poder".

Dissemos há pouco, que a noiva de Kafka teria sido fundamental na escrita da "Carta" por parte de Franz Kafka, e agora gostaríamos de nos deter um instante no porque disso ter sido desta forma.

Conta-se que Kafka teria ficado absolutamente frustrado diante da frieza com que seu pai recebera o comunicado de seu noivado com Julie Wohryzek. A "Carta" que foi escrita contava com mais de cem páginas manuscritas. Kafka contava com 36 anos e uma vida pessoal extremamente acanhada, nunca tendo chegado a se casar ou mesmo ter filhos.

Segundo seus biógrafos, em uma experiência de  virtuosíssima auto-análise, ele mostra como, a seu ver, o jugo paterno teria minado-lhe a auto-estima, tendo sobrado para ele uma personalidade raça e assustada.

Se voltarmos à fala de Elias Canetti, onde Kafka teria sido "O maior especialista no poder", poderemos nos colocar a refletir um pouco sobre esse "poder". Na obra freudiana, encontramos textos muito representativos dessa temática, como por exemplo: "Totem e Tabu", "Moisés e o Monoteísmo", além da "Dissolução do Complexo de Édipo". Sabemos que neste último, em especial, é dada muita importância à figura do pai, ou daquele que exerce a "função paterna", como o introdutor da "lei da proibição do incesto", ou seja, daquele a quem cabe a apresentação e a introdução da questão da "Lei".

Através do processo identificatório, é como se a criança (o menino) ouvisse do pai algo assim: "Serás como eu sou, farás o que eu faço, terás o que eu tenho, mas, existe uma coisa que eu tenho (a posse sobre a mãe-mulher), que se encontra vedada a ti".

Dessa forma estabelece-se uma relação de ambivalência amor e ódio do menino em relação à figura do pai. O que nos importa aqui ressaltar é que esta relação se dá diante de uma falácia, ou seja: parecer que o pai teria decidido por livre-arbítrio sobre a posse dessa mãe, sua mulher. O que nos parece que deve ficar muito claro é que o pai, em verdade, nada mais é, num dizer psicanalítico, do que um "porta-voz da cultura". Em outras palavras, assim como ele submete ao filho quanto à interdição, encontra-se também ele submetido a ela, da mesma forma.

Na verdade, podemos dizer, que a "Lei da Proibição do Incesto" estaria a serviço do processo da "exogamia", onde o filho mantém a identificação com o pai naquilo que lhe é possível, mas escrevendo a sua própria história, ainda que, tendo como força motriz para a execução desse processo, a ameaça da "Castração Simbólica".

Encontramos em alguns autores inspirados, dentro do âmbito da psicanálise a afirmação de que "O Complexo de Édipo, é uma problemática de fundo de quintal". Sabemos que o quintal pode ser maior ou menor, mas uma vez quintal, as mesmas práticas se estabelecem. Esse fenômeno também fica muito evidenciado no trabalho de Freud sobre "A Novela Familiar do Neurótico".

Dessa maneira, se tomarmos o aspecto inerente à repetição, penso, que poderíamos refletir se o existir humano, não estaria atavicamente, marcado por um processo de eterna repetição "neurótica" ?

E, sendo assim, qual a profundidade possível para que um processo de análise adentre essa problemática, e quais os níveis de êxito que podem ser esperados de semelhante empreitada?

Para "complexizar" um pouco mais a nossa análise, gostaria de citar uma série televisiva que passou há muito tempo e cujo nome era "Raízes". Numa família de negros que vinham dentro de um navio, nasce o filho de um dos líderes. O mesmo sobe até avistar o céu e levanta o filho recém-nascido nos braços em direção ao céu, proferindo algumas palavras em seu idioma natal.

Ao lhe perguntarem por que havia feito aquilo, ele simplesmente responde "Não sei, apenas senti que deveria fazer". Lembro-me que na época foi muito discutida a presença do Inconsciente Coletivo de Carl Gustav Jung. De qualquer forma, aqui também estaríamos frente a um fenômeno de repetição, em relação ao qual, penso ser muito importante voltarmos a nossa atenção.

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