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“Delirium”

Introdução

O delirium pode ser a síndrome da clínica psi mais comum no hospital geral. Sua morbidade e mortalidade podem ultrapassar todos os outros diagnósticos psicoclínicos. Apenas a demência, quando acompanhada por vários anos, tem uma taxa de mortalidade mais alta. Embora visto comumente por consultores do Campo psi e de outras áreas, o deli­rium permanece um fenômeno ignorado e pouco pesquisado.

Ao apresentar uma revisão con­ceitual do delirium, observo a grande varieda­de de diferentes agressões fisiológicas que podem levar ao grupo de sintomas da síndrome de deli­rium. Sua etiologia multifatorial explica tanto a alta incidência da síndrome quanto a evolução de muitos termos diagnósticos "equivalentes". O de­lirium pode se manifestar clinicamente como um estado hipoativo (redução da vigília), um estado hiperativo (aumento da vigília), ou um estado misto, com flutuações entre as formas hipo e hiperativa. O diagnóstico acurado, naturalmente, precede o tratamento. O prognóstico do delirium, sem diagnóstico e tratamento apropriados, é som­brio.


Nota:
O termo delirium  é mantido em latim em inúmeros idiomas para não ser confundido com delírio. O delirium expressa, acima de tudo, uma alteração patológica do estado de consciência, enquanto que o delírio significa uma distorção do juízo crítico levando ao encadeamento de idéias, que constroem um raciocínio falso.


1. Definição

Definir delirium não é tarefa fácil, porque mui­tos termos têm sido utilizados para descrever esta síndrome clínica. Os critérios diagnósticos para delirium encontrados no DSM-IIl-R (American Psychiatric Association, 1987) ori­ginaram-se do esforço de uma comissão, mas re­presentam de modo ainda insuficiente a ampla gama de anormalidades neuropsíquicas obser­vadas no paciente delirante. No item deste artigo sobre aspectos clínicos, tento amplificar e expandir esses critérios. Os DSM unem um amplo espectro de estados clínicos (isto é, estados confusionais hipoativos, hiperativos e mistos) sob o espectro diagnóstico do delirium. Esta aborda­gem não é aceita por muitos colegas psi, e prin­cipalmente pelos neurologistas. Por exemplo, foi sugerido que o diagnóstico de deli­rium deveria ser reservado para um subgrupo de pacientes confusos com agitação, instabilidade autonômica e alucinações. O delirium tremens (DT) foi o modelo conceitual que se utilizou. Pacientes que se tornam agudamente confusos, incoerentes e desorientados, mas sem instabilidade autonô­mica e alucinações, seriam considerados como tendo "estados confusionais agudos" e não delirium.

Aguardando pesquisas adicionais, a aborda­gem unificada dos DSM, que rotula tanto as formas hipo como hiperativas como delirium, pa­rece apropriada. Vários outros aspectos da sín­drome podem ser incorporados à definição. O delirium, em geral, tem início súbito, duração bre­ve e é reversível. Por isso, o delirium será definido como uma disfunção transitória no metabolismo cerebral, essencialmente, reversível com início agudo ou subagu­do, e que se manifesta clinicamente por uma ampla gama de anormalidades neuropsíquicas.

2. Etiologia

O delirium é uma manifestação neuropsíquica de um quadro sistêmico de base. As causas mais comuns são as infecções, em geral levando ao delirium febril, mas que pode ocorrer mesmo sem febre; as abstinências de substâncias químicas que levam à dependência química, como o álcool, que na sua interrupção de ingesta abrupta leva ao delirium tremens; causas metabólicas que levam à auto-intoxicação; os traumatismos crânio-encefálicos; as patologias diretas do Sistema Nervoso Central, como tumores, por exemplo; hipoxemias, seja por falta de oxigênio no ambiente externo, seja no interno por falta de irrigação sangüínea; deficiências nutricionais; endocrinopatias; vasculares, nas doenças trombo-embólicas; toxinas; metais etc.


3. Epidemiologia

Incidência e prevalência

A freqüência do delirium varia, dependendo do tipo da doença de base e da predisposição do indiví­duo envolvido. Estima-se que 10-15% dos pacientes agudos nas enfermarias clínicas ou cirúrgicas estejam em delirium. A idade avançada da população pode tornar essa estimativa baixa.

Utilizando-se o Mini-Exa­me do Estado Mental (MMSE), foram testados os pacientes admitidos consecutiva­mente a uma enfermaria clínica geral, observan­do que 34% dos pacientes tinham algum compro­metimento cognitivo no dia da internação. Utilizando-se os critérios diagnósti­cos do DSM, verificaram que 13.5% de 133 pacientes internados consecutivamente em uma enfermaria clínica estavam em delirium e que mais 3.3 % chegaram a ele, durante a hospitalização.


Fatores predisponentes

Seis grupos de pacientes têm um risco alto de desenvolver delirium: 1) pacientes idosos; 2) paci­entes pós-cardiocirurgia, 3) pacientes queimados, 4) pacientes com lesão cerebral preexistente (por exemplo, demência e acidentes vasculares cere­brais), 5) pacientes com dependência de drogas que estão em abstinência, e 6) pacientes com sín­drome de imunodeficiência adquirida (AIDS). O avanço da idade aumenta o risco, com as pessoas de 60 anos ou mais, geralmente citadas como de risco mais alto. Se as cri­anças são excluídas, a incidência de delirium au­menta com a idade da população de pacientes estudada.

O delirium pós-cardiocirurgia tornou-se o foco de mais pesquisas neuropsíquicas que qualquer outro aspecto do delirium. Em uma revisão completa do delirium pós-cardio­tomia, relatou-se que sua fre­qüência através dos estudos variou de 13 a 67%. Vários fatores, além da idade avançada e da lesão cerebral preexistente, podem aumentar o risco do delirium pós-cardiotomia. Esses incluem a dura­ção da revascularização, a severidade da doença pós­-operatória, os níveis séricos de drogas anticolinérgicas, ní­veis aumentados de adenilato quinase no sistema nervoso central (SNC), lesão cerebral subclínica, diminuição do débito cardíaco, complexidade do procedimento cirúrgico, ativação do complemento, embolias e o estado nutri­cional, medido pelo nível de albumina. Entrevistas psicológicas pré-opera­tórias podem reduzir a psicose pós-operatória em 50%. Cerca de 30% dos pacientes adultos queimados têm sinto­mas de delirium e a freqüência aumenta tanto com a idade do paciente como com a severidade das queimaduras. Foi descrito uma incidência de 18% de delirium em pacientes queimados.

A presença de lesão cerebral preexistente se­jam anormalidades neurológicas do SNC pré-ope­ratórias, ou demência, baixa o limiar do paciente para desen­volver delirium. Verificou-se que 81% dos pacientes em seu estudo tinham de­mência. A supressão rápida de drogas, em paci­entes com dependência das mesmas, particular­mente a retirada rápida do álcool e benzodiazepí­nicos (ansiolíticos), é sem dúvida um fator de risco para o de­senvolvimento de delirium. Relatou-se uma freqüência de 90% de transtornos mentais orgânicos em pacientes com AIDS avançada. Em outro estudo, verificou-se ser o delirium a complicação neuropsicopatológica mais freqüente da AIDS.

Acredita-se que fatores adicionais, como a privação perceptiva (sensorial) e do sono facilitam o desenvolvimento de delirium. Após uma revisão completa da literatura da relação entre sono e delirium, afirma-se que, em re­sumo, estudos experimentais e clínicos indicam uma relação entre transtorno do sono e delirium, mas deixam de esclarecer sua natureza exata. Verificou-se que se desenvolveu transtorno de sono depois que os escores dos pacientes no MMSE diminuíram (isto é, depois que o delirium se desenvolveu) e não an­tes. Acredita-se que tanto a privação como a so­brecarga sensorial sejam fatores facilitadores do delirium.

A predisposição associada a variáveis psico­lógicas e de personalidade também foi investiga­da. Uma revisão da literatura pós-operatória indicou que nenhum tipo específico de perfil de personalidade se correlaci­ona com delirium. Concordou-se, relatando que se pode afirmar que até agora não foi demonstrada conclusivamente que nenhuma variável da personalidade predisponha alguém ao delirium.


4. Aspectos clínicos do DELIRIUM

Curso flutuante

Os aspectos clínicos do delirium são multifor­mes e, para complicar o quadro ainda mais, vari­am rapidamente com o tempo. Esta variabilidade e flutuação é característica do delirium, e pode le­var à confusão diagnóstica. Contudo, o apareci­mento de intervalos lúcidos no curso clínico de um paciente é uma observação importante, sendo fator diagnóstico como delirium.

Há um subgrupo de pacientes que manifes­tam o que tem sido denominado de "demência reversível". Fal­tam a esses pacientes as flutuações dramáticas típicas do delirium e, como resultado, eles têm sido mal diagnosticados como portadores de demên­cia. É bom lembrar que demência em psicopatologia fenomenológica representa a diminuição global e progressiva das funções psíquicas, e  de modo irreversível.

Pródromos

O paciente muitas vezes manifesta sintomas como inquietação, ansiedade, irritabilidade ou perturbação do sono antes do início do delirium.

Déficits da atenção

O paciente com delirium tem dificuldade em manter a atenção. Mais ainda, esses pacientes são facilmente distraídos por atividades incidentais no ambiente. A incapacidade de manter a aten­ção, sem dúvida, tem um papel-chave nas dificul­dades de memória e orientação.

Perturbação da memória

A capacidade de um paciente em delirium de re­gistrar acontecimentos na memória está severa­mente perturbada. Seja devido aos déficits na atenção, transtornos perceptivos ou disfunção do hipocampo, o paciente falha em testes de memó­ria imediata, e recente. Após a recuperação, alguns pacientes estarão amnésicos para o episódio in­teiro; outros terão "ilhas" de memória para acon­tecimentos durante o episódio (amnésia lacunar ou insular).


Desorientação

O paciente com delirium, exceto nos intervalos lúcidos, está geralmente desorientado no tempo, muitas vezes desorientado no espaço, mas rara­mente desorientado quanto à sua pessoa. Não é inco­mum o paciente em delirium achar que está em um lugar familiar (por exemplo, "um quarto no sótão da minha casa") enquanto ao mesmo tempo saco­de a cabeça, concordando que está sendo monito­rado em uma UTI cirúrgica. A extensão da desorientação do paciente flutua com a severida­de do delirium.


Transtornos da vigília e anormalidades psicomotoras

No delirium, o sistema ativador reticular do tronco cerebral pode estar hipoativo, caso em que o paciente parecerá apático, sonolento e confuso. Em outros pacientes, o sistema ativador do tron­co cerebral pode estar hiperativo, caso em que o paciente estará agitado e hipervigil, exibindo hi­peratividade psicomotora. Alguns pacientes têm um estado misto, com oscilações entre os estados hipo e hiperativo. O paciente com o tipo retarda­do (hipoativo) de delirium tem menos probabili­dade de ser diagnosticado como tal, e muitas vezes, é rotulado como deprimido, não­ cooperativo ou com transtorno de caráter.


Transtorno do sono-vigília

Um transtorno do sono-vigília não só é sinto­mático de um delirium, mas exacerba a confusão através da privação de sono. O ciclo sono-vigília do paciente em delirium, muitas vezes, está reverti­do. O paciente pode estar sonolento durante o dia e ativo durante a noite. A restauração do ciclo normal de sono é uma parte importante do trata­mento do delirium.


Pensamento desorganizado e fala perturbada

Os padrões de pensamento do paciente deli­rante são desorganizados e o raciocínio é defici­ente. Utilizando a terminologia dos DSM, a consciência do paciente está obnubilada. Além disso, à medida que a severidade do delirium au­menta, a fala espontânea torna-se incoerente, anárquica e muda de tópico para tópico.


Alteração das percepções

O paciente delirante, muitas vezes, experimen­ta percepções errôneas que envolvem ilusões, de­lírios e alucinações. Virtualmente, todos os pacientes com delirium têm percepções alteradas. O paciente, muitas vezes, relaciona essas percep­ções em um sistema delirante fracamente entrela­çado, muitas vezes paranóide. Alucinações visuais são comuns e podem envolver simples distorções visuais ou cenas complexas. Durante um delirium, ocorrem alucinações visuais de modo mais fre­qüente do que alucinações auditivas. As alucina­ções táteis são as menos freqüentes.


Anormalidades neurológicas

Uma gama de anormalidades neurológicas é observada no delirium. O teste desses sinais à bei­ra do leito pode ser feito desenhando um círculo amplo em uma folha de papel não-pautado e soli­citando ao paciente que desenhe o mostrador de um relógio com os ponteiros mostrando 10 minu­tos para as 11 horas, ou pode-se so­licitar ao paciente que nomeie objetos (teste para disnomia) ou escreva uma frase (teste para dis­grafia). No estudo 33, de 34 pacientes agudamente confusos, tinham perturbação da escrita. Autores examinaram 250 pacientes mentais e verifi­caram que a disgrafia não é específica do delirium, podendo ocorrer na demência e transtornos psi­coclínicos agudos. Contudo, a disgrafia de paci­entes em delirium tendia a ser mais severa. Os pacientes em delirium podem não ter anormalida­des do sistema motor, embora muitos pacientes manifestem tremor, mioclonias, asteríxis e altera­ções dos reflexos e do tono.


Outros aspectos

Transtornos emocionais são comuns nos paci­entes em delirium. As respostas emocionais inclu­em ansiedade, pânico, medo, fúria, raiva, tristeza, apatia e (raramente, exceto no delirium induzido por esteróides) euforia. Os profissionais da saúde podem identificar o transtorno emocional ou com­portamental do paciente criticamente doente, sem reconhecer seu estado confusional subjacente.


5. Patofisiologia e anormalidades do ELEG

Escreveu-se uma série de artigos clássicos que correlaciona­ram a severidade do delirium (isto é, da disfunção cognitiva) com os achados eIetroencefalográfi­cos (EEG). A pesquisa clínica estabeleceu que: 1) existia uma correlação entre a anormalidade elé­trica e o transtorno da consciência, que foi deno­minada "sintomas psicológicos primários do delirium"; 2) as alterações do EEG eram reversíveis na mesma extensão em que o delirium clínico; 3) o caráter da alteração do EEG parecia ser indepen­dente do processo específico da doença subjacen­te; 4) as características das alterações do EEG eram determinadas pela intensidade, duração e rever­sibilidade dos fatores nocivos, na medida em que fossem modificados pela integridade pré-mórbi­da essencial do SNC; e 5) intervenções clínicas (por exemplo, administração de oxigênio na insufici­ência cardíaca congestiva e insuficiência pulmo­nar) melhoravam (normalizavam) o EEG e me­lhoravam o estado mental. Análises espectrais do EEG, que medem a qualidade da atividade alfa, beta, teta e delta de base, corroboraram adicional­mente a correlação proposta entre a lentificação do EEG e deterioração cogni­tiva.

O clássico artigo Delirium, a Syndrome of Cerebral Insuficiency, pro­pôs que a etiologia básica do delirium era uma per­turbação do metabolismo funcional que se manifesta no nível clínico, por transtornos ca­racterísticos das funções cognitivas, e no nível fi­siológico, pela lentificação característica do EEG. A lentificação do EEG causada por etiologias tóxico-­metabólicas é típica do delirium Desde esta hipótese de que o delirium representava um transtorno meta­bólico, pouca informação nova de pesquisa apareceu.

Quando se revisou os estudos sobre meta­bolismo cerebral, fluxo sangüíneo cerebral e deli­rium, sugeriu-se que os estudos do fluxo sangüíneo cerebral regional (FSCr) no delirium tinham ape­nas e mal começado. Alguns neurologistas dividem o conceito de delirium em dois tipos diferentes, um estado confusional agudo (ECA) e um delirium agitado agudo (DAA). Autores estudaram 41 pacientes consecutivos com infarto no território da artéria cerebral média direita. Concluíram que o ECA reflete um transtorno da atenção, secundário à lesão da região fronto-estri­ada, e que o DAA é um transtorno das emoções e da afetividade, secundária à lesão do giro tempo­ral médio. Foi observado que o delirium era mais comum com lesões vasculares das áreas de associação de ordem superior das regi­ões pré-frontal e parietal posterior.

6. Diagnóstico diferencial

O diagnóstico do delirium é tão extenso que pode haver uma tendência a evitar-se a busca das etiologias. E importante também compreender que os estados confusionais, principalmente no idoso, podem ter causas múltiplas. Cada contri­buidor potencial para o delirium deve ser procura­do e neutralizado de modo independente. Foram verificadas etiologias orgânicas claras em 87% dos pacientes em delirium, e, também que os pacientes que ficaram confusos por acontecimentos psicológicos e ambientais es­tavam severamente demenciados. A tarefa para o clínico é organizar a ampla gama de causas po­tenciais de delirium em um sistema utilizável de diagnóstico.


Itens emergentes (WHHHHIMP)

Um sistema diagnóstico com lista dupla é muito útil quando se examina um paciente em deli­rium. O primeiro nível deste sistema diagnóstico é representado pela sigla mnemônica WHHH­HIMP. Os diagnósticos utilizando essa sigla de­vem ser feitos precocemente no curso do delirium, pois deixar de fazê-Ios pode levar a um dano irre­versível para o paciente.

W – Encefalopatia de Wernicke ou abstinên­cia (Withdrawal). Um paciente com encefalopa­tia de Wernicke terá uma tríade: confusão, ataxia e oftalmoplegia (geralmente paralisia do olhar la­teral). Se a encefalopatia de Wernicke não é trata­da imediatamente com tiamina (vitamina B1) parenteral, o paciente pode ficar com uma psicose de Korsa­koff permanente. Uma história precisa de ingesta de álcool é essencial para o diagnóstico de absti­nência alcoólica ou delirium tremens (DT). Outros achados que aumentam a suspeita de abstinência de álcool ou DT são uma história de detecções relacionadas com o álcool, amnésias alcoólicas, complicações clínicas associadas ao abuso do ál­cool, anormalidades das funções hepáticas e ele­vação do volume corpuscular médio (VCM) dos eritrócitos. Hiper-reflexia e aumento do tônus sim­pático (por exemplo, taquicardia, tremor, sudore­se e hipervigilância) no momento do exame devem levar o clínico a suspeitar de estado hiperadre­nérgico de abstinência.

HHHH – Hipoxemia, encefalopatia hiper­tensiva, hipoglicemia ou hipoperfusão. Uma verificação da gasometria arterial, sinais vitais presentes e passados, devem estabelecer rapida­mente se há uma hipoxemia ou uma encefalopa­tia hipertensiva. O paciente com delirium induzido por hipoglicemia quase sempre tem uma história de diabetes melitus insulino-dependente. Uma gama de fenômenos clínicos pode, de modo isola­do ou somado, diminuir a perfusão cerebral. Es­ses fenômenos causam hipotensão "relativa" (relativa às pressões usuais de perfusão), como a redução do débito cardíaco por um infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmias e ane­mia.

I – Hemorragia intracraniana ou infecção. Se o paciente teve um período breve de inconsci­ência, com ou sem cefaléia, e está em delirium no momento, ou apresenta sinais neurológicos focais, uma hemorragia ou infecção intracraniana devem ser suspeitadas. Além disso, o clínico deve procu­rar sinais de um processo infeccioso, como febre ou uma contagem elevada de leucócitos.

M – Meningite e/ou encefalite. Estas são tipi­camente doenças febris agudas (verificar sinais vitais), e, geralmente, têm sinais neu­rológicos inespecíficos, não-focais (por exemplo: meningismo com rigidez de nuca) ou sinais neu­rológicos focais.

P – Venenos (poisons), drogas ilícitas ou medicamentos. Quando um paciente em delirium é visto em uma sala de pronto-socorro, o clínico deve considerar uma reação orgânica tóxica, para fazer uma triagem de tóxicos. Outras considerações, como envene­namento por pesticidas ou solventes, são menos prováveis, mas devem ser consideradas. Entre pacientes de hospital e de pronto-socorro, uma causa muito comum de delirium é a medicação prescrita em uso. Sempre é bom enfatizar a importância de obter-se uma história completa dos medica­mentos prescritos. Para os pacientes hospitaliza­dos que entraram em delirium, a correlação do comportamento com a administração ou interrup­ção de medicamentos pode ser útil ao tentar clas­sificar um caso difícil.


Itens críticos (I WATCH DEATH)

Limitações de espaço neste artigo impedem uma discussão completa de cada categoria conti­da na sigla mnemônica I WATCH DEATH. Em Etiologias listei várias das agressões possíveis de causar delirium. Em vista da extensão dessa lista, pode ser útil para o clínico levar consigo um car­tão contendo todos os itens do diagnóstico diferencial de delirium.

7. Estabelecimento do diagnóistico de DELIRIUM

Independentemente do diagnóstico suspeita­do, a avaliação neuropsicopatológica de um paciente segue um processo genérico particular. Além do exame habitual do estado mental, o examinador deve, no mínimo, testar a praxia cons­trutiva, a capacidade de escrita e a capacidade de nomear objetos. Se o delirium está presente, deve-se fazer todo o esforço para identi­ficar a(s) etiologia(s) específica(s). Foi verificado que 56% dos pacientes em delirium tinham uma única etiologia definida, ou prová­vel, e que os restantes 44% tinham uma média de 2.8 etiologias por paciente.

O padrão-ouro para o diagnóstico é a avalia­ção clínica, e a medida diagnóstica mais útil é o EEG. O Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) é uma ferramenta de triagem para organicidade, sendo utilizado também para o seguimento do curso clínico do paciente de maneira seriada. Um escore de 24 (de 30 itens) ou menos no MEEM indica deficiência cognitiva em um paciente que tem pelo menos o primeiro grau e boa compreensão do português. O maior pro­blema com o MEEM é sua falta de fidedignidade/sensibilidade (isto é, elevada taxa de falso-negativos). A escala de avaliação de delirium (Delirium Rating Scale, DRS) e o método de avaliação de confusão mental (Confusion Assessment Method, CAM) são dois testes recentemente desen­volvidos. A avaliação laboratorial de um paciente em deli­rium pode ser caracterizada em dois níveis. A bateria básica de testes de laboratório será requi­sitada em virtualmente todos os pacientes com diagnóstico de delirium. Quando a informação re­lativa ao estado físico e mental do paciente é com­binada com a bateria básica de testes de labora­tório, a(s) etiologia(s) específica(s) fica muitas ve­zes aparente. Se não, o clínico deve revisar o caso e considerar a requisição de outros estudos diag­nósticos.


8. Curso (Prognóstico)
O curso clínico do paciente em delirium é variá­vel. As possibilidades são: 1) recuperação comple­ta, 2) progressão para estupor e/ou coma, 3) convulsões, 4) síndrome cerebral orgânica crôni­ca, 5) morte, e 6) de 1 a 4 acima, com a morbidade associada (por exemplo, fraturas ou hematomas subdurais por quedas). A maioria dos pacientes que experimenta delirium, provavelmente, tem uma recuperação completa, em­bora a probabilidade presente desta evolução seja desconhecida. Convulsões podem acompanhar o delirium, mas são mais prováveis de ocorrer na abstinência de drogas, particularmente o álcool, e encefalopatias por queimaduras.


Morbidade

Embora não haja estudos diretos da morbida­de do delirium, a pesquisa indica que a hospitali­zação é prolongada. Em um estudo, 38,9% das síndro­mes cerebrais agudas tornaram-se síndromes ce­rebrais crônicas. Foi verifi­cado que só 37% de pacientes com AIDS que entraram em delirium tiveram uma recuperação com­pleta da função cognitiva.

Verificou-se que pacientes que apresentaram delirium não tiveram benefício funcio­nal com cirurgias. Constatou-se que o delirium pareceu ser o melhor preditor da evolução em pacientes que apresentaram fraturas do colo do fêmur. Eles relataram que os pacientes em delirium tiveram es­tadas hospitalares mais longas do que os pacien­tes que não o tiveram (21,7 dias versus 13,5 dias) e tenderam mais a necessitar de auxíli­os para a marcha, ficar restritos ao leito ou neces­sitar reabilitação. Os pacientes em delirium também podem arrancar os catéteres intravenosos, tubos nasogástricos e catéteres arteriais, tubos nasofa­ríngeos e bombas de balão intra-aórtico. Há relatos que o risco de complicações de úlceras de decúbito e pneumonia por aspira­ção foi mais de seis vezes para o paciente em delirium idoso, comparado a pacientes idosos sem delirium.


Mortalidade

A maioria dos clínicos em geral subestimam a mortalidade associada ao de­lirium. De 77 pacientes que receberam o diagnós­tico de delirium de um clínico consultor, 19 (25%) morreram dentro de 6 meses. Um paciente diagnosticado com delirium durante a internação hospitalar tem uma taxa de mortalidade hospitalar 5,5 vezes mai­or do que um paciente diagnosticado com demên­cia. Pacientes que sobrevivem à hospitalização têm uma taxa de mortalidade muito elevada durante os meses ime­diatos à alta. Pacientes com o diagnóstico de deli­rium, seguidos por vários meses, mostraram uma taxa de mortalidade igual a de pacientes com de­mência seguidos por vários anos. Há relato que 13 de 20 (65%) dos pacientes em delirium morreram durante a hospitalização.


9. Tratamento

Etiologias conhecidas

Em vista de muitas causas de delirium terem um tratamento específico, o clínico deve sistema­ticamente tentar estabelecer um diagnóstico etiológico. Por exemplo, sem uma abordagem organizada para o diagnóstico, pode-se tentar tratar a agitação e as alucinações de um paciente com DT usando a cloropromazina (Amplictil). Isso aumentará a possibilidade de convulsões se a causa for abstinência.


Etiologias desconhecidas

Tratamentos inespecíficos podem auxiliar o paciente clínica e psicologicamente durante o deIi­rium. Essas intervenções dividem-se nas categori­as clínica, farmacológica, psicossocial e ambiental.

Clínica. Além de requisitar os testes de labo­ratório essenciais para identificar a causa do delirium, um dos importantes papéis do neuropsicopatologista é elevar o nível de consciência da equipe clínica e de enfermagem no que se refere à morbidade e mortalidade associada ao delirium. O paciente deve ser colocado em um quarto de Semi-Intensiva ou próximo à sala de en­fermagem. A obtenção freqüente dos sinais vitais é essencial. O aumento da observação do paciente assegura um monitoramento mais estrito da de­terioração clínica e de comportamentos perigosos, como tentar escapar entre as grades dos lados do leito e arrancar catéteres intravenosos. A entrada e saída de líquidos devem ser monitorizadas, e deve-­se assegurar uma boa oxigenação. Todas as medi­cações não-essenciais devem ser descontinuadas.

Farmacológica. Não há consenso na literatura sobre o tratamento farmacológico do delirium quando a etiologia é desconhecida. Por isso, de­pende da experiência do clínico, propriedades conhecidas das drogas (particularmente efeitos colaterais) e relatos de casos com vários tratamen­tos. O cenário para a intervenção farmacológica muitas vezes envolve a consulta de um paciente agitado, combativo, com alucinações, paranóide e clinicamente doente, cujo comportamento é uma ameaça à continuidade do tratamento clínico.

A revisão da literatura e a experiência clínica indicam que o haloperidol (Haldol) é a droga de escolha, quando se trata um delirium agitado de etiologia desconhecida. O halope­ridol é um potente antipsicótico, virtualmente sem propriedades anticolinérgicas ou hipotensivas, e pode ser dado parenteralmente. De fato, o halo­peridol intravenoso tem sido usado em doses muito altas, por muitos anos, em pacientes seria­mente doentes, sem efeitos colaterais prejudiciais. (Embora o haloperidol não seja aprovado pela Administração de Alimentos e Drogas [FDA – Food and Drug Administration] dos USA, para uso intravenoso ).

A agitação refratária severa também tem sido bem controlada com uma infusão contínua de haloperidol. Embora se­jam mais prováveis os efeitos colaterais extrapi­ramidais com as drogas antipsicóticas de potência mais alta, a ocorrência real destes efeitos colate­rais nos pacientes clinicamente doentes, particu­larmente quando utilizando a administração intravenosa, é notavelmente baixa.

Outra medicação antipsicótica útil é o tiotixe­no (Navane) e o droperidol (Inapsine). O droperi­doi, como o haloperidol, é uma butirofenona e tem potência antipsicótica comparável. O droperidol é aprovado para uso intravenoso, mas é mais se­dativo do que o haloperidol e tem um leve risco de hipotensão. Em um estudo duplo-cego que comparou o haloperidol com o droperidol intramusculares em pacientes agitados, o droperidol pareceu dar um alívio mais rápido. Medicações antipsicóticas menos poten­tes, como a clorpromazina e a tioridazina (Meleril), têm mais probabilidade de causar hipotensão e efeitos anti­colinérgicos.

Os benzodiazepínicos são as drogas de esco­lha no DT. Contudo, a sedação que os acompanha pode perturbar ainda mais o sensório do paciente em delirium. Por isso, em esta­dos de abstinência de drogas, os benzodiazepíni­cos não são recomendados como agente único no tratamento do delirium. Os benzodiazepínicos têm sido usados com êxito como auxiliares de neuro­lépticos de alta potência como o haloperidol. O lorazepam (Lorax) intravenoso, particularmente em pacientes que não responderam a altas doses de haloperidol iso­lado, tem-se mostrado útil.

Psicossocial. O apoio psicológico de um paci­ente tanto durante quanto após o delirium é im­portante. Conseguir que um membro calmo da família permaneça com o paciente agitado e para­nóide dá segurança para o paciente e pode evitar contratempos. Na falta de um membro da famí­lia, a supervisão por uma equipe de enfermagem tranqüilizadora ou um acompanhante terapêutico, são essenciais.

Após o delirium ter se resolvido, auxiliar o pa­ciente a compreender as experiências bizarras pode ser terapêutico. Mui­tos pacientes, ao recordar seu período de delirium, ficaram relutantes em discutir suas experiências. Uma simples explicação sobre o delirium é geral­mente suficiente para reduzir a morbidade pós-­traumática.

Ambiental. Intervenções ambientais são mui­tas vezes úteis, mas não devem ser consideradas o tratamento primário. Tanto enfermeiras como membros da família podem, freqüentemente, re­orientar o paciente sobre a data e o local. Colocar um relógio, um calendário e objetos familiares no quarto pode ser útil. Luz adequada no quarto durante a noite, em geral, diminui ilusões terrorí­ficas. Um quarto privado para o paciente em delirium somente é apropriado se supervisão adequada pode ser conseguida. Se o paciente normalmente usa óculos ou fones de ouvido, melhorar a quali­dade da aferência sensorial ao lhe devolver esses dispositivos pode auxiliá-lo a compreen­der melhor seu ambiente.

Um erro comum nas enfermarias clínicas e cirúrgicas é colocar os pacientes em delirium no mesmo quarto. Isto torna a reorientação desses pacientes impossível e pode levar à confirmação, baseada na conversação com um colega de quarto paranóide, de que realmente estão acontecendo "coisas estranhas" no hospital.


Conclusões

A necessidade de mais pesquisas sobre o deli­rium é nítida, dada sua alta morbidade, mortalidade e custo. Questões básicas ainda precisam ser respondidas. O delirium representa uma via final comum da disfunção cerebral? São formas hipo e hiperativas de delirium entidades verdadeiramen­te diferentes ou o delirium é similar ao transtorno bipolar, com suas apresentações clínicas dicotô­micas? Quais são os fatores predisponentes fisio­lógicos, de personalidade, emocionais, genéticos e ambientais ao desenvolvimento do delirium? O ressurgimento do interesse nas neurociências, neuropsiquiatria, psiquiatria genética, neuropsicologia e psicologia clínica, pode for­necer o ímpeto que se necessita para realizar essa pesquisa crucial.

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