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Psicopedagogia e Orientação Vocacional

Resumo:

O artigo objetiva refletir sobre a habilidade de tomar decisões e fazer escolhas adequadas às vidas dos jovens e adolescentes. Procura evidenciar que a questão da escolha profissional só é uma entre várias escolhas a que todos estamos submetidos durante a vida, e que é preciso desenvolver, desde a infância, essa habilidade, de modo que a fase da escolha vocacional não seja tão difícil. Aponta, por fim, a necessidade de o Psicopedagogo, no interior do trabalho clínico ou institucional, ensinar habilidades para crianças e adolescentes que repercutirão em suas futuras escolhas, principalmente, a escolha profissional.   

Palavras chave: Psicopedagogia, aprendizagem, educação, habilidades, escolhas. 

Trabalhando há quase dez anos como Psicóloga e como Orientadora Vocacional em cursos pré-vestibulares, percebi o quanto é difícil para os jovens e adolescentes fazerem escolhas, principalmente, aquela que diz respeito à sua profissão futura. O primeiro questionamento a ser feito é sobre a dificuldade apresentada nos dias atuais para concretizar a escolha vocacional. Os jovens têm diversas opções e a liberdade para fazer qualquer escolha, diferentemente do passado em que tínhamos poucas alternativas profissionais e ainda uma interferência mais presente dos pais.Diante de tal dificuldade, os jovens ficam indecisos. A primeira hipótese para essa indecisão estaria vinculada ao medo de errar e decepcionar os familiares; tal questão poderia ser trabalhada em uma Orientação Vocacional com um profissional qualificado ou mesmo em um processo Psicoterapêutico Cognitivo, no qual trabalharíamos esses pensamentos disfuncionais: “vou falhar”, “não sou amado”, “se não passar no vestibular sou incapaz”, “se não fizer a escolha certa sou incompetente”.      

Segundo Judith Beck (1997) a terapia cognitiva baseia-se no modelo cognitivo e levanta como hipótese que as emoções e os comportamentos das pessoas são influenciados por sua percepção, maneira pela qual elas interpretam uma determinada situação e é expressa através de pensamentos automáticos que podem ser funcionais ou disfuncionais. Os pensamentos automáticos geralmente são específicos para uma determinada situação.

Entretanto, ao analisarmos a questão de forma mais aprofundada, iremos perceber que esta dificuldade é produto de uma falta de habilidade em fazer escolhas no dia a dia que muitas vezes é somado a crenças de “incapacidade” ou “inferioridade”. A dificuldade de escolher uma profissão é a manifestação, diríamos, mais grave dessa falta de habilidade, pois é o resultado mediato dela.Esta análise poderia ser questionada, pois o que vemos, nos dias atuais, são crianças e adolescentes opinando sobre qual brinquedo ou roupa comprar, que tipo de festa irá ter ou que tipo de programação pretende ver na televisão. Realmente, elas expressam o que querem ter, no entanto, o que precisamos nos perguntar é se essas escolhas cotidianas refletem uma decisão pessoal, fruto de certo amadurecimento, ou são apenas reprodução, um tanto distorcida, da fala dos adultos e dos meios de comunicação?        

Será que é apresentada à criança as várias possibilidades de uma situação e, a partir daí, ela faz uma escolha, ou simplesmente lhe é apresentado algo já pronto, bonito, já utilizado por outras pessoas na escola ou na mídia?         Supomos que as crianças não têm desenvolvido a habilidade de fazerem escolhas certas, conforme seu discernimento e compreensão, pois esses só poderiam ser forjados no interior de um processo de aprendizagem mais amplo que a sociedade (incluindo aí os pais têm deixado para segundo plano).Os pais não questionam “preferências” infantis, aceitam e executam. Isso pode ocorrer ora pela falta de habilidade também dos pais em fazer escolhas em relação à educação dos filhos, ora por uma certa comodidade, que é insuflada pela mídia que aponta para a “autonomia” das crianças.        

Quando os pais tomam a dianteira e “escolhem” tudo para os filhos pode ocorrer o mesmo processo de esvaziamento da aprendizagem, já que a criança não consegue participar das escolhas. Há pais que colocam seus filhos no balé, no judô, na natação, partindo do pressupostos de que “tudo” isso será importante para formação do filho, contudo desconhece as vontades, pensamentos e escolhas que a criança possa começar a formular acerca de suas atividades sociais.No livro “O direito de ser criança” são citados vários exemplos de crianças que  vivem sobre pressão para o crescimento acelerado seja na área esportiva, social ou educacional. Estas exigências feitas pelos pais e pela própria sociedade causam estresse e falta de habilidades em avaliar as situações de forma mais adequada.  

É preciso haver um equílibrio. A proposta não é deixar a criança “solta” fazendo tudo, mas sim desenvolver nela a capacidade para avaliar cada uma de suas escolhas, respeitando assim o seu desenvolvimento cognitivo. Elas precisam aprender a) que são capazes de fazer escolhas e b) que estas devem ter um porquê, para que, no futuro, tenham já desenvolvida a habilidade de fazer as escolhas mais adequadas às suas vidas, como a escolha profissional.          Segundo Bohoslavsky (1994), em um processo de orientação vocacional, pode ocorrer desde aconselhamento na elaboração de planos de estudo, seleção de alunos relacionados à vocação, diagnóstico, prevenção e solução da problemática vocacional. Este mesmo autor argumenta em “O que fazer, quem ser” que a escolha vai além de qual atividade executar, sendo assim o jovem que não desenvolveu a habilidade de fazer escolhas no seu dia-a-dia, terá maior dificuldade em fazer a escolha vocacional, uma vez que esta vem acompanhada de outras escolhas como “definir quem ser ou quem não ser”, “onde estudar”, “com quem estudar”, “onde trabalhar”, “qual será o retorno financeiro”, etc.        

Acredito que a construção dessa habilidade deva iniciar na infância e ser desenvolvida durante todo a adolescência e vida adulta. É necessário que saibamos, primeiro, quem somos, o que queremos, do que gostamos, para, em seguida, decidirmos a escolha vocacional e não o processo inverso, o qual gera mais dúvidas e sofrimento.        

O papel do Psicopedagogo vem crescendo a cada dia e não deve se restringir apenas a diagnosticar e apresentar soluções diante de problemas de aprendizagem já existentes, temos que prevenir problemas futuros que também apresentam impacto na aprendizagem, orientando desde cedo estes futuros jovens, seus pais e a todos os educadores envolvidos neste processo.         Diante disso o Psicopedagogo clínico ou institucional precisa compreender que a aprendizagem vai além da “leitura, escrita e sala de aula”. Precisamos desenvolver habilidades para observar e intervir em situações de aprendizagem sejam elas quais forem.

Enquanto Psicopedagogos temos que escolher atuar e não apenas investigar, temos que escolher participar e não apenas observar. É necessário ter consciência que a nossa escolha em trabalhar como Psicopedagogo nos torna um agente ativo dentro do processo de ensino e aprendizagem.


Bibliografia:

BECK Judith S. Terapia Cognitiva: Teoria e Prática. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre. Editora Artes Médicas. 1997. 

BOHOSKAVSKY, Rodolfo. Orientação Vocacional: A Estratégica Clínica. São Paulo. Editora Martins Fontes. 1977.  

ELKIND David. O Direito de Ser Criança: Problemas da Criança Apressada. Editora Fundo Educativo Brasileiro Ltda. 1981.

 

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