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Síndromes parkinsonianas – parte II

(continuação)

Fisiopatologia das Síndromes Parkinsonianas
Anel Nigroestriado

Ao estabelecermos, na descrição dos sistemas que controlam o movi­mento, o papel que os núcleos cinzentos centrais desempenham na mo­dulação da atitude e no início do gesto, explicitam-se as relações que unem o locus niger ao estriado e descrevemos o sistema de controle nigroes­triado.

A ação do locus niger sobre o estriado utiliza a dopamina como neurotransmissor. Esta catecolamina não atravessa a barreira hematence­fálica. A dopamina é formada no interior do neurônio a partir de seu precursor, a L-dopa (diidroxifenilalanina) que, ela sim, atravessa a bar­reira.

A quantidade de dopamina no locus niger e no estriado do parkinsoniano é insuficiente. O déficit é lateralizado no caso de um hemiparkinsoniano, o mesmo ocorrendo com todas as síndromes parkinsonianas provocadas por lesões nígricas. Além disso, o conhecimento do anel nigroestriado explica as síndromes parkinsonianas provocadas pelos neurolépticos: a reserpina esvazia os tecidos de todas as monoaminas; daí resulta uma depleção dos neurônios dopaminérgicos: a síndrome extrapirarnidal é corrigida pela dopa. Por outro lado, as fenotiazinas bloqueariam os receptores sensíveis à dopamina; os distúrbios neurológicos não são corrigidos pela dopa.


Hipertonia e Acinesia parkinsonianas

Hipertonia e acinesia encontram-se ligadas na síndrome parkinsoniana, ainda que as dissociações não sejam excepcionais na história da doença: formas acinéticas, formas hipertônicas. Observa-se principalmente que as intervenções cirúrgicas estereotáxicas dirigidas para a alça lenticular ou para o núcleo ventrolateral do tálamo fazem regredir a hipertonia sem melhorar a aci­nesia, agravando-a, até.

– A hipertonia parkinsoniana, ocasionada por uma alteração das re­gulações reflexas segmentares, é influenciada pela secção das raízes pos­teriores ou por todas as outras formas de desaferenciação. No entanto, ela não pode ser atribuída simplesmente a uma hiperatividade gama: a dis­tribuição da hipertonia, seu caráter plástico, a ausência de hiper-reflexia tendinosa, a exacerbação dos reflexos de postura são suficientes para distin­gui-Ia da rigidez de descerebração. O estudo experimental das síndromes parkinsonianas provocadas pela reserpina permitiu demonstrar uma exacerbação da excitabilidade dos neurônios alfa, resultante da ação das vias descendentes e independentes do sistema gama.

A forma característica da hipertonia parkinsoniana é imprimida às es­truturas subjacentes pela hiperatividade das eferências do pálido, desa­parecendo após coagulação talâmica. Ela reflete a hiperatividade do pálido submetido à ação exercida pelos neurônios eferentes do estriado sobre ele. A ação do estriado permite ao organismo escapar à exacerbação permanen­te dos reflexos de endireitamento, para tornar possível a atitude e o mo­vimento. Por sua ação de excitação sobre os neurônios do estriado, a dopamina seria indispensável para essa ação.

– A acinesia é o aspecto negativo do distúrbio; a hipertonia, o aspecto positivo. O funcionamento normal do estriado pressupõe a modulação do tônus, de que depende a atitude; ele intervém também no início do mo­vimento. De fato, deve-se observar que a acinesia não melhora, agravando-­se geralmente, com as intervenções estereotáxicas dirigidas à ponta do pálido ou ao núcleo ventrolateral (VL) do tálamo.


Tremor parkinsoniano

É relativamente independente dos outros elementos da síndrome. Esta independência é confirmada pela ação das substâncias terapêuticas: de­saparecimento imediato do tremor no curso mesmo da intervenção es­tereotáxica; atenuação parcial e nitidamente demorada do tremor, sob a in­fluência da L-dopa.

Um tremor análogo é produzido no animal por uma lesão do locus niger que contorna a formação reticular e a região do núcleo rubro. Como o tremor parkinsoniano, este tremor experimental é suprimido pela des­truição da alça lenticular, do núcleo ventrolateral do tálamo, do córtex motor e da via piramidal. Um ritmo semelhante ao do tremor é observado ao nível dessas diferentes estruturas e, especialmente, no núcleo ven­trolateral.

Admite-se geralmente que a lesão do locus niger torna possível o desen­volvimento de um foco de atividade rítmica no interior do núcleo ven­trolateral, e que este ritmo é transmitido aos neurônios da medula pela via piramidal. Esta hipótese é insuficiente, entretanto, para explicar os aspec­tos localizados do tremor e as variações de ritmo de um setor para o outro: não é impossível que o tremor se origine no interior dos neurônios da subs­tância cinzenta da medula, em razão das características da ativação des­cendente, próprias à doença de Parkinson. É certo, porém, que o tremor, que persiste após a radicotomia posterior, é independente do arco reflexo segmentar e do controle gama.


Tratamento das Síndromes Parkinsonianas

Atuando sobre o elo comum à maior parte das síndromes parkinso­nianas, o tratamento pela L-dopa relegou a um segundo plano todas as outras medidas terapêuticas da doença de Parkinson. De maneira seme­lhante, as indicações de cirurgia estereotáxica encontram-se consideravel­mente reduzidas. Entretanto, a introdução da L-dopa não resolveu defi­nitivamente os problemas terapêuticos oriundos da doença de Parkinson. A euforia do período inicial é seguida por um período de adversidade onde o ajustamento do tratamento depende da experiência do médico e de certa obstinação persuasiva; finalmente, chega o período de acomodação, onde o doente deve aprender a viver com uma doença crônica, cujo aspecto se transformou, mas que permanece mais ou menos invalidante.


Tratamento pela L-Dopa

O princípio do tratamento é a correção do déficit de dopamina cons­tatado no interior do locus niger e do estriado. A dopamina administrada por via oral não ultrapassa a barreira hematencefálica, o que não ocorre com a sua precursora, a L-dopa. Esta penetra no tecido nervoso onde a dopa-descarboxilase assegura a sua transformação em dopamina. A neces­sidade de se recorrer a doses elevadas, de até 3 a 4 g por dia, é o resultado da descarboxilação em dopamina que se produz na maior parte dos tecidos do organismo, deixando apenas uma fração da dose ingerida disponível para o sistema nervoso central. Uma parte dos efeitos indesejáveis, notadamente digestivos e cardiovasculares, é atribuída ao excesso de dopamina no in­terior destes vários tecidos. A atividade da descarboxilase é exacerbada pela vitamina B6, tanto que a administração de preparações vitamínicas que contenham piridoxina pode ser uma causa de insucesso do tratamento. Por outro lado, a associação de substâncias capazes de inibir a dopa-descar­boxilase e que não ultrapassem a barreira hematencefálica permite que se reduza a 1 g ou menos a dose necessária de L-dopa, ao mesmo tempo que evita os efeitos secundários associados à produção de dopamina no resto do organismo.

– A conduta no tratamento obedece a três princípios: elevação lenta­mente progressiva das doses para limitar a ocorrência de efeitos secun­dários; necessidade de se atingir uma dose limiar, abaixo da qual o tra­tamento não apresenta efeito sobre o sistema nervoso; fracionamento em três ou quatro tomadas da dose cotidiana, em razão da duração da ação ser limitada a algumas horas. Uma dose de 500 mg é administrada nos pri­meiros dias; é então aumentada em 500 mg, a cada três ou quatro dias, durante todas as semanas, até uma dose total de 3 a 4 g por dia. A dose definitiva é função do efeito e da tolerância.

– A ação antiparkinsoniana manifesta-se, em primeiro lugar, sobre a acinesia e a hipertonia. Ela se traduz por uma mudança bem evidente nas atividades que se achavam perturbadas na vida cotidiana do doente ­virar-se no leito, levantar-se de uma cadeira, andar, abotoar a roupa ou barbear-se. Paralelamente, produz-se uma melhoria psicomotora, que se manifesta de um modo geral no comportamento do doente. O tremor, por outro lado, é menos sensível ao tratamento: a sua melhora é inconstante e freqüentemente retardada.

– Os efeitos secundários do tratamento apresentam significados di­ferentes, uma vez que correspondem ao excesso de dopamina fora do sis­tema central ou à ação própria do medicamento sobre o sistema nervoso. As alterações digestivas, constantes no período inicial de tratamento sob a forma de peso gástrico, náuseas e vômitos, são raramente graves o sufi­ciente para impedir a continuação do tratamento. A associação de uma medicação antiemética pode ser útil. O acometimento cardíaco manifesta-­se raramente por algumas alterações do ritmo: por outro lado, as pertur­bações da pressão arterial são freqüentes. Ocorrem excepcionalmente sur­tos hipertensivos, mas a hipotensão é comum, eventualmente gerando acidentes ortostáticos.

As alterações psíquicas apresentam aspectos diversos: depressão ou ex­citação, mas, sobretudo estados confusionais com importante componente onírico. Relativamente independentes da dose, essas complicações psí­quicas são mais freqüentes nos indivíduos idosos e quando a doença de Parkinson apresenta certa deterioração das funções superiores.

Os movimentos involuntários (anormais) são a principal complicação do tratamento. São discinesias que afetam a face (caretas, protrusão da lín­gua), os membros (torção, contrações atetóides), os músculos raquianos (distonia de atitude e até crises de opistótono) e também funções tais como respiração e deglutição. O sapatear forçado (acatisia) ou os movimentos in­cessantes dos membros inferiores ("pernas inquietas") no leito são outros aspectos da hiper­motilidade involuntária. Esses movimentos são espontâneos ou parasitam o desenvolvimento de atividades voluntárias. Surgem intermitentemente durante o dia, em momentos em que as manifestações parkinsonianas desaparecem para dar lugar a uma hipotonia. Esta se produz na maior parte dos doentes quando eles ingerem uma dose cotidiana relativamente elevada de L-dopa e tende a desaparecer quando a dose é mantida abaixo de certo limiar. Entretanto, a experiência de tratamentos prolongados demonstrou que as discinesias surgem em alguns doentes quando a dose atinge uma ação terapêutica ótima. As discinesias estariam ligadas à ação da dopamina ou de um de seus derivados sobre a estrutura do estriado, cuja sensibilidade pode ainda ser acrescida por uma denervação prolongada. O haloperidol ou as fenotiazinas reduzem ou suprimem os movimentos anor­mais, porém sua ação exerce-se à custa de uma atenuação do efeito tera­pêutico.

– A associação de L-dopa com um inibidor da dopa-descarboxilase reduziu as alterações digestivas: ela não protege totalmente contra a hi­potensão, cujo mecanismo é, ao menos em parte, central; ela não evita os movimentos anormais que parecem mesmo mais freqüentes nos indivíduos que recebem este tipo de tratamento. Entretanto, a excelente tolerância digestiva a esta medicação tornou possível um fracionamento da dose e, desta forma, estabilizar a dose de dopamina nos centros nervosos.

– As indicações do tratamento pela L-dopa estendem-se a todas as sín­dromes parkinsonianas nígricas (ou seja: este tratamento não tem ação sobre as síndromes extrapiramidais provocadas pelos neurolépticos, cuja fisiopatologia é diferente). A doença de Parkinson e as síndromes parkin­sonianas pós-encefalíticas são as principais indicações; para estas últimas, a conduta do tratamento é freqüentemente difícil devido à incidência elevada de alterações psíquicas e à exacerbação freqüente de discinesias, crises oculógiras, blefarospasmos, protusão da língua etc. Os antecedentes coronarianos e a existência de certa deterioração intelectual não são contra-indicações absolutas. Na doença de Parkinson frustra e incipiente é necessário colocar-se em equilíbrio a dificuldade funcional ainda mínima e os inconvenientes reais do tratamento; ainda deve-se saber que o tra­tamento neste estágio pode-se opor ao desenvolvimento da doença. Nos es­tados parkinsonianos graves que determinam invalidez, a terapêutica jus­tifica-se mesmo que não permita que se obtenha um retorno do doente e uma autonomia parcial.

– A qualidade dos resultados parecia notável nas estatísticas iniciais, que assinalavam a freqüência das melhoras importantes e duradouras e a raridade dos fracassos totais. Este otimismo foi atenuado:

– primeiro, porque a melhora não prossegue indefinidamente;

– segundo, em função do aparecimento, a médio e longo prazos, de uma diminuição dos resultados, indicando que a doença degenerativa continua seu curso insidiosamente.

Desta maneira, após vários anos, vê-se aumentar a incidência dos distúr­bios psíquicos (depressão, deterioração intelectual, episódios confuso-o­níricos) e movimentos anormais. No plano motor, a deterioração dos resultados é geralmente marcada pelo aparecimento do fenômeno on-off, com alternância dos períodos de mobilidade e dos de acinesia severa, que provocam quedas freqüentemente. O fracionamento das doses e a asso­ciação com outros medicamentos antiparkinsonianos permitem, de forma bastante freqüente, que ocorra uma melhora parcial da situação. Além dis­so, é possível que estes fracassos secundários estejam ligados não somente à evolução da doença, mas também à duração total do tratamento pela L-­dopa. Por isso, alguns autores preferem não instituir este tratamento logo que se estabeleça o diagnóstico, deixando para fazê-lo quando o com­prometimento funcional tornar-se intenso e quando não for possível aliviá­-lo com medicamentos menores (piribedil, anticolinérgicos).


Outras Terapêuticas

– Os antiparkinsonianos sintéticos que sucederam os alcalóides na­turais da beladona ocupam apenas uma posição secundária. Opondo-se à ação dos mecanismos colinérgicos, podem ser prescritos como adjuvantes da L-dopa. A síndrome dos neurolépticos permanece como indicação ex­clusiva de sua utilização. Devemos lembrar que o glaucoma é uma contra-­indicação importante para essas medicações "atropínicas".

– A amantadina, na dose de 200 a 300 mg, exerce ação sobre a síndrome parkinsoniana. Esta ação dopamine-like, descoberta empiricamente, não parece duradoura, mas a amantadina pode ser um auxiliar nos tratamentos com a L-dopa. Deve-se citar que, nas doses usuais, é possível o apareci­mento de distúrbios psíquicos (insônia, excitação ansiosa) e de edemas dos membros inferiores associados a um livor.

– O piribedil, em doses relativamente elevadas, é dotado de uma ação dopamine-like, podendo constituir-se em auxiliar no tratamento.

– A bromocriptina, alcalóide do centeio espigado, revelou-se um agonista dopaminérgico. Empregada isoladamente, na dose de 20 a 40 mg, mostrou-se capaz de produzir um efeito comparável ao das doses usuais de L-dopa. De forma mais freqüente, é utilizada em associação com a L-dopa, cujas doses permite reduzir. Contudo, a tolerância digestiva é variável, a medicação não impede as perturbações psíquicas e não evita as dificuldades ligadas ao aparecimento de movimentos anormais.

– Os antidepressivos tricíclicos – imipramina, amitriptilina – podem ser associados de forma eficaz à L-dopa. Ao contrário, a associação aos inibidores da MAO e às medicações vasopressoras é contra-indicada.


Tratamento Cirúrgico

A terapêutica cirúrgica das síndromes parkinsonianas conheceu seu pleno desenvolvimento imediatamente antes da introdução da L-dopa. Consiste em criar, através de uma intervenção estereotáxica, uma lesão limitada na região da ponta do pálido ou no núcleo ventrolateral do tálamo. Tal lesão não cura a síndrome parkinsoniana, mas permite o esta­belecimento de um novo equilíbrio no controle supra-segmentar dos motoneurônios. A partir dai, obtém-se uma supressão do tremor, uma atenuação da rigidez; a acinesia e os distúrbios posturais, entretanto, não são sequer influenciados. A mortalidade na intervenção é muito pequena, as complicações são raras, quando a intervenção é realizada de um só lado (hemiparesia, excepcionalmente movimentos anormais de tipo atetósico ou hemibalístico). As intervenções bilaterais apresentavam prognóstico mais duvidoso, expondo o doente a uma maior disartria, a distúrbios da marcha (astasia, abasia), a alterações mnésicas, mesmo que se tentasse evitar essas complicações escolhendo pontos diferentes de cada lado. As indicações da estereotaxia são reduzidas, atualmente. A aplicação de células-tronco parece bastante promissora.


Reabilitação Física

Além de sua própria eficácia, as terapêuticas apresentam uma enorme importância ao terminarem com uma espécie de inibição funda­mental, ao suscitarem uma estimulação geral do doente. O tratamento deve inscrever-se num conjunto de medidas que visem a conservar a autonomia do doente ou a fazer com que ele a recupere. Durante o maior tempo possível, deve-se tentar manter uma atividade profissional e ex­tra-profissional. Quando a invalidez tornar-se mais severa, a instauração do tratamento será acompanhada de uma reeducação ativa e de ginástica fun­cional. Cuidadosamente controlada no inicio, para que se evite acidentes aos quais se expõem esses doentes frágeis, esta política ativa permite muitas vezes o retorno de uma autonomia apreciável. A manutenção desse resultado exige uma insistência infatigável do médico e, mais ainda, das pessoas próximas ao paciente.

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