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Os Famosos Balanços de Final de Ano


Apenas uma reflexão sobre os tão famosos "Balanços de Final de Ano", numa tentativa de burlarmos nossos credores internos, implacáveis e vorazes.

É sabido, através da cultura popular, que assim como fazer regime só se deve começar numa segunda-feira, sempre no final de ano, as pessoas se propõem a mensurar as suas "faltas" no ano que se finda e começam a se programar para o ano que se inicia. Auto-promessas como parar de fumar, entrar em uma academia, fazer regime, estudar uma nova língua, mudar de emprego, etc., constituem-se nas mais corriqueiras das auto-promessas que as pessoas costumam se fazer, numa forma de auto-enganação que vai passando de ano a ano sem interrupção.

Se comentam com alguém o que não fizeram no ano que se finda, as promessas que haviam se feito no início do ano, costumam exprimir aquilo que em psicanálise chamamos de racionalização, ou em outras palavras, costumam arrumar explicações para justificarem suas faltas como uma forma de justificativa para… quem mesmo? Temos aqui uma primeira pergunta muito importante. A quem devemos satisfação senão a nós mesmos, pelo menos naquilo que deixamos de fazer, mas onde também os únicos "prejudicados", fomos nós. Parece que a resposta se encaminha para uma espécie de um "tribunal interno" que todos temos, alguns mais rígidos e outros menos, mas ainda assim, verdade é que todos temos. Dentro de uma linguagem mais técnica, poderíamos dizer que estamos falando do famoso Super-ego, o qual segundo Freud, é o herdeiro do Complexo de Édipo. Isso no sentido da internalização de uma lei, a qual orignariamente seria a lei da proibição do incesto, colocada pelo pai, ou por aquele que desempenha, numa leitura psicanalítica mais contemporânea, a " função paterna".

A bem da verdade, escrevo essas linhas num sentido muito mais amplo do que a história de final de ano, mas sim, me interessa resgatar esse citado "tribunal interno" ao qual me referi e que sempre nos traz muito sofrimento, seja ele maior ou menor.

De onde viria essa enorme "fidelidade" que mantemos a esse enorme tribunal temendo sempre uma possível retaliação, segundo a lei de Talião: "olho por olho e dente por dente". Muitas vezes assistimos verdadeiras desistências daquilo que poderia representar uma possibilidade de vir a ser feliz, hipótese a ser confirmada ou não, mas uma hipótese real sim, por essa mesma ação desse tribunal.

Pessoas que se cruzam pelo caminho, se delineando uma hipótese, se acabam afastando, por que este ou aquele são detentores de, por exemplo, uma determinada religião, ou mesmo de um estado civil, incompatível com aquela suposta união. Mas, a pergunta que fica é incompatível por que? Se existe de fato, uma grande intenção de ambas as partes de que as coisas dêem certo, porque será que não podem dar-se o tempo para que tudo se ajeite adequadamente? Fala-se muito em "mandato superegóico", como sendo o que estaria na determinação desse tipo de reação defensiva. Assistimos isso desde Romeu e Julieta, Capuletos e Montéquios, os quais decidem a felicidade ou melhor a infelicidade de seus descendentes. De qualquer forma , o que assistimos são inúmeros e inconstantes desencontros na vida de inúmeras pessoas, as quais poderiam vir a tentar uma aproximação feliz, baterem em retirada, numa fuga inexorável para um recolhimento que as leva ao extremo oposto daquela possibilidade enquanto tal.

É bem verdade que assistimos na clinica nossa de cada dia, muitas tentativas de se poder entrar em acordos internos, no sentido de modificarem essas situações tão escravizantes, mas o tal tribunal é implacável e não distingue, senão como inimigos àqueles que não se comportam de acordo com as normas por ele estabelecidas. Pune cruelmente seus dissidentes, jogando sobre eles o equivalente a verdadeiras "maldições", as quais terão que ser amargadas pelo resto de suas vidas. Pecados e dívidas impagáveis, por mais que as pessoas se esforcem para fazer a quitação e se verem libertas.

Embora saibamos , num plano consciente, racional, que uma pesssoa não pode ser resumida ao seu estado civil, ou mesmo de crença religiosa, nos parece que as partes representam o todo, nada mais restando às pessoas do que a condição de uma resignação masoquista diante dessas situações que a vida se lhes apresenta. Se no rito do casamento, pelo menos na igreja católica, nos é dito "unidos até que a morte os separe", porque não poderíamos questionar se não seria mais humano se pensar em "unidos até que a vida os separe". Separados pela vida sim, mas pela vida que tiveram e pelo subseqüente desgaste que teria ocorrido nas relações humanas. Separados pela vida sim, até para, uma vez vivos poderem reconstituir uma oportunidade de serem felizes novamente. Onde está escrito que os seres humanos têm uma e tão só uma única chance de tentar estar bem na companhia de outrem.

Freud nos fala dos famosos "três senhores do ego", ou seja: a realidade externa, o Id e o Super-ego. Uma das propostas de uma boa análise poderia ser compreendida como sendo dar ao sujeito uma possibilidade transacional entre esses senhores, para que o ego não acabe trucidado, enquanto os seus senhores não se decidem sobre o que fazer da vida.

Recordo-me de um caso ocorrido na minha infância de um senhor, viúvo há muitos anos, que lhe ocorreu reconstruir um lar tendo nele uma companheira com quem pudesse dividir os anos que lhe restavam. Como era muito católico, foi pedir ao padre da igreja que costumava frequentar, se este lhes daria uma benção católica, para que a união pudesse se concretizar, ao que o padre se recusou, não me lembro sob que pretexto, mas com certeza, um desses esfarrapados, já que ambos eram viúvos.  Recordo-me do "drama de consciência" que viveu este senhor porque, sendo ele muito católico, não queria fazer nada que fosse contra os desígnios da própria igreja. Por sorte, ele tinha três filhos que lhe incentivaram a dar esse passo, até que por fim acabou dando, porém com muitas reservas ainda e durante muito tempo daquela relação entre o casal.

Queria desta forma, deixar aqui esta reflexão para que possamos pensar em quantas coisas e oportunidades muitas vezes perdemos ao longo de nossas vidas, por querermos nos adequar ao politicamente correto, ou mesmo ao suposto moralmente correto, mas insisto, política e moralmente correto prá quem mesmo? Eu, particularmente, não possuo nehuma crença reencarnacionista e, nesse sentido, tendo a pensar que se temos uma só vida é nossa responsabilidade e de nosso direito vivê-la na sua magnitude, sem termos que ficar dando tantas satisfações a dogmas e mesmo premissas para as quais sequer fomos consultados à época de sua criação.

Um Feliz Ano Novo a Todos!!!

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