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Esquizofrenia Incipiente de Klaus Conrad

Introdução

Klaus Conrad (1905-1961), foi um psiquiatra alemão que deu seqüência à Psicopatologia Compreensivo-Fenomenológica Jasperiana da Escola de Heidelberg. Ocupa ele, uma posição única no rol dos grandes mestres desta Arte, por dar aos dados colhidos clínico-descritivamente, um tratamento gestáltico, a posteriori, destacando claramente fundo e forma (figura) nos achados de seus pacientes.

Desenvolvimento

Esta aplicação ao estudo da psicopatologia do delírio veio facilitar, em grande soma, o posicionamento nosológico e nosográfico do fenômeno delirante, alucinatório ou não.

Conrad dedicou-se, particularmente, à pesquisa da esquizofrenia. Neste tema deixa sua obra-prima cujo título em espanhol é La esquizofrenia incipienteIntento de um analisis de la forma del delírio (Madri: Ed. Alhambra, 1963). Foi escrito enquanto era Diretor da Clínica Psiquiátrica da Universidade de Göttingen. O material foi coletado entre 1941-1942, em plena Segunda Guerra Mundial, e sobre ele debruçou-se por mais 16 anos.

Mesmo com todo este tempo para estudo e reflexão sobre seus protocolos, deixou registrado que seu trabalho foi apenas uma pequena tentativa de contribuição a um tema tão insatisfatoriamente abarcado pela psicopatologia,  ou seja, a clínica inicial da esquizofrenia.

Se por um lado sua amostra não foi a de um probando randomizado (grupo formado ao acaso na população geral), como se costuma fazer nas investigações acadêmicas, por outro, teve a facilidade de encontrar uma grande quantidade de pacientes, que havia recém-acabado de apresentar os primeiros sinais de transtorno mental em suas vidas, além do que, todos tendo, ao menos, um fator desencadeante em comum: a frente de guerra. É claro que, de acordo com o temperamento e o caráter de cada paciente, estes sinais variaram muito.

Sempre observando a interação genótipo mais meio ambiente, pois já se conhecia então algo da genética das doenças mentais por meio de heredogramas familiares e o estudo de gêmeos monozigóticos. Neste cenário Conrad examinou uma coleção de militares, uns delirando, outros quase, uns alucinando, outros não, e por aí vai.

A questão que Conrad se propôs foi: "Quais, dentre todos esses pacientes, estaria iniciando uma verdadeira esquizofrenia?" Já que, de início, os quadros clínicos eram bastante semelhantes. É daí que vem o título original em alemão de seu grande/pequeno livro – tem menos de 200 páginas – Die Beginnende Schizophrenie (Beginnende – início, começo, princípio, origem). Foi traduzido pelos espanhóis por "incipiente", que pode gerar alguma dúvida.

Conrad dividiu a Evolução da esquizofrenia em cinco estágios, pela ordem:

  • 1. O TREMA (sintoma-chave: humor delirante)
  • 2. FASE APOFÂNICA (sintoma-chave: anastrofé)
  • 3. FASE APOCALÍPTICA (desagregação da personalidade e de sua relação com o mundo, levando à estereotipia catatônica)
  • 4. FASE DA CONSOLIDAÇÃO (possibilidade de melhora geral ou piora final)
  • 5. ESTADO RESIDUAL (somatória final dos defeitos acumulados)

Esse livro de Conrad representa para a Psicopatologia Clínica, a meu ver, o mesmo que representa a Psicopatologia Geral de Karl Jaspers. Vieram ambos para ficar. Curiosamente, pouco se fala ou se escreve sobre Conrad, e quem o conhece guarda para si. A CID-10 não lhe faz referência.

Se não me perguntam o que é a esquizofrenia, sei o que é; se me perguntam, não sei o que é, parafraseando Agostinho a respeito do tempo. Sua dificuldade de reconhecimento está exatamente no seu polimorfismo proteiforme (desculpem-me a descarada redundância). Entretanto, graças a Conrad, o característico trema e, se chegar lá, a apofania, vejo-os como pontos de referência em comum desta terrível doença mental.

O trema tem como sintoma-chave o "humor delirante". Somente existe o fundo deliriforme sem se configurar um tema. É algo difuso. Eles dizem: "Tem algo estranho no ar", "Alguma coisa está acontecendo", "Você sabe me dizer o que está se passando?" etc. Há um permanente sentimento de desconfiança. Estão em estado de alerta máximo, sem saber o por quê.

Na clínica atual, com exceção das cidades que estão em total desamparo da Saúde Pública, o que vemos são as esquizofrenias tratadas. Se os surtos da doença forem tratados corretamente é possível estacionar-se o mal já na primeira fase. Não é raro encontrarmos tremas cronificados, e classificados como Síndrome Delirante Crônica, ou como Delírio esquizo-paranóide de auto-referência (psicogenético, sempre reversível, e que não deixa defeito), trabalho magistral feito por Ernst Kretschmer. Na verdade é a esquizofrenia com sua fatal evolução abortada.

O que fica dos surtos nos pacientes, são os seus respectivos defeitos, que nem a medicação e nem as psicoterapias conseguem eliminar. Claro que quanto mais rápido for tratado o doente em surto, menor será seu defeito, garantindo sua permanência na fase inicial do trema, que, com a manutenção terapêutica, permitirá ao doente voltar para sua vida social. Muitas vezes estes pacientes são chamados de esquizóides ou fronteiriços (borderlines), e classificados pela patocaracterologia. Mas, são mesmo, doentes.

Diz Conrad que a limitação do estudo de casos isolados e selecionados, não permite separar o típico individual, do típico como enfermidade. Neste momento de pesquisa abre-se um parênteses e se estuda a doença, e não o doente. Por isso nem sempre são apropriados para investigação os casos muito diferenciados dado que, por sua estrutura, o típico da enfermidade mais se esconde do que se mostra.

Conrad elegeu uma forma especial da enfermidade: a esquizofrenia, de um material coletivo, não selecionado, de surtos esquizofrênicos recentes, expondo enfermos de todos os estratos sociais (soldados e oficiais).

A limitação que Conrad enfrentou, como já disse, foi a de ter um material vivencial "uniforme", já que todos os enfermos da casuística vinham dos campos de combate de guerra, que ingressaram por sua recente enfermidade em um hospital militar. Entretanto, este fato demonstrou-se frutífero, porque ficou reforçada a uniformidade típica da enfermidade, enquanto ficou diminuído o típico individual. Assim, por efeito do reforço, a "configuração de mundo" tornou-se mais acentuada do que a que se pode obter em um material clínico isolado.

Outro foco que se colocou na pesquisa foi o dos surtos re­centes. Não tomaram o problema da esquizofrenia, como freqüentemente acontece, partindo-se de seu esperado término, mas de seu incerto começo. O fato dos casos terem acabados de sair da tensa situação da estrutura militar deu certa garantia de se obter um rico material vivencial sobre seu início, já que nesta atmosfera as ligeiras variações da conduta normal são mais chama­tivas de atenção do que ocorrem na vida comum.

A análise das vivências desse material permitiu se­parar rapidamente em primeiro plano, dois momentos, que estão em dependência entre si e que caracterizam a vivência esquizofrênica da mudança de estrutura.

O primeiro é o trema, que acabamos de descrever. Oferecendo o clima propício para se desenvolver o segundo estágio: a apofania, com sua vivência de significado anormal e que está no centro do que Conrad chamou de anas­trofé, que é o fato do paciente interpretar que todo acontecimento no mundo gira ao re­dor de si. É a auto-referência imposta pela doença. Ambas, a apofania com seu sintoma-chave, a anastrofé, se apresentam sempre em conexão com os momentos vivenciais, e for­mam o ponto central da vida esquizofrênica. São expre­ssões de um presumido transtorno de mudança na tomada de po­sição do sistema de referência nos enfermos. Há um estabelecimento de relações sem motivo.

Transcrevo um exemplo que dei deste fenômeno em meu livro "Filosofia Clínica e as Psicoterapias Fenomenológicas", assim:

[É inútil querer convencer racionalmente o delirante de seu juízo crítico equivocado.

Vejamos: – Cem pessoas estão calmamente descansando na varanda de seus apartamentos. Na rua passa em alta velocidade uma viatura da PM com a sirene ligada.

É possível que umas cinqüenta delas nem percebam, tal a anestesia que se desenvolve em cidades grandes e violentas quanto a que fica este prédio. Umas trinta se assustam:- "Será que os assaltantes estão por perto? Vamos sair da janela antes que uma bala perdida nos ache". Dez reclamam:- "Quando a gente precisa deles, nunca estão por perto". Nove pensam: "Coitados destes PMs, o tempo todo arriscando a vida, e por um salário de fome!"

E, um indivíduo diz com convicção:- "Estão atrás de mim. É o Serviço Secreto. Eles estão sempre me vigiando. Querem me fuzilar". 

Neste ocorre a anastrofé com sua Vivência de Significado Anormal. Anormal porque está fora da norma-padrão estatística. A relação é de 1%. Mas, vejam: 50% estavam anestesiados. Evidentemente, isto também é absolutamente anormal do ponto de vista da saúde mental, entretanto, em uma sociedade patológica, onde se passa nosso prosaico exemplo, a anestesia torna-se normatizada pela sua alta freqüência; isto acontece por uma adaptação convergente, que é positiva no sentido de diminuir o estresse, aumentando nossas chances de sobrevivência à ação imperdoável promovida pela seleção natural.

Neste exemplo a estrutura delirante se fez em 2 tempos:

1º. A percepção correta da sirene da viatura

2º. A vivência com significado delirante

A esta estrutura delirante dá-se o nome de "percepção delirante".]

O esquizofrênico, em sua psicose, tem perda da possibilidade de realizar a "transposição" do "eu" para o "tu", o "outro". A impossibilidade de "transposição" o põe em uma situação como se fora prisioneiro de seu "eu", e em constante ato de luta reflexiva. Finalmente, o conjunto de todos os acontecimentos do mundo girará ao seu redor. Aqui está a essência da anastrofé.

Apofania e anastrofé pertencem em conjunto a um e mesmo fenômeno. Não são separáveis entre si, ainda que nem sem­pre tenham ambas igual expressão na auto-representação dos enfermos. São indícios de uma profunda mudança de estru­tura da vida anímica.

Conrad tentou, com seu trabalho, fazer uma análise figurativa dos transtornos do cérebro. O princípio foi elaborado de for­ma penetrante, tendo por fundamento as classes de modifi­cações dos mais altos rendimentos psíquicos. Acreditou ele, haver encontrado um transtorno da função figurativa diferencial e in­tegral. A estrutura dos rendimentos se estrutura em caracte­rísticos degraus.

No começo está sempre um fenômeno que Henri Ey chamou de "perda dos graus de liberdade", que consis­te na impossibilidade de mudança facultativa do sistema de referência do "eu". Isto também acontece nitidamente no TOC. A evolução deste quadro permite diferenciá-lo da esquizofrenia. Muitos consideram o TOC como um estado pré-esquizofrênico. Vendo o TOC como um conjunto de mecanismos de defesa do Ego, seria bom não pretendermos desarmá-lo de todo, pois pode desvelar-se a esquizofrenia latente que o impulsionava.

O afásico perdeu sua liberdade, não pode com­preender a significação das palavras, o aléxico, não entende a palavra escrita e não pode, em conseqüência, ler na fisionomia do outro, como o faz o sadio, na agnosia não tem a liberdade discriminativa para compreender as diferentes configurações. Não poderia jamais, voluntariamente, realizar uma mudança.

Todos estes enfermos experimentam uma perda de graus de liberdade. O delírio, como tal, é a incapacidade de mudar facul­tativamente o sistema de referência do "eu". Pertence à linha de transtornos formais, em alto "nível hierárquico", no sentido da neurologia de Jackson. Segundo a convicção de Conrad, só pelo caminho da patologia cerebral será possível um acesso frutífero ao problema do delí­rio. Isto se mostra também na construção dos cursos afásicos que – naturalmente a um "nível" muito alto – tem correspondência com os rendimentos da patologia cerebral.

O modo apofânico de vivenciar não aparece rápida e total­mente de forma inesperada, mas se prepara em uma pré-fase da enfermidade que temos visto como sendo o trema. Neste, a "transposição" já é ameaçada. E certamente isto faz deste es­tado tal como ele o é. A totalidade do campo psíquico aparece cir­cundada de barreiras, a liberdade é, a cada momento, mais e mais limitada, nasce um estado de necessidades que precisam de reação urgente. Assim, aparecem freqüentemente incompreensíveis atos e deslizes "sem sentido", que podem preceder a irrupção da psicose. O fundo afetivo cresce e se apresenta um estado de tensão que é vivido como intranqüili­dade, sentimento de pressão, depressão ou angústia. A impossi­bilidade de transposição é experimentada como um abismo que separa o indivíduo enfermo dos outros.

Continua freqüentemente o específico tom de culpa, a vivência cul­posa que o faz viver separado dos outros por este invisível abismo. Assim, brota neste mesmo solo fértil, o sentimento de prejuízo e de desconfiança, como mostra de incapacidade de "transposição" do "eu", novamente voltado e direcionado sobre si mesmo.

A irrupção da apofania, que se iniciou pelo humor delirante do trema, traz uma mudança da fisionomia da totalidade do campo psíquico, a qual se interpreta como expressão da sua infraestrutura. A primeira manifestação do delírio esquizofrênico se apresenta no momento em que a "transposição" se torna completa­mente impossível. É a rigidez deste movimento.

Este acontecimento avança em sua marcha com a aparição da vi­vência apofânica. Como sinal de um lento processo de destruição do campo perceptivo, que sobrevém em uma marcada acentuação da nebulosidade da essência diferencial das qualidades que vão englobando lentamente todas as esferas do campo atual da percepção.

A percepção delirante da psicopatologia clássica é a percepção de propriedades essenciais à luz da apofania. Fenômenos de falso reconhecimento (reco­nhecimento de pessoas, de coisas, de lugares etc.) e de estranhamento geral, são típicas expressões desta perda das propriedades fisionômi­cas específicas. A anastrofé, isto é, o "eu" flexionado para o ponto médio do próprio mundo interno, faz com que não seja mais possível a "transposição". Vive-se operando sobre o mundo, uma vivência de onipotência, na mesma medida como o mundo é vivido operando sobre o indivíduo, uma vivência de impotência.

Mas na apofania não é somente compreendido o espaço ex­terior, o espaço interior aparece igualmente apofani­camente modificado. Cada ocorrência se mostra na apofania como uma "inspiração", como se o conteúdo de seu pensamento estivesse "aberto", po­dendo ser lido por qualquer "outro".

Quanto mais aumenta o processo de destruição, começam a relaxar-se a conexão das sensopercepções. Igualmente aumenta a vi­vencia de difusão dos pensamentos em forma de "vozes" perceptíveis que não podem ser reconhecidas como produções próprias. Assim como se debruça sobre o seu "eu", também a representação do mundo é vivida com referência a si mesmo, isto é, há uma ponte entre o mundo e o eu que o torna transparente a tudo e a todos. Até este momento se trata de uma ma­neira de manutenção da conexão de si para com a totalidade, ou seja, o mundo objetivo permanece como um contínuo do "eu", embora delirante.

Porém, com a evolução da esquizofrenia se rompe esta situação de conexão e continuidade que até aqui possibilitava um contato com os enfermos. Surge assim, a terceira fase, a apocalíptica. As fissuras da co­nexão sensoperceptiva progridem e assim  as propriedades essenciais que diferenciavam as coisas entre si vão desaparecendo; uma inundação de "essências" é a conseqüência; perde-se a sintaxe dos gestos todos negando o campo total. Da mesma forma isto acontece no mundo vivencial interno do doente.

A fase apocalíptica pode tornar-se cada vez mais profunda, de tal forma que seja impossível experimentar algo a respeito de vivências configuradas pelo esquizofrênico. Encontramo-nos diante da mais plena conduta catatônica. As manifestações verbais, como as de comportamento, não guardam mais relação com o conteúdo vivencial. Tornam-se estereotipadas, vazias de sentido. É o verdadeiro autismo, no sentido que lhe deu Eugène Minkowski, como sendo "a perda do contato vital com a realidade."

Mas tudo permanece apoiado sobre os alicerces da apofania/anastrofé. Sobre elas vem também a perda da coordenação de todos os pensamentos, aparece uma desagregação da linguagem e do "eu", que se tornaram inde­pendentes do self maior, dominados pelas "vozes" do campo interno.

Se o processo não progride até o Estado Residual, sobre­vém lentamente um Estado de Consolidação. Assim como, no caminho de ida para o ponto mais grave da doença, deve ser atravessada a fase apofânica até alcançar a apocalíptica, no caminho de volta deve-se fazer o caminho contrário, voltando a ser vivenciado o estado apofânico.

Do ponto de vista clínico isto significa que para se chegar à psicose catatônica, primeiro tem que se atravessar sempre uma curta fase vivencial delirante (anastrofé), a qual, segundo o desenlace da psicose catatônica, pode aparecer novamente até sobrevir a construção do delírio. Demonstra-se, portanto, que fenomenologicamente a catatonia, é o degrau seguinte ao vivenciar delirante-apofânico.

A consolidação pode conduzir a um giro copernicano, que consiste em possibilitar novamente a "transposição" do autocentrismo para o alocentrismo. Assim, o enfermo pode realizar aquele giro, que lhe permite representar-se a si mesmo de fora e, por isso, reconhecer que a modificação não procede do exterior, não está no mundo, como até então acreditava, mas em si mesmo.

Seria por isso, a esquizofrenia, uma psicose curável? Entretanto, persistem os resí­duos (defeitos). Estes podem acompanhar-se, ao mesmo tempo, de uma redução do potencial energético psíquico. Esta perda de potencial, que pode ser de pequena intensidade – sendo talvez uma modificação especificamente esquizofrênica -, mas que pode alcançar já no primeiro surto grande extensão. Esta extensão depende de se a consolidação chegou até aquele limiar em que possa desenvolver-se o giro copernicano.

Se isso não ocorrer, permane­ce a consolidação estacionada em algum ponto do caminho, resultando um estancamento, do qual podem originar-se formas de curso delirante ou catatônico duradouros. Se o suceder psicótico to­tal pouco se desenvolveu na primeira fase: o trema, ainda que chegue a provocar grandes perdas de potencial – o que ocorre quando o processo é muito precoce, por exemplo, quando começa na puberdade, surgindo formas clí­nicas do estado de defeito (embotamento afetivo-volitivo): a hebefrenia e a esquizofrenia simples. Disto pode surgir uma série de conseqüências.

Primeiro que, segundo os pontos de vista expostos, não po­demos falar mais de sintomas esquizofrênicos que se en­contram entremeados sem sentido. A aparição do trema, da estrutura da vivência apofânica e seu progres­so até à apocalíptica, tornam compreensíveis todos os fenômenos esquizofrênicos sucessivos a partir da essência da modificação.

Segundo, que disso se depreende que não parece correto duvidar-se da unidade da esquizofrenia como uma entidade nosológica e nosográfica. A mim me parece que é justa a concepção da dependência nosológica de cada diferente tipo de curso: hebefrênico, paranóide, catatônico e simples, como também a dos raros surtos curáveis.

Caso se oriente o conceito de esquizofrenia segundo o critério feno­menológico aqui mostrado, especialmente naqueles casos da apofania/anastrofé e perda do potencial energético psíquico, possa segundo minha opinião, ser assentado o diagnóstico unitário de esquizofrenia no universo psicopatológico.

Certamente se dão sempre casos duvidosos, em especial quando obtemos pouco material vivencial dos enfermos, e aí, devemos deixar a questão em aberto. O diagnóstico se apóia nos critérios de comportamento e de tipos de condutas "aloca­das", acrescidos dos fatores vivenciais para que se assinalem quais fenômenos se tomam, ou não, por "esquizofrênicos". Sem isso não se poderá alcançar jamais a unidade no estabelecimento do diagnóstico.

Como exemplo, temos a definição por mim adotada para a expressão "esquizofrenia": uma "psicose" com transtornos característicos do pensamento (perda da sintaxe, desagregação), maneira de comportar-se (adaptação deficitária), transtorno da vontade (sentimento de ser dirigido; falta de impulso), ambivalência afetiva, autismo no sentido de perda do contato vital com a realidade, percepção de­lirante. Acrescento, ainda as alucinações auditivas, embora Conrad as coloque como secundárias, juntamente com a catatonia.

Não se pode negar que em certos processos orgânicos cere­brais (raros), observem-se semelhantes mecanismos (p. ex., nas psicoses tóxicas ou epiléticas). Isto corrobora minha convicção de que também o vivenciar esquizofrênico deve apoiar-se em uma mudança correlata da função cere­bral. Podemos, nessa análise de Conrad, insistir reiteradamente em que a modificação deve ter como fundamento uma desdiferen­ciação funcional orgânica correlata. A questão da nebulosa das propriedades essenciais,  encontramo-la na análise da mudança de rendimentos de traumatismos crânio-encefálicos, na afasia e na alexia, na agrafia e na agnosia, todos, transtornos da função configurativa diferen­cial e integral que caracterizam também os enfermos amnési­cos da síndrome de Korsakow. A vida delirante mesma pa­rece levar consigo todas as características da mudança figurarativa, isto é, uma perda das funções epicríticas (forma), conservando-se as pro­topáticas (fundo). Também o parentesco do modo de vivenciar apocalíp­tico com o sonho fala neste sentido, e Conrad jamais titubeou em assinalar os sonhos como conseqüência de uma modificação dos rendimentos cerebrais. Finalmente, também a redução do potencial energético psíquico tem o caráter de um transtorno orgânico cerebral e é chamativamente parecido à perda de impulsos dos encefalopatas frontalizados.

Consideremos, finalmente que é notório como a enfermidade ataca o núcleo central do vivenciar, o que diferencia o homem do animal: o "eu" e a capacidade reflexiva e libertadora da "transposição", obtendo-se, assim, certa indicação de onde se deve buscar a modificação do substrato: naquelas partes da organização cere­bral privativas do homem que o diferenciam do cérebro dos mais altos primatas. Isto não é um tópico categórico ou inteira­mente localizatório, mas sob certas circunstâncias, quantitati­vamente compreensível.

Por isso tudo, nos parece que não é de nenhum modo estéril tratar de resolver o problema da enfermidade esquizofrênica pelo caminho da investigação neuromorfofisiopatológica, usando-se as neuroimagens funcionais e a biologia molecular do metabolismo encefálico. O resultado da análise da esquizofrenia por Conrad estimula em muito a se buscar aí as bases correlatas do processo esquizofrênico.

One thought on “Esquizofrenia Incipiente de Klaus Conrad”

  1. olá! parabéns pelo texto! Como faço para ter acesso ao livro original? Não consigo encontrar na internet…

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