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Os Conceitos de Atividade e a Regra de Abstinência

Procuramos com a execução deste trabalho, trazer à tona dois dos principais conceitos referentes à técnica psicanalítica. Tentamos nos deter nos efeitos deletérios que podem propiciar ao proceso de análise, quando estes dois termos são conduzidos quase que de uma forma literal, não podendo ser adequadamente relativizados.

Quando observamos aqueles que são denominados de "Os Escritos Técnicos de Freud", podemos notar com muita freqüência uma extremada preocupação de Freud contra os excessos que poderiam ocorrer dentro do âmbito de uma psicanálise. Quanto a excessos estamos nos referindo tanto do ponto de vista de uma gratificação, como de uma frustração desnecessárias durante o processo analítico.

Em 1919, Freud em "Os novos rumos da terapêutica psicanalítica", nos acena com aquilo que poderíamos esperar constituir-se em algumas mudanças nesse sentido, contudo é fiel em suas declarações que quanto à dinâmica do tratamento, conforme já exposto em 1912, nada entende que deveria ser modificado. Devemos notar, contudo, que as preocupações de Freud nesse sentido estavam situadas em poder dar uma resposta a Putnam e à Escola de Zurique, os quais se mostravam partidários de uma psicanálise mais normativa e mais moralizadora, assim como a Ferenczi, o qual embasado aparentemente quanto às dificuldades técnicas de um caso de histeria, acabara de preconizar, também em 1919 a Técnica Ativa em psicanálise. Freud mostra-se totalmente em oposição a todo e qualquer papel moralizador e aqui, vamos citá-lo literalmente: "Não podemos evitar a admissão para o tratamento de pacientes que estão tão desamparados e que são tão inaptos na vida comum, que para eles é necessário combinar a análise com uma espécie de influência educativa".

Se nos lembrarmos das antigas, e porque não dizer recentes discussões entre Freud e Ferenczi sobre as questões de ordem técnica, entendemos que Freud sempre se posicionou de modo muito claro, ou seja, nos diz que o analista é ativo em suas duas tarefas essenciais: tornar consciente o material recalcado e descobrir as resistências. Mas, a pergunta é: será o suficiente para dar conta do processo de análise? Poderíamos pensar que nada estaria mais condizente do que se tentar colocar o paciente naquela situação mental mais favorável à solução do conflito. Mas, isso significa abrir uma outra vereda na situação analítica. Assim, Freud nesse momento parece contentar-se em enunciar o princípio que será provavelmente, a idéia matriz no estudo desse novo problema, ou seja, segundo os dizeres do próprio Freud: "O tratamento analítico deveria ser conduzido, tanto quanto possível, numa atmosfera de privação, num estado de abstinência". Note-se, contudo, que abstinência não quer dizer nem a reprovação de todas as satisfações, nem a abstinência sexual, mas sim, "algo que tem muito mais a ver com as dinâmicas da doença e da cura".

Proponho que continuemos seguindo Freud em suas palavras, para se este for o caso, tecermos nossos comentário, a posteriori: "Lembrem-se de que foi uma frustração que fez com que o paciente adoecesse, e de que seus sintomas são gratificações substitutivas. Assim, toda a melhora de sua condição reduz a velocidade da cura e diminui a energia pulsional que o impele para o tratamento, podendo colocar em risco o próprio objetivo do tratamento. Chegamos aqui a uma conclusão que se nos impõe como sendo inevitável: devemos cuidar para que os sofrimentos do paciente, num grau eficaz, não cessem prematuramente. Quando os sintomas foram dissecados, sendo cada um deles desvalorizado, libidinalmente falando, cumpre-nos suscitar uma privação bastante severa em qualquer outro ponto sensível".


As aplicações essenciais da regra de abstinência:

1-) fora do tratamento, à medida em que os sintomas desaparecem, o paciente faz uso de sua enorme capacidade de deslocamento para ir em busca de novas satisfações substitutivas, nas quais se perde a energia necessária ao tratamento; essas evasões podem ser graves, quando gratificam a culpa e a necessidade de punição que prendem muitos neuróticos à sua neurose.

2-) mas, é primariamente no tratamento, na relação transferencial, que o paciente busca as satisfações substitutivas. No que tange à sua relação com o analista, o paciente deve ter seus desejos insatisfeitos em abundância.

Dessa forma, a formulação da regra de abstinência permite aprofundar a dinâmica do tratamento psicanalítico , bem como da transferência.


Uma tentativa de resumir este progresso:

1-) Durante o tratamento, o analista é ativo não só por sua atitude atenta e compreensiva, não só pela interpretação das resistências e do material recalcado, mas inclusive também pela aplicação da regra de abstinência.

2-) Sendo a frustração resultante da aplicação da regra de abstinência considerada por Freud homóloga da frustração que está na origem da doença, e a neurose de transferência homóloga dos sintomas neuróticos, é lógico admitir uma relação dinâmica entre a aplicação da regra de abstinência e o desenvolvimento da neurose de transferência.

Posto isso, gostaria agora de tecer algumas considerações:

Todos sabemos que não é de forma alguma uma cena difícil de ser encontrada na mídia televisiva, por exemplo, aquela onde embora estando dentro do consultório o analista ou psicoterapeuta e seu(sua) paciente, a única coisa que podemos ouvir é o barulho do mover dos ponteiros do relógio. O pior dessa situação é que embora essa cena seja um desserviço para a população, enquanto imagem de uma psicoterapia é a de que ela ocorre realmente muitas vezes na prática clínica de alguns profissionais. Muitos entendem, por exemplo, que a neutralidade, deve ser tomada no sentido literal do termo, transformando-se em meros expectadores do sofrimento alheio. Passam uma idéia de não-vida, no sentido de que nada os "afeta" no mundo, principalmente o sofrimento daquele que o colocou como destinatário de sua dor. O transcorrer das sessões parece verdadeiros rituais de extremada solidão para o paciente.

Existem, sabemos disso, aquelas sessões que começam com um "bom dia", e terminam com um "até logo", nada se passando entre os dois cumprimentos.

Uma ocasião, ouvi um relato de um profissional recém-formado que começava a atender, o qual ao dar início à sua análise pessoal teria passado por uma situação que me parece emblemática para ilustrar o nosso tema aqui trabalhado. Quando começou sua análise foi perguntado por uma amiga se sabia que seu analista era oriundo de uma outra área de formação acadêmica. Como desconhecia o fato, "levou" aquela questão para a sua análise e perguntou de forma direta ao analista sobre se ele, de fato, pertencia àquela área mencionada pela sua amiga. O analista em questão, por seus motivos, com os quais não consigo estabelecer nenhum tipo de empatia, levou umas seis sessões para, finalmente lhe dizer que se tratava, na verdade, de um homônimo dele.

É interessante podermos observar que o próprio Freud, teria se referido por inúmeras vezes, ao fato de que os analistas deveriam envidar todos os esforços a fim de evitar o sofrimento "desnecessário" de seus pacientes. Parece-me que, no exemplo anterior isso não teria sido levado em consideração, uma vez que, em minha opinião profissional, acabou criando-se um impasse que, além de desnecessário, acabou por obstaculizar o livre comércio associativo por parte do paciente. Em outras palavras, como solicitar a associação livre, se deixava o paciente "pendurado" numa questão de somenos importância. Notem que não estou dizendo que a questão deveria ter sido simplesmente respondida e ignorada a seguir. Não, como qualquer outro tipo de material, teria que ser investigado, mas o que parece é que isso foi levado às últimas conseqüências, dificultando o fluxo das cadeias associativas por parte do paciente em análise.

Muitas vezes, em uma situação de análise o paciente faz um comentário, que de um modo secundário, pode fazer uma certa referência à pessoa do analista. Um nome, um perfume, uma profissão, etc., e o analista muitas vezes não hesita em formular uma interpretação de cunho transferencial. Uma coisa é afirmarmos com toda a convicção de que uma análise se desenvolve na esteira do eixo transferencial, e outra é afirmar que absolutamente tudo aquilo que o paciente traz em sua fala manifesta, pode e deve ser interpretado dentro desse eixo. Brincamos entre os analistas sobre o fato de que alguns sofrem de uma "transferencite aguda" e outros de uma "transferencite crônica". São, na verdade questões de cunho técnico e que deverão ser observadas sem nenhum descuido o tempo todo da análise ou da sessão de análise, não importando o período do processo em que estamos.

Fiz questão de trazer para a nossa reflexão esses dois conceitos muito utilizados em psicanálise, ou seja, a atividade e a regra de abstinência, uma vez que, assim como em muitas coisas na vida, o bom manejo encontra-se no ponto médio e não em nenhum dos dois extremos, os quais são igualmente deletérios para o processo de análise.

Sabemos também, que denominados como restos transferenciais, os jovens analistas vão se posicionar frente a seus pacientes, bem ao estilo de como se posicionaram diante deles os seus próprios analistas. Daí a necessidade precípua de muito estudo teórico, muita supervisão e, porque não dizer, em alguns momentos, de uma re-análise pessoal do próprio analista em questão, como formas de estabelecimento de identificações com outros padrões possíveis de escuta de um material clínico.

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